quinta-feira, 31 de julho de 2025

Reze para que você não seja o pior


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  01 / 08 / 2025 - OP002
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O hábito de trabalhar com procedimentos convencionais foi brutalmente impactado pelas novas tecnologias. Portanto, sair do aquário é fundamental. A contabilidade, a sociedade, a economia estão sendo digitalizadas; noutras palavras, muita coisa está se desmaterializando. Pode-se dizer ainda que o mundo de hoje é digital; e tudo que é digital pode ser rastreado.

 

O Sistema Público de Escrituração Digital caminha para os seus vinte anos de existência e ainda assim, tem gente olhando pra ele com estranheza e sem compreensão exata do seu propósito. O SPED digitalizou o relacionamento do Fisco com as empresas, o que vem gerando uma série de transformações no ambiente de negócios brasileiro. E se considerarmos os novos paradigmas de rastreabilidade, vamos perceber que aconteceu uma expressiva mudança no foco do Fisco, que vem buscando a informação diretamente na fonte primária.

 

No modelo clássico, o fato econômico submetido às normas legais gerava repercussão contábil que culminava na tributação. Noutras palavras, como o governo não poderia estar presente no momento de cada fato gerador, ele encheu o contribuinte de obrigações acessórias para mapear as bases taxativas. Desse modo, a contabilidade foi sequestrada pelo governo e depois transformada num instrumento fiscalizatório. Pode-se dizer que o governo não enxergava o fato econômico, mas sim, a repercussão contábil desse fato econômico. Trocando em miúdos, ele enxergava a venda pela emissão da nota fiscal, enxergava a transferência de propriedade pelo registro em cartório, enxergava o imposto ajustado pela declaração de IR etc. Assim, o governo criou muitas obrigações acessórias para se aproximar do fato econômico.

 

Com a digitalização da economia o Fisco passou a enxergar o fato econômico sem filtros e sem ajustes, uma vez que pessoas físicas e jurídicas deixam profundos rastros eletrônicos de tudo que fazem. Desse modo, o governo passou a concentrar suas energias na criação e aprimoramento de mecanismos capazes de enxergar o fato econômico. Daí, que não poupa esforços para decifrar os aspectos vitais dum ambiente tecnológico enigmático, pulsante e veloz. Atualmente, o Fisco tem acesso a qualquer tipo de transação eletrônica, incluindo cartões de débito ou crédito. O Pix, por exemplo, é uma teia eletrônica que está enleando gente antes imperceptível. E até mesmo as operações com criptomoedas já foram regulamentadas pela IN/RFB 1888.

 

Ao buscar fatos econômicos, o Fisco passou a obter muita informação sobre o contribuinte. E mesmo assim, algumas pessoas duvidam desse poder avassalador quando apontam uma determinada empresa toda errada que não sofre autuação nenhuma. Tais pessoas precisam saber que casos assim acontecem porque o Fisco não se dispõe a quebrar 70% das empresas brasileiras, porque, tecnicamente, era isso que aconteceria se todos caíssem numa auditoria fiscal, já que as contabilidades não refletem o mundo real das empresas. De fato, o que ocorre é uma escolha diária.

 

O Fisco escolhe aquele que esteja em pior condição. Na verdade, o empresário que acorda de manhã deve rezar para que haja outro empresário pior do que ele, porque esse pior vai cair na auditoria fiscal. Todo dia alguém cai na auditoria; todo dia alguém se arrebenta. E se você não está sendo arrebentado é porque tem alguém pior do que você. E isso vem se intensificando nos últimos tempos.

 

Para tornar as ações fiscalizatórias menos traumáticas e mais eficientes, o Fisco criou focos de espontaneidade para incentivar auto regularizações. Um bom exemplo são as inconsistências detectadas pela Receita Federal, em que, posteriormente, o contribuinte é "convidado" a esclarecer e regularizar. A eficiência de tal procedimento se traduz em recordes de arrecadação, já que a maioria responde positivamente. Desse modo, as autuações são direcionadas somente aos que persistem no erro.

 

E para encerrarmos nosso assunto, o Fisco caminha de modo que ele mesmo venha a apurar os impostos. A tal Apuração Assistida da Sefaz gaúcha possui um similar super poderoso na estrutura normativa da Reforma Tributária. Desse modo, e com o Fisco inteiramente entranhado nas operações internas, as empresas devem focar suas ações no compliance fiscal. Portanto, não caia na síndrome da Gabriela.


























segunda-feira, 21 de julho de 2025

POLÊMICA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  25 / 07 / 2025 - OP001
Artigos publicados  

 

No programa Roda Viva da TV Cultura, o Secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, disse que o ICMS é o mais complexo tributo do mundo, enquanto o ex-ministro Maílson da Nóbrega afirmou que a substituição tributária é a modalidade mais complexa do ICMS. Temos assim a complexidade da complexidade para administrar nas nossas rotinas operacionais. Esse regime maluco cresceu exponencialmente nas últimas décadas, impulsionado pela voracidade arrecadatória e pelo inchaço da máquina pública. Ou seja, o agente fazendário quer mais, e quer logo, não se importando com o estrangulamento do fluxo de caixa daquele que paga impostos cada vez maiores.  Por exemplo, o Maranhão é o estado com maior alíquota geral de ICMS.

 

Os atropelos normativos da legislação confusa devem estar na mira das entidades patronais porque, do contrário, o legislador acaba promovendo uma verdadeira escalada de regras abusivas. E assim, além de pagar imposto sem fato gerador, a empresa é atormentada pelos riscos de conformidade e também pela sobrecarga de custos burocráticos. Em face de tantos desafios, é preciso agir conjuntamente e inteligentemente para neutralizar as ameaças mais críticas. E também trabalhar questões secundárias na forma de análises do sistema normativo com oportunas sugestões de melhorias no texto legal.

 

Anos atrás, um importante movimento ocorrido no estado do Amazonas culminou na revogação do ajustamento da MVA utilizada no cálculo do ICMS-ST, com impacto positivo nas finanças do contribuinte amazonense (Decreto 38910 de 2018). Por exemplo, papel carbono NCM 4809 paga carga direta de 35,80% quando o produto entra no Amazonas. Se a MVA fosse ajustada, esse percentual seria de 43,60% (CST 1 e 2). Essa revogação foi ainda mais impactante porque poucos produtos sofrem retenção na origem, sendo o grande volume de itens cobrados pelo ingresso no AM. Sendo assim, autopeças ou lâmpadas ou pneus continuam pagando ICMS-ST com MVA ajustada. Mas isso contraria frontalmente a Cláusula quarta do Convênio 142 de 2018, a qual determina que o sujeito passivo deve observar as normas da unidade federada de destino da mercadoria.

 

Logo que o Decreto 38910 foi publicado, a empresa Pneu Forte conseguiu convencer o Grupo Sumitomo a não fazer ajustamento nas vendas do Paraná para o Amazonas, mesmo contrariando dispositivo legal que mandava ajustar. Os ganhos foram extraordinários; por exemplo, pneu de caminhão com MVA ajustada de 53,45% foi reduzida para 32%. Pneu para motocicleta: de 86% para 60% etc.

 

Apesar de essa modalidade arrecadatória ter sido legitimada pela EC3 de 1993, um advogado amazonense conseguiu realizar um feito memorável para o Grupo Nova Era, que passou a pagar somente ICMS apurado. Ou seja, a Sefaz foi proibida de cobrar todo tipo de antecipação. Inclusive, esse advogado me falou que tudo que fugir da não cumulatividade é inconstitucional. Essa tese aceita pelo Judiciário derruba todas as pautas.

 

As normatizações do ICMS são inteiramente cercadas de irregularidades. Um bom exemplo está nas ratificações dos convênios autorizativos do Confaz por meio de decreto estadual. É fato notório que um convênio tem força de lei, e, portanto, deve ser ratificado por lei. O dito advogado provocou um rebuliço no Amazonas com base nessa constatação óbvia.

 

O mesmo advogado derrubou toda a estrutura de ICMS-ST porque sua regulamentação até o ano de 2022 era por resolução e não por lei. Da mesma forma, muitas outras normatizações caíram por causa do mesmo vício formal. E esse padrão tortuoso é observado no país inteiro.

 

Os problemas se multiplicam no regime do ICMS-ST, como erros de cálculo ou retenção sem recolhimento que obriga o destinatário a pagar novamente para poder retirar a mercadoria da transportadora. Muita gente não observa no topo da nota fiscal a ausência de inscrição de substituto tributário, deixando assim de exigir o comprovante de pagamento logo após emissão da nota fiscal.

 

Outro problema comum está no enquadramento indevido de produto beneficiado por regimes favorecidos de tributação. Na verdade, muita gente faz confusão no processo de enquadramento por não observar a questão dos segmentos econômicos constante no parágrafo sétimo da Cláusula sétima do Convênio 142 de 2018. Além disso, pesa ainda aplicação do produto. Tantos cuidados na gestão do ICMS-ST são mais graves nas empresas do Simples Nacional, já que não fazem apuração. Ou seja, pagou errado, tá ferrado. Nas empresas maiores ainda é possível fazer ajustes no procedimento de apuração mensal.

 

Esse assunto é muito vasto, mas vamos concluir o texto exortando as entidades empresariais para mapear os detalhes normativos de substituição tributária. Por exemplo, a Federação das Indústrias amazonense faz um trabalho magnífico de acompanhamento normativo de tudo que afeta seus interesses. Toda vez que surge uma regra nova, são promovidas reuniões com presença em massa de funcionários da indústria. Tais eventos se repetem até que os problemas sejam solucionados. Curta e siga @doutorimposto. Outros 505 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também, informações sobre treinamentos online e presencial.