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domingo, 26 de abril de 2020

ALMA BANDIDA



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  28 / 04 / 2020 - A399

Dona Fran é uma simpática costureira que atende seus clientes com um belo sorriso no rosto. Certa vez, eu levei uma calça para embainhar. Enquanto concluía o serviço, ela fez um comentário emblemático. Disse que um catador de recicláveis colocava areia nas latinhas amassadas para aumentar o peso e assim ganhar um pouco mais de dinheiro. Dona Fran discorria sobre essa história com desenvoltura e certa admiração pela ideia genial do catador.

Se quiser conhecer a alma de um país, basta prestar atenção nos seus políticos. O sistema político sintetiza o caráter de uma nação. E o motivo é bem simples. Os piores políticos brasileiros, por exemplo, não vieram do planeta marte nem das profundezas do inferno; eles foram paridos das massas. O voto representa um alinhamento de caráter com o votado. O político eleito, portanto, está em perfeita sintonia com os valores daqueles que o elegeram. Trocando em miúdos, cada eleitor faria exatamente aquilo o empossado faz. É claro e óbvio que o seu João das couves ou o pastor da igreja não seriam capazes de abominações características do universo político. Será mesmo?

Será que alguém que coloca areia nas latinhas também seria capaz de grandes desvios, se tivesse oportunidade? Será que a Dona Fran seguiria na mesma linha? Pois é. Quem reclama da corrupção desenfreada é gente que acha normal, a prática de “pequenos deslizes” (ou grandes). É mais ou menos assim: O macaco que segue atrás, debocha do rabo do macaco que vai na frente. É muito estranho, acompanharmos décadas e mais décadas de protestos contra a corrupção enquanto o sistema corrupto ganhou musculatura nesse mesmo período. Pesa aqui o velho ditado: Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento. Essa pantomima ignóbil ficou ainda mais evidente no episódio rocambolesco da demissão do senhor Sérgio Moro.

Os partidários do presidente apoiaram incondicionalmente tudo que ele fez, ao mesmo tempo em que desqualificaram o ministro, que agora é um bandido. No fundo, todos sabem quem está mentindo. Mas o que pesa na balança é o pragmatismo, que não deixa espaço para outro tipo de conduta moral. Na visão dos apoiadores ardorosos, o presidente pode tranquilamente interferir nos inquéritos da Polícia Federal (ele pode tudo). Ele pode demitir quem quiser, a qualquer instante, principalmente quem investiga seus amigos e familiares. Isso é perfeitamente normal. Também é normal, um patrão habituado a demitir funcionários aleatoriamente, como se fosse uma roleta russa. É claro que isso é insano e condenável numa empresa. É claro que isso joga rapidamente a empresa no precipício. Mas para os bolsonarianos tudo é perfeitamente normal.

O mosaico de personalidades tortuosas é o laboratório perfeito do político desonesto. A arte da política se traduz num profundo conhecimento da alma do eleitor. O político moderno não precisa envidar grandes esforços para convencer ninguém sobre contos de fadas. O político sabe que seu eleitor tem uma alma bandida. Mesmo porque, a sociedade está mais descarada; as pessoas estão abandonando os estereótipos romantizados e assumindo um comportamento pragmático. Afinal de contas, o mundo é dos espertos. E no jogo da esperteza vale tudo. Quem ainda insiste na profissão de bondade aprende no BBB que é preciso mentir, trapacear, agredir e passar por cima dos brothers para ganhar o jogo. O pior de tudo é que desse caldo de ignomínias nascem as escolhas dos políticos que conduzem o destino da nação. Portanto, o nosso sistema político seguirá imutável e o noticiário continuará entupido de manchetes tenebrosas.

Tempos atrás, o maior empresário do comércio local disse que entrar na política é entrar na lama. Daí, que pessoas cuidadosas e honestas fogem da política partidária, restando aos facínoras a tarefa de ocupar os espaços abandonados pelos cidadãos honrados. O Juiz Sérgio Moro saiu do governo porque se manteve fiel aos seus princípios. Os políticos e seus agregados sabem que discurso é apenas um meio de conquistar o poder. As regras vigentes nos bastidores são bem diferentes daquilo que é dito nos palanques. Todo mundo sabe disso. O Juiz cometeu o grave erro de atuar nos bastidores da mesma forma que age publicamente. Os partidários do presidente não toleram isso. Ou seja, o ex-ministro deveria ter se ajustado aos esquemas políticos. Quem não se ajusta, não sobrevive em canto nenhum. Curta e siga @doutorimposto



































terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

DEIXA O COMÉRCIO TRABALHAR



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  18 / 02 / 2020 - A389

Em uma das provas do quadro “Força Bruta” (Globo Esporte) exibido domingo passado, os competidores arrastavam um conjunto de correntes que pesava 300Kg. Mesmo sendo homens gigantes, era visível o desgaste e a dificuldade para cumprir um percurso de poucos metros. O sofrimento estampado no semblante dos atletas era a imagem perfeita do empresário obrigado a se movimentar amarrado aos pesados ICMS, Pis, Cofins, IPI, Cide, ISS, SPED, DAM, DAS, DIRF, DCTF, Taxas infinitas etc. Todo esse quadro embaraçoso é muito bem caracterizado no relatório Doing Business 2010 divulgado pelo Bird (Banco Mundial) que aponta o emblemático volume de 2.600 horas necessárias para o contribuinte brasileiro acertar suas contas com o Fisco. Nesse trabalho de pesquisa envolvendo 183 países, o contribuinte dos Emirados Árabes gasta somente 12 horas; na Inglaterra, são 110 horas; na China, 338 horas.

A burocracia infernal é o peso que mata qualquer chance de mobilidade do empresário brasileiro, que, sem agilidade nenhuma, perde feio para os competidores internacionais. Daí, que é impossível competir com produtos importados ou com empresas estrangeiras que se instalam por aqui amparadas por generosas renúncias fiscais. Para sobreviver, o comerciante brasileiro atua como os soldados vietnamitas que lutaram contra o gigante norte americano na segunda guerra mundial. Isto é, o contribuinte atua como um guerrilheiro nas sombras para escapar do Fisco. O comerciante brasileiro extrai leite de pedra; os sobreviventes se mantêm na ativa contrariando todas as possibilidades de funcionamento. As histórias de bastidores envolvendo expoentes do nosso comércio local são repletas de operações mirabolantes e de manobras extremamente arriscadas (coisa de filme hollywoodiano). Mas é aquela velha história: O Brasil não é para amadores.

A razão desse estado calamitoso em que vivemos está no indecifrável sistema de tributação sobre consumo e sua longa cadeia de repercussão, desde a extração, passando pela industrialização, distribuição, até chegar ao varejo. Nesse longo e acidentado caminho acontecem terremotos, inundações, chuva de meteoros etc. É um descalabro, a quantidade de normatizações conflituosas que mergulham profundamente no detalhamento do detalhamento do detalhamento de cada produto comercializado. São milhares de codificações, enquadramentos, exceções, redundâncias, sobreposições e conflitos que arrastaram o sistema inteiro para o Judiciário. A nossa realidade cotidiana deixa claro que a jurisprudência se agiganta sobre a norma. As empresas mais robustas operam em cima dum vasto suporte judiciário. E quanto às pequenas, resta a tenacidade e a argúcia de trabalhar meio que na clandestinidade (ou é isso ou é morte certa). Cumprir vírgula por vírgula do sistema tributário é simplesmente impossível.

Pois é. Estamos agora vivendo o exato momento de abertura do portal interestelar que vai se fechar logo, logo. Temos a chance preciosa de varrer a sujeira normativa e assim construir uma nova sistemática tributária enxuta, justa e eficiente. Estamos com a faca e o queijo na mão diante da oportunidade para aniquilar o monstro apocalíptico que mantém o contribuinte preso a grossas correntes burocráticas. O modelo ideal de tributação indireta é o Imposto sobre Vendas a Varejo norte americano. Mas como isso é inviável no Brasil (os estados produtores não querem perder arrecadação), que então se cobre parte na origem e o restante na entrada do Estado consumidor, numa espécie de substituição tributária para tudo. A ideia é que TUDO seja cobrado na entrada, porque, desse modo, o comércio inteiro ficaria dispensado de qualquer taxação sobre vendas. Ao mesmo tempo, o comércio não teria que gerar relatórios e mais relatórios sobre infinitos detalhamentos das suas mercadorias. Em outras palavras, o Fisco deixaria o comércio livre para trabalhar. Mesmo porque, a dupla Sefaz/RFB nunca, jamais, conseguirá evitar que as normas do mercado sejam ditadas pelo sonegador.

O modelo de tributação indireta baseado no IVA que se mantém firme e forte nas propostas em tramitação no Congresso Nacional, pretende conservar (ou piorar) o enrosco burocrático hoje existente. No processo de Reforma Tributária, a luta deve ter como alvo preferencial o diabólico jogo de débito versus crédito que repercute ao longo da cadeia de produção/distribuição. Curta e siga @doutorimposto




































segunda-feira, 14 de outubro de 2019

MÁQUINA DE PERPETUAR DESIGUALDADES



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  15 / 10 / 2019 - A377

O polêmico assunto envolvendo o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ilustra de forma indelével o espírito matreiro dum povo viciado na manha do jeitinho. Estamos falando duma nação que não fez o dever de casa e mesmo assim insiste na pretensão de integrar o clube dos ricos. Tal situação lembra bem aquele aluno que vai para a faculdade, não para estudar, e sim, para obter o diploma. Na televisão, observa-se filas e filas de desempregados, onde muitos deles mal sabem se expressar minimamente, apesar de tantos recursos de aprendizagem disponíveis em plataformas de fácil acesso, como o próprio smartphone.

Pois é. A característica mais acentuada e a que mais nos distancia da OCDE é a nossa brutal desigualdade social, a qual está intimamente vinculada à opção pelo modelo regressivo de tributação. A sociedade brasileira é empobrecida pela esmagadora carga de impostos escondida nos produtos que consumimos diariamente; principalmente, alimentos básicos. O trabalhador recebe líquido somente 60% daquilo que é gasto pelo seu empregador e depois tem metade da sua renda abocanhada pelos impostos indiretos, sobrando assim uma ínfima quantia para construção de algum patrimônio. O resultado desse perverso regime semi-escravocrata é traduzido num potencial de consumo sufocado pela desigualdade social.

Interessante, é que as propostas de reforma tributária em debate no Congresso Nacional são focadas única e exclusivamente na intensificação da regressividade, onde, por exemplo, a PEC45 quer aumentar o imposto sobre serviço de 5% para 25%. O ministro Paulo Guedes só fala em redução do imposto de renda. Conclui-se então que todas as forças se unem para aumentar a regressividade e diminuir a progressividade. E é com essa deformação jurídico social que o Brasil quer por que quer entrar na OCDE, onde a carga média do imposto de renda é de 37% e o peso dos tributos sobre consumo é de 25%. No Brasil acontece exatamente o contrário: o percentual de tributação sobre a renda é de 18% enquanto que o consumo responde por 51% do bolo arrecadatório. Ou seja, os números falam por si, não deixando margem para qualquer divagação tecnicista ou filosófica que tente justificar o nosso regressivo e perverso modelo tributário.

Quem está por trás da PEC45 é um conglomerado de grandes empresas patrocinadoras do projeto legislativo que não quer pagar imposto de renda. Por isso, comprou a reputação de renomados tributaristas para defenderem a renda e o patrimônio dos ricos. Curiosamente, essas grandes empresas querem vender para uma população que não tem dinheiro pra gastar. Mais curioso ainda é tentar entender o que pensam os magnatas que insistem num modelo regressivo que mata a capacidade de consumo da massa populacional. Os EUA, por exemplo, são pujantes economicamente por causa do intenso consumo das famílias que podem comprar muito porque os produtos são minimamente tributados. E para dinamizar mais ainda o ambiente econômico, as fábricas e os distribuidores estão completamente livres de qualquer tipo de imposto indireto, ficando somente o varejista responsável pela retenção e o repasse do imposto ao erário, num processo onde não se perde tempo com apuração de imposto. Isto é, tudo é simples, rápido, claro e eficiente.

O aspecto mais preocupante da discussão envolvendo reforma tributária diz respeito ao fato de que ninguém vai legislar contra o seu holerite. As pessoas envolvidas no projeto são ricas e por isso mesmo não vão aumentar imposto para si próprias. Daí, que a taxação de altas rendas e de grandes patrimônios é assunto absolutamente proibido. Corremos o risco de nos distanciar mais ainda dos requisitos necessários para ingresso na OCDE se continuarmos operando um sistema de autofagia. O prognóstico visível no horizonte é de aumento brutal dos tributos indiretos com reflexos na redução dos salários e nos aumentos de energia elétrica, combustíveis, telefone e bens de consumo em geral. A mesmo tempo, o custo burocrático e jurídico ficará pior, uma vez que a PEC45 diz que passaremos dez anos convivendo com o sistema atual e com o substituto. Que Deus tenha piedade das nossas almas. Curta e siga @doutorimposto



































terça-feira, 1 de outubro de 2019

Os impostos e a escravidão moderna



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  1 / 10 / 2019 - A376

Homenagens e reverências às figuras ilustres duma comunidade são práticas tão antigas quanto o próprio homem. Aos mais fortes e valentes eram oferecidos tributos na forma de presentes. Tais honrarias atravessaram os milênios até os tempos atuais. Ou seja, era tributo ao chefe guerreiro, ao faraó, ao rei e ao Estado. Os tributos passaram a ser impostos por meio da força das armas, onde o povo dominado era explorado até que se esvaíssem todas as suas energias. Prevalecia a velha retórica do dominador para seus escravos: “quero o meu peso em ouro”. O tributo deixa de ser voluntário e passa a ser imposição. A relação do povo dominante com o dominado é estabelecida. Civilizações inteiras se ergueram sobre o sangue dos conquistados. Muitas cabeças rolaram enquanto só a força era a lei. Os povos conquistados eram escravizados enquanto a luxúria e abundância se contrapunha à miséria e a fome. O Estado se fortalecia. A Cesar o que é de Cesar; ao povo pão e circo. Para os césares era tudo; ao povo, nada.

No período feudal, os escravos passaram a ser chamados de servos. Agora, se produzia para o senhor feudal. Tudo que brotava da terra era taxado; tinha que ser dado aos nobres. Em cada condado da Inglaterra havia um agente do rei que usava as armas e a força para saquear os vassalos com altas taxas. O rei tinha poder absoluto. A França de Luiz XIV taxava os pobres e não os ricos. Sustentar o rei foi penoso demais. O povo francês e não os nobres é que pagavam impostos ao rei. O mercantilismo deu poder ao Estado e legitimação divina ao rei. O Estado não encarnava o bem comum. Os serviços eram usufruídos somente pelo rei. O povo francês tinha seus direitos limitados pelo rei. Dessa forma, toda uma nação se ergueu contra a exploração. Foi então que cabeças começaram a rolar para que nascesse a primeira declaração dos direitos humanos. O feudalismo estava morto na Europa ocidental. O texto acima foi obtido no canal Gefe-SP (youtube).

Como se pode observar até aqui, nada mudou, apesar dos supostos avanços civilizatórios. Pelo menos, no Brasil, onde trabalhamos metade do ano somente para pagar imposto. O feudalismo continua vivo por aqui.

A alma do nosso país é marcada pelo incurável vício do jeitinho, da esperteza. Isso fica patente na forma como a classe dominante se vale de artimanhas mil para jogar todo o peso tributário nas costas dos pobres miseráveis. O Brasil, ao contrário dos países de alto grau civilizatório, não taxa os dividendos sob argumento de que a carga do imposto de renda da pessoa jurídica é alta demais. De fato, 34% é mesmo pesado. O problema é que poucas empresas suportam esse fardo completo. As grandes empresas são entupidas de incentivos fiscais para pagar pouco imposto de renda. Por exemplo, as indústrias incentivadas da ZFM pagam menos da metade por causa da redução SUDAM de 75%. As empresas do Lucro Presumido e do Simples Nacional também não são atingidas pela carga de 34%. Um estudo da Professora Maria Helena Zockun aponta que os mais altos rendimentos do país são tributados com alíquota efetiva de apenas 7% (IR) enquanto boa parte da classe assalariada paga 27,5%.

Por outro lado, o setor público se transformou na maior máquina do mundo de transferência de renda que tem como único objetivo enriquecer funcionários públicos. Dias atrás, um procurador chamou de miserê um salário que a mídia descobriu ser de quase cem mil reais. Em todo o universo público brasileiro existe uma escalada remuneratória, onde tudo quanto é órgão vive brigando por mais vantagens, mais mordomias nababescas e mais penduricalhos turbinadores de holerites. Altos funcionários públicos são a nobreza moderna que explora os miseráveis para garantir carros com motorista, viagens internacionais, lagostas, vinhos premiados, reformas prediais caríssimas, palácios, aspones aos borbotões etc. O setor público brasileiro é um universo paralelo que não tem nada a ver com o Brasil que rala no sol quente para ganhar um salário mínimo. Tem mais uma: Não existe crise no setor público. Toda vez que acontece um abalo econômico, o governo aumenta os impostos para garantir a luxúria e a depravação dos seus membros. Isso, sem contar com a corrupção. Curta e siga @doutorimposto


































segunda-feira, 15 de julho de 2019

RISCOS BUROCRÁTICOS DA PEC45



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  16 / 7 / 2019 - A367

O objetivo principal da nota fiscal eletrônica foi o de acabar com o papel. O que ocorreu na prática foi um acréscimo burocrático pela instituição do DANFE e da Manifestação do Destinatário, dentre outros. Uma carga desacompanhada do DANFE sofre as máximas punições, não importando que esteja acompanhada de nota fiscal eletrônica. Isso significa que o DANFE é o principal documento obrigatório, sendo a nota fiscal eletrônica um mero e insignificante detalhe para a fiscalização de trânsito e de fronteira.

O irmão gêmeo da nota fiscal eletrônica (EFD) também se propôs a acabar com a burocrática papelada e ainda simplificar todas as operações envolvendo registro de mercadorias. O que aconteceu foi uma explosão burocrática de complicações a perdurar por mais de uma década, uma vez que tudo continua obscuro e enigmático para muita gente. Ou seja, pouquíssimas empresas cumprem rigorosamente as normatizações impostas pelo SPED. Novamente, a coisa toda só piorou depois das promessas salvadoras dos alquimistas tributários.

O caso do eSocial é outro projeto destrambelhado que também prometia simplificar a gestão de pessoal. Resultado: as empresas entraram numa louca espiral de complicações que acabou com a vida de muita gente. O eSocial é a imposição normativa mais confusa já criada no Brasil porque teve a petulância de esquadrinhar a tenebrosa legislação trabalhista. Obviamente, que tal projeto não poderia dar certo. Tanto é que, depois de estratosféricos investimentos feitos por empresas e profissionais especializados, o governo simplesmente resolveu acabar com o eSocial.

Agora, estamos assistindo de camarote à mesma ópera-bufa e suas patuscadas desconcertantes. Ou seja, estamos falando da icônica Reforma Tributária. A PEC45 é a mais representativa e a que possui maior consistência técnica. A proposta tem o condão de simplificar o nosso enroscado modelo regressivo pela criação do Imposto sobre Bens e Serviços. Assim como outras invencionices paridas pelo governo, corremos o risco de cair na armadilha de mais imposto e mais burocracia. O projeto IBS prevê um período de dez anos para a completa eliminação do modelo atual. Passaremos assim, uma década convivendo com a nossa atual hiperburocracia em dose dupla. Seria um eSocial ao quadrado.

O legislador tributário padece de um mal incurável que é a comichão pelo detalhamento infinito de regras normativas. Por exemplo, aqui, no Amazonas, o regime da substituição tributária do ICMS é regulamentado por doze dispositivos que contemplam 651 itens de mercadorias; cada um desses itens sujeitos a seis possibilidades matemáticas de geração de multiplicador lançado nas notificações via DTE. A apostila do nosso treinamento ICMS ST possui uma tabela com 4.722 multiplicadores, onde cada NCM se refere a um produto que pode ter ou não o desconto do Convênio 65/88 e estar sujeito à alíquota interestadual de 4%, 7% ou 12%. Somente a Resolução de alimentos possui 28 itens gravados como “farinha de trigo”. Também há 14 itens intitulados “misturas para pães”. E ainda 9 itens “massas alimentícias” e 7 itens “biscoitos” e por fim 12 itens “pães, bolos, bolachas”. A pergunta que se faz é a seguinte: Pra que tanto detalhamento?

A raiz de todos os males tributários está no detalhamento infinito de regras normativas. Os detalhamentos, pormenores, exceções e conexões com outros dispositivos formam uma teia impenetrável onde a objetividade não consegue entrar. No miolo desse novelo está a fonte burocrática que incha os quadros de funcionários públicos que tentam controlar o incontrolável. Essa mesma fonte joga as empresas no limbo da incerteza, uma vez que não se consegue segurança jurídica para trabalhar num ambiente de extremada subjetividade.

A reforma tributária deveria começar pelo enxugamento do excesso burocrático. A Sefaz Amazonas poderia, por exemplo, reduzir os 651 itens de mercadorias ST para 100 itens. O problema é que a Sefaz é obrigada a adotar a estrutura definida pelo Convênio 142.

Anos atrás, fiz uma proposta de criação dum núcleo de altos estudos tributários que teria a função de mapear as normatizações relacionadas ao setor comercial. A ideia era copiar o brilhante trabalho desenvolvido pela FIEAM. Mas não houve interesse da Federação do Comércio por esse assunto. Ao que parece, a classe empresarial continua deixando tudo nas mãos dos políticos, que jamais farão qualquer coisa para reduzir o caos burocrático em que vivemos. Curta e siga @doutorimposto






















terça-feira, 9 de julho de 2019

DIABÓLICO JOGO TRIBUTÁRIO



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  09 / 7 / 2019 - A366
Artigos publicados


De modo geral, as empresas não separam a receita própria dos tributos indiretos. Isto é, todo dinheiro que entra no caixa vai para um fundo comum destinado à manutenção dos negócios. Uma empresa do Simples se recusa a entender que cerca de 10% do faturamento cai no bolso do Fisco. Da mesma forma, a outra empresa do Lucro Presumido ignora o fato de que mais de 20% das vendas é propriedade da dupla dinâmica Sefaz/RFB. E a empresa do Lucro Real não corta quase 30% da receita para começar a trabalhar com o que lhe sobra. A face mais diabólica dessa história dantesca está no efeito psicológico causado pela mistura das coisas, onde imposto se embaralha com produto para compor o faturamento. É como entregar o sorvete para uma criança e em seguida comer metade desse sorvete (fica uma sensação de pilhagem fraudulenta). Por outro lado, esse gosto amargo da perda não acontece com o substituto tributário que retém ICMS do substituído porque o dinheiro não se mistura com a operação da empresa. O mesmo fenômeno está relacionado ao INSS retido no holerite dos empregados. Nesses dois exemplos, o numerário, em momento algum, é da empresa, e por tal motivo não ocorre a sensação de perda quando é repassado às mãos do Fisco.

Para jogar lenha na fogueira inquisitória, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no julgamento do habeas corpus 399.109/SC, que o não pagamento de ICMS caracteriza retenção de imposto cobrado de terceiro e, assim, espécie de apropriação indébita tributária prevista no artigo 2º, II, da Lei 8.137/90. Pois é, o contribuinte agora é um criminoso; a prisão por dívida está de volta, contrariando o Pacto de São José da Costa Rica.

No Brasil, o sistema jurídico por inteiro é uma balbúrdia efervescente, onde, além do poder legislativo, os órgãos executivos legislam a torto e a direita. Também, segue nessa prática criadora de normas, o poder judiciário. E, para completar essa sopa de jiló com rapadura, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais se transformou numa fonte alternativa de normatizações jurídico tributárias com total independência para fazer o que der na telha. Desse modo, com tanta gente fazendo e acontecendo, o nosso sistema tributário vive num permanente estado convulsivo, onde nunca ninguém sabe exatamente o que é e o que não é; como foi e como será; se é assim ou se é assado; o que vale e o que não vale etc. É o samba do crioulo doido em puro êxtase desbundado.

Voltando ao trio parada dura ICMS Pis Cofins, os procedimentos declaratórios de valores tributários ocorrem desconectados de qualquer planejamento operacional e financeiro. Ou seja, os preços das mercadorias não contemplam os tributos indiretos e não se trabalha adequadamente um fluxo de caixa que programe o pagamento do imposto antes do recebimento das vendas a prazo.

Os tributos “por dentro” foram diabolicamente criados para confundir todo o ambiente de negócios, fomentar uma concorrência desleal, alimentar a corrupção de agentes públicos e promover o confisco do patrimônio empresarial. Tanto a Sefaz quanto a Receita Federal sabem muito bem que o imposto decorrente de autuação fiscal não foi cobrado do consumidor porque o comerciante é obrigado a alinhar seus preços com o concorrente sonegador. Se ICMS Pis Cofins fossem “por fora”, esses tributos ficariam totalmente excluídos da formação do preço das mercadorias e de todas as operações da empresa. E, da mesma forma que ocorre com o ICMS retido pelo substituto tributário, os comerciantes pensariam duas vezes antes de sonegar, pela indiscutível tipificação criminosa. Inclusive, nesse sistema de tributos “por fora”, o imposto jamais poderia ser parcelado para o consumidor.

O gravíssimo problema dos tributos “por fora” é que isso revelaria para o consumidor o tamanho da facada tributária; coisa absolutamente impensável pela Sefaz e pela Receita Federal. O povão deve ser mantido num estado de ignorância e de escravidão eterna para sustentar os luxos e as depravações dos agentes públicos. Enquanto a sociedade não assumir o protagonismo tributário, o governo vai sangrar toda riqueza particular até a última gota. Curta e siga @doutorimposto




























terça-feira, 2 de abril de 2019

O GRANDE INIMIGO DAS EMPRESAS



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  2 / 04 / 2019 - A357

O presidente Bolsonaro anunciou no sábado passado que o Ministério da Economia planeja reduzir a alíquota do imposto de renda da pessoa jurídica em troca da taxação dos dividendos. A expectativa do governo com essa medida é de revitalizar a economia do país. Nesse planejamento, está incluída também a redução do IR pessoa física.

É muito curiosa, essa atenção especial ao imposto de renda; fica a impressão de que só existe esse tributo no Brasil. Mais curioso ainda é o fato de ninguém falar dos tributos indiretos. Esses, sim, são os grandes inimigos das empresas.

A face mais perversa do nosso sistema tributário está nos tributos indiretos. ICMS, Pis, Cofins e IPI são regulamentados por legislações tortuosas e indecifráveis. O pânico gerado por esse modelo normativo faz com que as empresas fiquem permanentemente à beira do abismo; prontas para despencar no inferno das infrações fiscais. Por exemplo, uma nota fiscal eletrônica pode conter até 990 itens de produto, sendo que cada um desses itens possui tratamento normativo individualizado. Cada item possui NCM, CFOP, CEST, CST de ICMS, CST de PisCofins, base de cálculo de PisCofins, base de cálculo de ICMS, alíquota de PisCofins, alíquota de ICMS, valor de PisCofins, valor de ICMS. Todas essas informações são alinhavadas umas com as outras. Por exemplo, se o código NCM dum produto estiver listado num Convênio (ST), os códigos CST, CEST e CFOP precisam também indicar enquadramento no regime da Substituição Tributária. Lembrando que o código CST é composto por duas tabelas (A e B) que indicam origem e forma de tributação. O alinhamento do NCM com CFOP com CEST e com CST determina a forma de tributação. Um único erro num milhão de probabilidades de combinações é multa na certa. E para deixar o ambiente de negócios absolutamente chafurdado, toda essa carrada de informações é registrada em formato eletrônico que depois passa por um processo de mineração dentro do repositório do SPED. No final das contas, multiplique essa complexidade por 27.

O Brasil possui 27 legislações de ICMS, com detalhamentos que se expandem ao infinito. A legislação do PisCofins é de uma subjetividade assombrosa, que fomenta um clima de absoluta insegurança jurídica pelo mundo de particularidades de enquadramentos tributários. Toda essa maçaroca obriga as empresas a entupir seus departamentos administrativos de funcionários especializados. Uma grande empresa de cosméticos possui mais de 130 empregados somente no setor que lida com assuntos puramente fiscais. Nos EUA, bastariam 5 pessoas para fazer o mesmo trabalho. Por conta desse estado de coisas é que a empresa inteira precisa estudar tributos indiretos, principalmente ICMS. Todos os atores da cadeia de informação têm sua parcela de responsabilidade na tarefa de mitigação dos riscos fiscais. Ou seja, é todo mundo ajudando todo mundo.

O ex-presidente da Associação Comercial de São Paulo, Rogério Amato, disse certa vez que nenhum contador é capaz de dar segurança para seu cliente porque é impossível cumprir a legislação tributária. O IBPT publicou um estudo no final do ano passado que aponta a insana quantidade de 390.726 normas tributárias publicadas num período de 30 anos. O Banco Mundial divulgou um estudo anos atrás que denuncia o volume de 2.600 horas gastas no Brasil para cumprimento de obrigações acessórias. O mesmo estudo indica que na Inglaterra esse índice é de apenas 110 horas.

Portanto, o câncer que massacra o espírito do empreendedor brasileiro é a burocracia dos tributos indiretos. Enquanto isso, o empresário norte americano tem o cérebro totalmente poupado de preocupações com tributos indiretos porque esse tipo de coisa praticamente não existe. Desse modo, esse empresário americano consegue focar suas energias no negócio. Por outro lado, o empresário brasileiro é sequestrado pelos assuntos fiscais que o impedem de empreender. No Brasil, os tributos indiretos acontecem ao longo da cadeia de produção/distribuição. Nos EUA, esse fenômeno ocorre somente no finalzinho dessa cadeia, quando o consumidor adquire o produto. Nos EUA, é um só imposto pago pelo consumidor. No Brasil, é uma chuva de impostos que incidem sobre a mesma base (bis in idem), onde cada imposto é base dos outros (bi, tri, quadri tributação...). Não à toa, o nosso contencioso fiscal gira em torno de 50 milhões de ações tramitando nos tribunais. Curta e siga @doutorimposto