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domingo, 10 de maio de 2020

ESTRUTURA TITÂNICA INABALÁVEL



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  12 / 05 / 2020 - A401

O diretor duma grande empresa acumulava prêmios e gratificações que lhe permitia atender aos caprichos extravagantes do filho único que começava a crescer no campeonato de kart. Além desse hobby caro, havia também gastos com nutricionista, academia, eventos, viagens e marketing. Tinha ainda o clube, festas, restaurantes, roupas caras etc. Tudo seguia mais ou menos sob controle até que um escândalo judicial na empresa comprometeu as finanças do agora ex-diretor. A bela e espaçosa mansão acabou substituída por um apartamento médio. A mudança foi sofrida, uma vez que muitos hábitos requintados ficaram para trás; a nova realidade impôs um novo estilo de vida. Mas uma coisa não mudou. O filho não abria mão da boa vida que levava e ainda culpava o pai pelo rebuliço familiar. O genitor, orgulhoso e obcecado, continuou alimentando os caprichos do bonitão folgado. Não demorou muito para minguarem os recursos já limitados. A saída então foi apelar para empréstimos volumosos e arriscados. Essa decisão absolutamente descompensada tirava o sono e a saúde do pai, ao mesmo tempo que o filho seguia sua vida luxuosa totalmente desconectado da realidade. Os amigos da família ficavam na expectativa para saber até onde pai aguentaria toda aquela situação de absoluto suicídio financeiro.

Vivemos um momento surreal no Brasil, uma espécie de enfermidade bipolar, onde um lado da nossa realidade social e econômica segue desmoronando como num castelo de cartas. Enquanto o barco privado afunda, temos um setor público completamente alheio aos eventos catastróficos provocados pela Covid19. A pandemia foi rápida e devastadora, não permitindo nenhuma reação. Daí, que a maioria absoluta de CNPJ caiu atordoada, onde grande parte já decidiu pelo fim da carreira empresarial. Os empregadores falidos tentarão salvar o pouco que restou e assim aguardar o cenário pós-apocalíptico para tomar decisões apropriadas. Por outro lado, seus empregados foram (e serão) demitidos aos milhões, gerando uma massa de zumbis desorientados que estão sendo momentaneamente contidos pelo auxílio emergencial do governo. Passadas as três parcelas da ajuda, o país será solapado por uma onda de fome e desespero, já que a atividade econômica, como dizem alguns especialistas, poderá levar até dez anos para se recompor.

Na contramão desse quadro apocalíptico, o setor público continua firme na gastança e no superfaturamento de respiradores (como sempre). As despesas com lagostas, fundo eleitoral e cartões corporativos são jogadas na cara dos desgraçados pela pandemia. Pior ainda, são os supersalários que extrapolam o teto constitucional. E ainda somos obrigados a engolir uma legião de caríssimos funcionários públicos que exercem funções absolutamente decorativas, como assessores parlamentares, apadrinhados políticos e funcionários fantasmas. A máquina pública continua cara e ineficiente. A burocracia normativa segue aterrorizando o cidadão empreendedor e a corrupção se mantém inquebrantável pelo apoio de decisões escandalosas do sistema judiciário. Tudo isso mostra que a bagunça institucional e administrativa continua resistente a qualquer tempestade ou cataclismo.

Ao que parece, e até o momento, o desastre provocado pela Covid19 não conseguiu sequer arranhar a estrutura titânica da máquina pública, que está articulando um monumental endividamento para garantir a execução orçamentária. Ao contrário do setor privado que vem se adaptando à falta de dinheiro, o setor público não abre mão de absolutamente nada: nem das lagostas nem dos cartões corporativos nem do fundo eleitoral nem dos vinhos premiados nem dos supersalários nem do inchaço de pessoal. Tal qual o pai suicida, a indagação que fica é a seguinte: Até quando o setor privado vai continuar pagando a conta sem ter dinheiro?

A pandemia, portanto, apesar de avassaladora, ainda não é suficiente para provocar uma mudança estrutural nas instituições brasileiras. Vamos então aguardar o fim do auxílio emergencial; vamos esperar uma onda de saques e de convulsão generalizada pra ver se alguma coisa acontece no setor público. Pois é. Somente aquilo que nos toca profundamente é que pode nos modificar. Curta e siga @doutorimposto































segunda-feira, 4 de maio de 2020

A corrupção é uma obra conjunta



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  05 / 05 / 2020 - A400

No período ufanista que antecedeu a copa do mundo ocorreram diversas reuniões para apresentação do projeto de construção da Arena da Amazônia. Vários e ilustres representantes da sociedade manauara depositaram irrestrito apoio a tudo que envolvia o assunto. E foram muitas e muitas pessoas. Um ou outro espectador se espantava com o perigo de jogar bilhões de reais num elefante branco totalmente embrulhado em múltiplas camadas de suspeições. As reuniões, na verdade, eram celebrações da roubalheira desenfreada que iria explodir na forma de muito dinheiro endereçado ao bolso da panelinha. Os olhos dos participantes brilhavam com a possibilidade de tirar proveito daquele momento mágico de plena simbiose do público com o privado. A orgia retórica provocava um clima de excitação generalizada.

Na sequência dos delírios esfuziantes de alguns poucos jogos, veio a impactante ressaca do rombo fiscal temperada com infinitas denúncias de superfaturamento. Por todo o país, a farra com o dinheiro dos impostos saltava aos olhos – projetos desastrosos de obras faraônicas, ao mesmo tempo em que áreas prioritárias agonizavam por falta de verbas: hospitais lotados, transporte público colapsado, segurança pública falida, sistema penitenciário em frangalhos, índices educacionais vergonhosos etc. (muitos etc). Mesmo assim, a classe dominante apagava a luz para não ver a bagunça, e o sistema midiático fazia denúncias de mentirinha para vender jornal. O fato é que, na verdade, os grupos aristocráticos envolvidos incestuosamente com o poder público seguiram catalisando os escândalos até que seu estado de acomodação ficasse inerte. É a velha história: Lá, em cima, tudo se ajeita (o executivo com o legislativo com o judiciário com a mídia com os empreiteiros com os banqueiros e demais figuras pitorescas).  

A corrupção é uma obra conjunta, feita por muitas mãos. O político corrupto nunca trabalha sozinho e a corrupção não floresce numa sociedade honesta. O terreno das ignomínias é ricamente adubado pelos interesses particulares. A corrupção notória, portanto, é a ponta do iceberg; submerso, reside uma vastíssima rede de apoio sustentada por figuras honoráveis e insuspeitadas duma elite mascarada. Vez por outra, alguns pedaços emergem, como Odebrecht ou JBS. Tudo seguia o seu curso normal até que o Covid19 quebrou esse iceberg. Foi a mesma coisa que jogar titica no ventilador.

Quando, historicamente, os pobres morriam sem atendimento hospitalar, os ricos faziam cara de paisagem. Também, as autoridades legalmente constituídas sempre ignoraram o sofrimento dos trabalhadores espremidos nos ônibus sucateados. Pior ainda, era o eterno descaso com a falta d'água nas residências mais simples. Para encaroçar esse angu de injustiças sociais, o Brasil está no topo dos países com maior concentração de renda, com impostos altíssimos no salário e no consumo. O resultado dessa matemática espoliativa é um povo rude e empobrecido.


Agora, o Covid19 despeja tais mazelas na casa-grande, como numa revolta da natureza, uma espécie de Lei do Retorno. Enquanto o pobre se arrombava, boa parte da classe mais favorecida achava que tudo estava bem demais. Pois é. Uma chuva de pragas desabou no topo da pirâmide; pessoas endinheiradas caíram aos montes com pulmões fulminados. E a culpa é da plebe rude. O rico presunçoso fica revoltado com as aglomerações na frente da Caixa Econômica e mais ainda com os ônibus lotados. Esse rico fica indignado com o pobre favelado que não lava as mãos (cadê a água?). A madame não acredita que uma pessoa não possa ter dinheiro para comprar álcool em gel ou máscaras de proteção. Ela acha um absurdo, ver o pipoqueiro violando o isolamento social.

O pobre, portanto, é o grande propagador da epidemia que acaba matando não somente o próprio pobre acostumado com desgraças, mas também o magnata do condomínio esterilizado. O agravamento do número de infectados vai matar principalmente um vasto número de ricos patrimônios, com repercussão direta no desemprego. Se os pobres tivessem mais condições sanitárias e financeiras; se tivessem mais saúde, mais escolaridade, o patrimônio e a vida dos ricos seriam menos prejudicados. Curta e siga @doutorimposto































terça-feira, 4 de junho de 2019

A FALÁCIA DA REFORMA TRIBUTÁRIA



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  4 / 6 / 2019 - A363

A tão debatida Reforma Tributária que ocupa espaço nas discussões políticas e empresariais pode gerar um resultado frustrante em face da expectativa almejada por vários segmentos da sociedade organizada. O que se tem de concreto, no momento, é apenas uma proposta de unificação dos tributos indiretos. Na realidade, duas proposições: A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados; e também o Projeto do Executivo Federal que pretende unificar somente os tributos federais. A PEC45 pretende criar o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o qual unificará Pis, Cofins, IPI, ICMS e ISS. O gargalo desse projeto está no pacto federativo, que contempla a autonomia tributária de Estados e municípios e que envolve meio mundo de particularidades e interesses regionais. A se considerar essa realidade, temos um nó difícil de desatar. O nosso sistema tributário cresceu e se expandiu como uma metástase cancerígena, tornando-se uma missão improvável, a cura do paciente terminal. O que vivenciamos na prática é uma profusão de regras estaduais impossíveis de serem alinhadas numa unidade normativa. Pesa também, a feroz disputa de interesses arrecadatórios e o intrincado jogo político dos incentivos fiscais. É como se o país inteiro fosse um extenso campo minado.

De acordo com o idealizador do IBS, o economista Bernard Appy, a substituição dum modelo pelo outro aconteceria no período de dez anos, sendo que, num horizonte de 50 anos, migraríamos para a tributação integral no destino de consumo do produto. O problema desse tipo de projeto é que somos acostumados ao frenesi normativo do legislador tributário. Também, vivemos num eterno estado de convulsão política, onde uma hora é dum jeito e outra hora é de outro jeito. Para entornar mais ainda esse caldo de jiló com rapadura, o nosso ambiente jurídico é frágil e muito suscetível a solavancos interpretativos. Daí, que ninguém acredita em projetos de longo prazo; nenhuma empresa apostará seu patrimônio numa ideia que precisa de 10 ou de 50 anos para gerar frutos. No Brasil, não existe política voltada para espécies tributárias ou vocações regionais. O que funciona, são as arquiteturas direcionadas para contribuintes específicos. Nosso código tributário é sob demanda, construído de acordo com o poder de influência das grandes corporações. A estrutura normativa contém um gigantesco volume de Regimes Especiais, que muitas vezes são enigmáticos e mantidos longe do alcance dos tribunais de contas.

Curiosamente, em meio a tanta discussão, pouco se fala da raiz primordial das mazelas tributárias, que é o gasto público. Não se pode falar de redução da carga de impostos sem se buscar meios de racionalização da máquina pública, que cresceu exponencialmente nas últimas décadas; principalmente nos governos petistas. A coisa toda chegou num nível de ruptura, tipo, ou se dá um freio, ou caímos todos no precipício. Eis alguns exemplos da completa desordem das contas públicas: “Senado gasta R$32 milhões em mesadas para filhas solteiras”; “Salário de conselheiro do TCE mato-grossense varia de R$102 mil a R$183 mil”; “Verbas indenizatórias garantem salário de mais de R$700 mil em maio a juiz do Tribunal de Justiça de Minas Gerais”; “Conselheiro do TCE-MG gasta R$729 mil em mestrado não concluído”; “Despesas previdenciárias abocanham 57% do Orçamento da União, cujos estudos apontam que em 2024 esse percentual chegará a 82%”. Tantos números pornográficos evidenciam o grau avançado de desordem administrativa do poder público, que trabalha unicamente para fomentar o mais perverso mecanismo de transferência de renda do planeta. Ou seja, nunca, em toda a história da humanidade, tanta gente pobre trabalhou tanto para enriquecer uma casta privilegiada de agentes públicos.

Pois é. Diante desse quadro apocalíptico, o que deve se fazer é colocar as cartas na mesa e perguntar para o pagador de impostos: - Você quer continuar se matando de trabalhar para sustentar os luxos e as extravagâncias dos agentes públicos? Pesa nesse momento, uma reflexão sobre a abertura da caixa de pandora para a população em geral. Pra começo de conversa, as autoridades competentes deveriam aprovar com urgência O PL 990/2019 do senador Randolfe Rodrigues, que propõe separar imposto de produto nas etiquetas de preços. Dessa forma, o consumidor iria apontar os caminhos para uma verdadeira reforma tributária. Curta e siga @doutorimposto
















terça-feira, 31 de outubro de 2017

ESQUIZOFRENIA MORAL



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  31 / 10 / 2017 - A 311

Uma pesquisa da ONG Transparência Internacional, feita em 20 países da América Latina, expôs um quadro galopante de corrupção e uma crescente desconfiança dos cidadãos em relação aos seus políticos. Entre as pessoas entrevistadas, a grande maioria (70%) acredita que os cidadãos possam ter um papel relevante na luta contra a corrupção, especialmente no Brasil (83%). Mas quando perguntados sobre a prática de algum ato delituoso, 51% dos mexicanos e 46% dos dominicanos admitiram ter pagado propina, enquanto somente 11% dos brasileiros subornaram algum agente público. Tais números indicam que a corrupção no México é cinco vezes maior do que a brasileira (yo no creo).

O gritante cenário de roubalheira descortinado pela mídia evidencia uma completa imersão da nossa sociedade na putrefata lama da corrupção. Somos um paciente terminal com chance zero de tratamento convencional. É bom lembrar que os corruptos foram paridos das massas; são frutos da árvore social chamada Brasil. E, como disse o Mestre dos mestres, não pode a árvore boa dar maus frutos. Ou seja, a corrupção é um mal social. Daí, que, muitos brasileiros acreditam que vários comportamentos obscenos não são classificáveis na categoria de atos delituosos. Corrupto, portanto, são os outros.

O tradicional chefe de família é aquele que mantém uma postura impecável de provedor e de pai amoroso, que engravida a sua secretária e depois patrocina um aborto para manter a harmonia familiar. O palestrante que encanta sua plateia com um belo discurso ecológico descarta a latinha de refrigerante na via pública. A apresentadora de TV que só fala em saúde e boa alimentação é acometida de câncer pelo hábito de fumar muito. O jovem aristocrata que mostra o branquelo traseiro para a delegada é fragorosamente conduzido ao congresso nacional pelos braços do povo. O político espancador da esposa é adorado por muitas mulheres devotas que mantém a fotografia do agressor colada na parede da sala. O chefe maior do Detran é campeão de infrações de trânsito. A beata que vive na igreja inferniza a vizinhança com fofocas e rabugices.

A mãe exibe com orgulho a bela casa construída com muito suor e dinheiro que o filho surrupiou do patrão. A esposa fica eufórica quando o marido chega com mercadorias saqueadas duma carga acidentada. O empresário religioso e próspero, ergueu seu patrimônio com monumentais desvios que fazia quando trabalhava no setor de compras duma grande indústria. Por outro lado, o diretor dessa grande indústria comemora o fechamento dum contrato milionário envolvendo produtos superfaturados para diversas prefeituras etc., etc. São essas, exatamente, as pessoas convictas da sua impoluta conduta moral; elas não encontram nos seus atos obscenos nenhum motivo de constrangimento ou de reprovação. Tudo acontece de modo absolutamente “NORMAL”. São essas, as pessoas que elegem os Eduardo Cunha e Sérgio Cabral da vida. O político astuto e bandido conhece muito bem o seu público. Por isso sempre ganha qualquer pleito. Ele não precisa se fazer de bonzinho; nas entrelinhas do discurso demagógico, ele se comunica com a alma deformada dos eleitores. Daí, que, de nada adianta afastar os políticos ruins se o eleitor continua o mesmo.

Para a desgraça da nação, essa dita “normalidade” é levada para o universo da administração pública.

Primeira e única regra: Política é Roubalheira. Ponto final. Por que os políticos se matam uns aos outros? A briga é por orçamentos bem gordos. A disputa maior é pelas pastas de grande volume orçamentário. Quanto maior o orçamento, maior a roubalheira. A roubalheira não é, absolutamente, um ato vergonhoso; é a prática “NORMAL” da administração pública. Quem não entra no esquema, vê o colega do lado enriquecer, ter uma vida opulenta e morrer aos 90 anos de idade sem nunca ter problemas judiciais. Roubar é o melhor negócio no Brasil porque todo o sistema jurídico institucional foi meticulosamente construído para apoiar o ladrão. O problema é que, no jogo da bandidagem, poucos ganham enquanto a maioria perde. Será que essa dita maioria vai continuar engolindo sapo? E se todo mundo passar a roubar, o que vai sobrar? 





terça-feira, 21 de junho de 2016

TIRIRICA PRESIDENTE


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 21 / 6 / 2016 - A256

Seu Cândido fumou a vida inteira sem que tal hábito comprometesse suas atividades rotineiras. Sempre bem humorado e disposto, eis que lá pelos 50 anos de idade começaram a surgir vários problemas de saúde, como indisposição crônica, tosse persistente, cefaleia, gastrite etc. Tempos depois veio uma bronquite, uma úlcera e um agressivo câncer de pulmão. Parece que tudo aconteceu ao mesmo tempo. Aquele homem forte e dinâmico estava na lona. Tantos desatinos poderiam ter sido evitados, mesmo porque amigos e familiares não cansavam de alertar o Seu Cândido para os riscos do cigarro.

Pois é. O cigarro do brasileiro é a corrupção. Depois de décadas queimando uma tragada atrás da outra, eis que as consequências dessa prática corriqueira explodiram numa interminável sucessão de escândalos cabeludos e aterradores. Nesse momento estamos na UTI, acometidos de uma metástase cancerígena. A gravidade do momento é tamanha que muito se diz ser a maior crise da nossa história. Não é pra menos. A corrupção, tolerada, escamoteada, tergiversada, vinha de longa data se expandindo e contaminando todas as células do poder público, sendo que nos últimos tempos a coisa ganhou uma aceleração desembestada, como um agressivo câncer terminal. O governo interino, que poderia acenar para uma moralização administrativa, chegou cercado de denunciados em irregularidades diversas, mostrando assim que o combate à corrupção não é um assunto prioritário. Dessa forma, fica a impressão de que as forças políticas insistem na manutenção do velho modelo que encheu o bolso de muita gente com dinheiro sujo.

Fato venério (como diria Paulinho Gogó), ninguém quer seriedade no trato da coisa pública; ninguém quer desgrudar a boca da teta, mesmo com a vaca cambaleando. Um bom exemplo é a modificação do projeto que limitava a influência política nas diretorias de estatais. Outra situação absurda: Assistimos de camarote à feroz resistência dos parlamentares ao projeto do Ministério Público “Dez Medidas Contra a Corrupção”. Impressiona o descaramento desse pessoal: O mundo desabando sobre suas cabeças e mesmo assim os dentes das criaturas hediondas se mantêm cravados no osso da bandalheira. Se fizermos um exercício de abstração, iremos concluir que roubo e política representam um único corpo, com quatro braços, duas cabeças e um só estômago. Impossível separar uma coisa da outra.

Por que os políticos são radicalmente contra o projeto do Ministério Público? A resposta está na proposta apresentada ao Congresso Nacional: 1 Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação; 2 Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos; 3 Aumento das penas e crime hediondo para corrupção de altos valores; 4 Aumento da eficiência e da justiça dos recursos no processo penal; 5 Celeridade nas ações de improbidade administrativa; 6 Reforma no sistema de prescrição penal; 7 Ajustes nas nulidades penais; 8 Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa dois; 9 Prisão preventiva para evitar a dissipação do dinheiro desviado; 10 Recuperação do lucro derivado do crime. Sabemos todos nós que o plantel atual de políticos não vai aprovar nenhuma dessas medidas. Sabemos também que o universo político vai se unir para derrubar todas essas propostas. Daí, que aqueles movimentos organizados que saíram às ruas para impichar a Dilma bem que poderiam peitar os opositores do Ministério Público. Talvez essa possa ser a maior luta da nossa história.

Dia 17, último, na solenidade de posse da nova diretoria da ACA, o prefeito discorreu sobre sua gestão e suas batalhas em defesa dos interesses da capital amazonense. Por breves momentos, a plateia foi envolvida e arrebatada pela consistente apresentação de tantas realizações da atual gestão. Fato indiscutível, o chefe do executivo municipal é um homem erudito e um grande líder. Foi gratificante a sensação de ver um gestor público prestando contas na frente da sua grande equipe de auxiliares. Pena que logo depois nos lembramos do estado terminal do corpo político. Pena que estamos tão escaldados. Não fosse isso, poderíamos ter ido embora carregando o sentimento de que não existe corrupção na nossa cidade.

Em meio ao mar de lama que borbulha nos canais midiáticos fica a dúvida: Em quem confiar? Em quem votar? O castelo de cartas desabou totalmente, não sobrando nada que possa ser aproveitado. Nenhum discurso, por mais belo que seja, é capaz de afastar a nuvem negra que paira sobre nossas cabeças. A coisa tá tão feia que o Deputado Tiririca seria eleito presidente do Brasil se assim o quisesse. Mesmo porque, corre na internet a notícia da expulsão com empurrões e xingamentos de um operador do petrolão que queria trocar seu apoio por uma mala de dinheiro. Esse fato é único em toda a história do Brasil: um político sem etiqueta de preço pendurada no pescoço. Só por isso a população votaria em massa no Tiririca. Afinal de contas, político honesto é a raridade da excepcionalidade. 



quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

O ano em que a fossa estourou


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 09/12/2015 - A235

"Na história recente da nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós, brasileiros, acreditou no mote segundo o qual a esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a Ação Penal 470(Mensalão), onde descobrimos que o cinismo tinha vencido a esperança. Agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo. O crime não vencerá a Justiça. Aviso aos navegantes dessas águas turvas da corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção. Não passarão sobre os juízes e as juízas do Brasil. Não passarão sobre as novas esperanças do povo brasileiro; porque a decepção não pode estancar a vontade de acertar no espaço público. Não passarão sobre a Constituição do Brasil”. Esse pronunciamento da Ministra Cármen Lúcia soou como um grito desesperado em meio a tanta podridão que cobriu por inteiro o universo das relações público/privado.

47 mandados de prisão contra auditores fiscais da SEFAZ do Paraná e outras 52 pessoas obrigadas a prestar depoimento sobre um gigantesco esquema de corrupção envolvendo centenas de milhões de reais. Óbvio, ululante, todo mundo sabe que esse tipo de delito é habitual no país inteiro. Aliás, no Brasil, onde se procura se acha; pra onde quer que se atire, um corrupto cai baleado. Uma coisa é pensar numa sujeira aqui e noutra ali, mas no nosso caso a nação inteira foi mergulhada numa fossa putrefata, não sobrando um fio de cabelo limpo. O corpo inteiro está ensopado com uma grossa camada de imundície que mil litros de creolina não seriam capazes de desinfetar.

Por muitos anos foi possível manter a putrefação num fosso tampado com uma laje de dez toneladas de concreto. O problema é que a coisa fugiu do controle de tal modo que a fossa explodiu, arremessando a tampa a uns 50 metros de altura. E claro, muita m**da jorrou em todas as direções. Lembrando que esse fenômeno não ficou restrito aos nossos conterrâneos, uma vez que nem o Vaticano escapou do pecado da corrupção. Uma onda de cassações e prisões de poderosos tomou conta do noticiário, escancarando um modelo de gestão pública inteiramente dominado pela corrupção. Ou seja, roubalheira e gestão pública são coisas absolutamente indissociáveis; é como gema e clara (uma está dentro da outra). Para separá-las, é preciso quebrar a estrutura criminosa – como vem fazendo o Juiz Sérgio Moro.

Prisão de corrupto ficou tão corriqueira no noticiário que mais parece previsão do tempo: “Vamos às prisões do dia!! Deputado fulano foi apanhado com a boca na botija; empreiteiro sicrano prestou depoimento na Polícia Federal; prefeito beltrano fugiu pela janela para não ser preso...!!” E por aí, vai. Algumas vezes, os eventos são tão volumosos que os escândalos não cabem na programação da TV, sendo necessário recorrer à internet para acessar a lista inteira de pilantragem.

Para completar o nosso estado de degradação social e política, a autoridade máxima do Poder Legislativo travou uma guerra de acusações de baixíssimo calão com a autoridade máxima do Poder Executivo, onde um chamou o outro de mentiroso. Lamentavelmente, tal episódio mais se pareceu discussão de bêbados em mesa de prostíbulo, mostrando assim que a coisa toda degringolou de vez. Isto é, decoro, moralidade, ética, respeito etc., tudo foi chutado pra escanteio.

O ano de 2015 deixa marcas profundas na história da República. Pode-se dizer que é o ano da purgação. Melhor dizendo, início da limpeza, considerando o grau alarmante e sistêmico de corrupção que domina o país. De qualquer modo, era necessário dar uma chacoalhada na bandalheira sistematizada, mesmo correndo risco de ruptura institucional. O Brasil precisa ser elevado a um novo nível de consciência cívica e senso de decência. A cultura da esperteza e do jeitinho, tão romantizada e contemporizada, precisa ser rasgada para mostrar o que de verdadeiramente esconde. A malandragem poética deveria ser ferozmente combatida, uma vez que ela encerra o germe de crimes hediondos e escarnecedores.



terça-feira, 14 de abril de 2015

SILÊNCIO DOS CULPADOS

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Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 14/04/2015 - A207
Artigos publicados

Avaliada em quase US$ 70 bilhões a Enron foi a sétima maior empresa americana. Mesmo assim, 24 dias foi tempo suficiente para sucumbir num turbulento processo falimentar, o qual reunia todos os ingredientes de um gigantesco escândalo administrativo. A maior contribuinte da campanha presidencial do então candidato George W. Bush deixou sem emprego cerca de vinte mil funcionários. E ainda causou um prejuízo aos fundos de pensão na ordem de US$ 2 bilhões. Pouco antes do naufrágio os seus diretores conseguiram embolsar US$ 1 bilhão. A história da Enron é a história da corrupção sinergética, onde todos ajudaram na construção da fraude. Todos que deveriam dizer NÃO aos esquemas se calaram porque havia muito dinheiro transitando na cadeia de interesses que orbitava a companhia. Todos se aproveitaram da situação porque eram partes interessadas na gestão fraudulenta, tais quais, corretores, financistas, especuladores, políticos e toda a nata de Wall Street. Até a revista Fortune afirmou que a Enron era a empresa mais inovadora da América. A coisa foi tão feia que o Nobel de economia Paul Krugman declarou que "nos próximos anos o escândalo da Enron, e não o 11 de setembro, será visto como o grande divisor de águas na história da sociedade dos Estados Unidos".

É muito difícil quebrar esquemas orquestrados por gente poderosa. Uma sardinha que ousa invadir o terreno dos tubarões é imediatamente destroçada. O ambiente social e institucional brasileiro é inteiramente dominado pela corrupção. Traduzindo, um ecossistema corrosivo que não apresenta nenhuma saída ou possibilidade de salvação (a não ser para aqueles que estão conseguindo fugir do Brasil). Os que ficam são obrigados a engolir uma tempestade de eventos ignóbeis a inundar o país com muita violência, impunidade, roubos e todo tipo de desgraça a contaminar o cidadão por inteiro. Os erros são volumosos e intermitentes. Na realidade, tudo está errado: a maluquice das leis, o império da impunidade, o aparelhamento do Estado, a parcialidade da mídia, as relações incestuosas entre o público e o privado, o cinismo dos discursos embusteiros, a corrupção sistêmica, o roubo descarado com toneladas de provas que dão em nada etc., etc.

Assim como no caso Enron, todo mundo sabe dos erros, mas todos se calam em nome do pragmatismo e dos interesses pessoais. Como disse Maquiavel, “àquele que fizer profissão de bondade é natural que se arruíne entre tantos que são maus”. Dessa forma, todos os espertos são engolidos pelo sistema, onde rapidamente aprendem o jogo das aparências e da desfaçatez. Seguir na contramão seria demonstrar falta de profissionalismo a comprometer seriamente as boas oportunidades financeiras que venham a surgir. O cara é bandido, mas é rico. O político é ladrão, mas construiu um hospital. O traficante é perigoso, mas encanta a mulherada com seu carrão...

Os fins justificam os meios, e ética não enche barriga. Quando esses conceitos se alastram de norte a sul ou se expandem na escala de milhões de cidadãos, chega-se por fim a uma sociedade alinhada com toda sorte de perversidades. Tanta deformidade moral é potencializada nos altos escalões da política, onde espetáculos grotescos se multiplicam aos borbotões. É nesse momento que se constata o quão baixo pode chegar o caráter do animal humano. Qualquer indivíduo minimamente decente ficaria enojado com o circo das CPI, onde nada se investiga e onde tudo ganha contornos de uma ridícula ópera bufa. Ou seja, todos sabem exatamente do ocorrido, mas ninguém é doido de fugir do script; as falas são ensaiadas e as atuações se desenvolvem de acordo com a etiqueta da conveniência. Ali, na reunião da CPI, todo mundo conhece o grau de bandidagem do colega, mas dificilmente alguém se arrisca a abrir o jogo, como fez o delator Paulo Roberto Costa.

Podemos dizer que o Juiz Sérgio Moro não é uma sardinha, mas é uma habilidosa piranha de dentes afiados o suficiente para morder o ponto fraco dos tubarões e ainda por cima conseguir sobreviver num ambiente onde os personagens graúdos das relações público privadas estão conectados por fortíssimos laços criminosos. Mais impressionante ainda é a coragem de desafiar um sistema onde a corrupção reina absoluta em todos os quadrantes da nação.

O esquema fraudulento da Enron só foi quebrado com a falência da empresa. Vamos rezar para que possamos subjugar a corrupção sem antes quebrar o Brasil. Talvez precisemos refletir sobre o nosso silêncio e o nosso grau de conivência nisso tudo.



terça-feira, 27 de janeiro de 2015

COAF transforma contador em dedo-duro

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Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 20/01/2015 - A199

Além de ser notoriamente reconhecido como um empregado do governo pago pela iniciativa privada o contador foi também transformado num grandessíssimo dedo-duro. Caso não atue como investigador e denunciante de toda a sua clientela ele estará sujeito à pena de cassação do registro profissional e multa equivalente a vinte milhões de reais (Lei 9613/98, Art. 12, II, c). O princípio da confidencialidade contido no Código de Ética do Contador é extremamente fragilizado, uma vez que o sigilo do exercício profissional lícito pode ser quebrado por solicitação de autoridades competentes, por lei e até mesmo pelo Conselho Regional de Contabilidade (Resolução CFC 803/96, Art. 2º, Inciso II). Resumo da ópera, não existe sigilo contábil nenhum. Para outras classes de profissionais esse sigilo é sagrado. Pura ironia. Outra sarcástica ironia pode ser identificada no item 18 da cartilha produzida pelo COAF em conjunto com CFC, Ibracon e Fenacon, cujo texto diz que o contador obrigado a fazer uma série de investigações não deve ser chamado de INVESTIGADOR; ao mesmo tempo, também, esse mesmo contador que tem 24 horas para denunciar seu cliente no sistema eletrônico SISCoaf quando identificar alguma operação elencada no artigo 9º da Lei 9613/98, não pode ser classificado como DENUNCIANTE. O temo técnico legal é COMUNICANTE. E ainda dizem que o Brasil não é o país da piada pronta. Tipo, não é namorado, é ficante; não é amante, é pequete. Por que cargas d’água o nosso legislador não é honesto nas suas palavras? Qual a razão de tantos joguinhos sofismáticos? Semanas atrás o governo federal disse que não sofremos uma recessão e sim uma contração econômica. O governador de São Paulo afirmou que não existe racionamento de água e sim, restrição hídrica. Palhaçada!!

Dentre o imenso rol de operações passíveis de denúncia ao COAF estão as seguintes: I – Operações destoantes do objeto principal do negócio; II – Operações incompatíveis com a capacidade econômica do cliente; III – Resistência do cliente em prestar informações exatas de determinadas operações; IV – Operações injustificadamente complexas; V – Operações que contenham indícios de superfaturamento ou subfaturamento etc., etc. Ou seja, é justamente com tais situações que os contadores labutam diariamente, as quais levam a uma relação conflitante com seus clientes. Se todos os 17 quesitos dos artigos 9º e 10º da Res. CFC 1445/13 tiverem que ser observadas ao pé da letra, os escritórios de contabilidade do Brasil seriam extintos. Da forma como as regras legais estão dispostas o contador teria que fazer uma pós-graduação na Polícia Federal ou no FBI para adquirir as competências investigativas exigidas pela Lei 9613/98 e pela Resolução CFC 1445/13. E a dita legislação ainda rebate o termo INVESTIGADOR. Piada!!

Um fato curioso e até compreensível num país de bandidos engravatados, é que tanto cuidado do legislador não foi suficiente para impedir a roubalheira dos bilhões de reais da operação Lava Jato. Ou seja, tanta burocracia só funciona com os pequenos e fora do círculo do poder estabelecido. O COAF persegue as formigas enquanto que os elefantes dançam e sapateiam sem que nenhum órgão de controle governamental consiga perceber o chão tremer debaixo dos pés. Por que será que isso acontece? O que o COAF, a CGU e outros entes ditos sérios têm a dizer sobre tudo isso? Nada. Não dizem nada e fica por isso mesmo. Dane-se o povo idiota que se mata de pagar toneladas de impostos. O COAF pode punir todo mundo, mas quem vai punir a leniência e até a cumplicidade do COAF? Novamente, temos uma grande palhaçada!! 

De certo, é que os contadores têm até o próximo dia 31 para prestar declaração ao COAF das operações suspeitas praticadas por seus clientes, tais como prestação se serviço em espécie de valor igual ou superior a R$ 30.000,00. Ou então integralização de capital em dinheiro vivo no valor acima de R$ 100.000,00. Ou ainda aquisição de bens acima de R$ 100.000,00 (cash). A lista pormenorizada de operações suspeitas é extensa e por isso mesmo demanda cuidado e atenção do profissional da contabilidade. Estão dispensados dessa obrigatoriedade aqueles que trabalham na condição de empregado. Por que será que esses não podem denunciar o patrão, mas os outros são obrigados a denunciar o próprio cliente? Muito estranho!!!



terça-feira, 5 de março de 2013

PARAÍSO DA PERMISSIVIDADE

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 05/03/2013 - A112
Artigos publicados

O fenômeno cinematográfico “Lincoln”, do diretor Steven Spilberg, vende para o mundo a grandiosidade do homem, do mito, que é considerado pelos norte-americanos como o “pai da nação”. De fato, o protagonista é simplesmente brilhante nas estratégias políticas, visto que sua habilidade para conquistar corações e mentes levou alguns críticos a qualificá-lo como um manipulador maquiavélico. De qualquer forma, ninguém nega sua eloquente oratória, tanto que seu famoso Discurso de Gettysburg, de 1853, tornou-se um símbolo icônico dos deveres do seu povo. A interpretação brilhante do ator Daniel Day-Lewis mostra o esforço sobre-humano do presidente Lincoln para costurar uma engenhosa e complexa articulação com a finalidade de harmonizar interesses e correntes absolutamente heterogêneas e assim salvar a nação do cisma geográfico. Ou seja, Abraham Lincoln liderou o país de forma bem-sucedida durante a maior crise interna da história americana.

O filme “Tudo pelo Poder”, do diretor George Clooney, mostra os bastidores da campanha presidencial à Casa Branca. É interessante observar nessa produção hollywoodiana o processo de construção da imagem do homem público, o qual deve ser revestido do mais brilhante e sublime verniz democrático. O candidato é indefectível nos modos, na elegância, na erudição; mas principalmente é convincente na probidade e na conduta imaculada. Por conta desse obrigatório e frágil equilíbrio moral, uma fortuita infidelidade conjugal concentra o devastador potencial de destruir uma carreira política construída como muito sacrifício.

Em várias nações, principalmente nas saxônicas, a conduta do homem público é uma fortaleza que deve se manter inexpugnável, onde não se tolera desvios nem nebulosidades. Um bom exemplo é a queda do diretor da CIA (David Petraeus) devido a um caso extraconjugal. Outro exemplo foi o envolvimento do governador do estado de Nova York (Eliot Spitzer) com prostitutas que lhe custou o mandato. Pode-se também citar o emblemático caso da queda da vice do Primeiro Ministro da Suécia que comprou chocolate com cartão corporativo.

Por aqui, em terras tupiniquins, onde nossos aborígenes ensinaram os colonizadores a tomar banho e cuidar da própria higiene, vivemos o paraíso da permissividade. Aqui não existe essa coisa de eloquência, de grandeza, de nobreza de espírito. Aqui não fazemos rodeios nem nos preocupamos com protocolos ou com ideários pomposos. Tanto, que na cerimônia de posse presidencial o povaréu se chafurdou no espelho d’água em frente ao Congresso. Reputação e conduta são concepções extremamente rarefeitas que passam ao largo das preocupações dos nossos homens públicos. Afinal de contas, o povo não consegue processar conceitos tão sofisticados; o povo só quer saber de futebol e mulher pelada.

Assim, parece que nada, absolutamente nada é capaz de arranhar a imagem das raposas da política. Arnaldo Jabor até cunhou o termo “político teflon”, onde nada gruda. De tal modo como acontece entre os detentos das penitenciárias, o único desvio imperdoável é a traição dos pares. Isso sim, pode custar o mandato e resultar em inelegibilidade. Fora isso, tudo é relevável, tudo é contornável, tudo é esquecível. Ou seja, o político pode mostrar as nádegas para a delegada, pode ser um notório pedófilo, pode espancar a esposa, pode ser condenado pelo STF, pode assassinar uma pessoa em frente às câmeras, pode viver na esbórnia, pode desvirginar um monte de ribeirinhas e pode quebrar compromissos institucionais sem o menor pudor, como fez dias atrás o honorável presidente do Implurb, senhor Roberto Moita, que não compareceu a uma reunião agendada com representantes do Conselho Regional de Contabilidade e do Sindicado das Empresas de Serviços Contábeis, ficando a comitiva a ver navios.

Os nossos valores políticos em nada se compara aos dos saxônicos (não que eles sejam perfeitos). Nossa política é marcada pelo populismo rasteiro, por homens toscos e por repetitivos discursos impregnados de clichês. Toda nossa decepção nos permite imaginar que nunca tivemos nem jamais teremos um político da magnitude do presidente Lincoln. A aridez moral que impera no insalubre ambiente político brasileiro não permite a sobrevivência de ideários nobres de retidão moral. O mundo real da política é povoado por gente preocupada, sim, mas com, e somente com o seu bolso. Também, nossos políticos são profundamente dedicados à arte da interpretação teatral. Ou seja, árdua e intensivamente treinam-se expressões, tom de voz, gesticulações, posturas e também se estuda palavreados floridos e convincentes. Tudo feito com o objetivo de ludibriar o povo e assim prosseguir cometendo toda sorte de impropérios.




terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

EVOLUÇÃO DO "COMPLIANCE"

Reginaldo de Oliveira

Os mais espertos da sala de aula podem vir a ser espertos demais no ambiente de trabalho. A supervalorização de manobras ousadas nas relações de negócio pode redundar em consequências desastrosas para a organização como um todo. A competitividade acirrada e a própria dinâmica do mercado acaba fomentando o surgimento de práticas que a princípio são recebidas com louvor, mas que tempos depois se revelam fraudulentas. Basta lembrar o caso Enron. Por isso, muita gente já percebeu que esperteza demais pode ser prejudicial para todo mundo e a consequência dessa percepção resultou na criação de entidades voltadas para o estudo e proposição de práticas sustentáveis de negócio, tendo como fundamentos a ética, responsabilidade social e construção de uma sociedade mais justa.

Vivemos num mundo incerto onde eventos e fenômenos surpreendentes desestabilizam o mais bem elaborado planejamento. São colapsos financeiros, ataques terroristas, catástrofes naturais, instabilidade política, convulsões sociais, desvios de conduta, fraudes etc. Aqui no Brasil ainda temos a famigerada insegurança jurídica, corrupção entranhada em todas as células sociais e uma estrutura tributária que se assemelha ao monstro Frankenstein. Lidar com variáveis tão diversas requer a adoção de políticas de gestão de risco e de blindagem patrimonial, com foco no fortalecimento dos controles internos. Por esses e outros motivos ganha força nas organizações a adoção das políticas de “compliance”, termo inglês que significa cumprir o que foi determinado. Tais procedimentos visam estabelecer uma cultura onde as pessoas pautem suas ações em conformidade com as normas estabelecidas. A empresa, por sua vez, também deve dar o exemplo através do cumprimento de regras fixadas por entidades regulatórias. É por demais importante que a via ética seja de mão dupla para que a mensagem vinda do topo não adquira coloração demagógica antes de chegar aos ouvidos da base operacional.

As políticas de “compliance” são parte importante do sistema de governança corporativa, cujo objetivo maior é zelar pela reputação e pelo valor da companhia, cujo alvo é o mercado; seus parceiros, consumidores e investidores. Há casos de entidades, por exemplo, que já estão utilizando o “compliance” como critério de desempate na escolha de empresas para investimento ou fechamento de acordos comerciais. Esse comportamento do mercado tem assim empurrado as empresas para o campo ético, onde condutas desleais, contrabando, sonegação, trabalho escravo, exploração infantil, não são mais tolerados. Claro e óbvio que a mudança deve acontecer de dentro para fora. Assim, o cerco vem se fechando em volta dos funcionários cuja esperteza foi longe demais. Para os interessados, há todo um conjunto de procedimentos prontos para a adoção do “compliance”, bastando apenas buscar um especialista no assunto.

Uma consequência curiosa e positiva da abertura do guarda-chuva ético é que as empresas entre si conseguem certo grau de uniformidade devido à própria pressão do mercado. Já outro elemento ostensivo e determinante no cenário econômico meio que se isola desse processo. Dessa forma, as entidades governamentais passam a ser alvo do movimento ético nascido nas empresas. Corrupção e desmandos já não tolerados no setor privado passam também a não ser tolerados no setor público. Empresas como a Siemens, EDP Energia, Walmart e Natura já orquestram um movimento que pressiona o Congresso pela aprovação de leis moralizadoras da máquina pública.

terça-feira, 7 de junho de 2011

ERROS, FRAUDES E AUDITORIA

Reginaldo de Oliveira
@ucara
Publicado no Jornal do Commercio AM 07/06/2011
Artigos publicados

Não é difícil encontrar administradores consumidos por preocupações relacionadas ao controle interno das suas operações. As áreas sensíveis como os setores de compras, financeiro, RH e TI são mais propensas a incorrer em diversos tipos de irregularidades, seja por dolo ou culpa. Erros decorrentes de negligência ou despreparo são menos danosos para o clima organizacional. A fraude, por conseguinte, possui uma carga de alto potencial destrutivo, visto que a extensão dos estragos vai além da usurpação de bens patrimoniais. E seu efeito negativo leva tempo, muito tempo para se dissipar.

Os erros acontecem de forma involuntária, seja por desatenção, inobservância de procedimentos internos ou falta de conhecimento técnico adequado para execução de tarefas etc. O empregado pode também ser induzido ao erro quando é mal orientado por seus superiores ou quando a estrutura organizacional é capenga e os processos internos não são mapeados. Quando diretores e gerentes tropeçam nas próprias pernas ou se aventuram em péssimos negócios não é de se estranhar que o restante da hierarquia faça o mesmo. O ranço da incompetência costuma escorrer de cima para baixo contaminando o que encontra pelo caminho. Portanto, se os sinais de incompetência são visíveis em tudo quanto é área da empresa, é provável que a coisa lá em cima seja muito feia.

A fraude é revestida de um caráter perverso. Quando alguém faz esse tipo de coisa numa organização acaba prejudicando todo mundo. Prejudica diretamente o proprietário do patrimônio lesado e marca negativamente os demais. Há casos traumáticos que mudam a empresa para sempre: patrões justos se tornam carrascos paranóicos e funcionários amistosos passam a desconfiar da própria sombra. A fraude se manifesta de formas diversas, seja pela falsificação de documentos ou registro de transações fictícias, dentre outras. A NBC T-12, aprovada pelo Conselho Federal de Contabilidade, contém a seguinte definição: “O termo ‘fraude’ aplica-se a atos voluntários de omissão e manipulação de transações e operações, adulteração de documentos, registros, relatórios e demonstrações contábeis, tanto em termos físicos quanto monetários”.

A existência de um ambiente organizacional complexo justifica a implementação de políticas que visem à proteção do patrimônio. A auditoria (interna e independente) se apresenta como um necessário e oportuno instrumento de prevenção de riscos patrimoniais. Dependendo da complexidade e do volume de operações de uma organização, a auditoria interna se torna imprescindível para identificar fraudes no seu nascedouro. É obvio que procedimentos de auditoria interna só serão eficazes num ambiente regido por normas e procedimentos bem estruturados. Caso contrário, o trabalho do auditor produzirá mais atrito do que resultados práticos.

É bom lembrar que existem pessoas excepcionalmente habilidosas na utilização de premissas verdadeiras que resultam em conclusões sofismáticas. Esse pessoal conhece os entremeios da burocracia operacional e sabe exatamente onde estão os pontos frágeis. Também, costuma se opor a qualquer idéia relacionada ao assunto auditoria. Por esses e outros motivos é que o auditor deve reunir qualidades incomuns e ter faro bem apurado.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

COMPORTAMENTO TEMERÁRIO

Reginaldo de Oliveira

Publicado no Jornal do Commercio em 23/04/2009 – Manaus/AM - Pag. A3 = A006

ARTIGOS PUBLICADOS

Cada pessoa possui um jeito próprio de reagir à ação dos agentes externos e de interpretar o mundo. É o que podemos chamar de idiossincrasia. Tal fenômeno é observado na forma como as diferentes culturas desenvolveram linguagens e hábitos próprios, e também como cada pessoa trabalha a solução de um problema ou encontra meios de expressar seus sentimentos. A mente humana tem um infinito poder de criação, mas também é muito suscetível a estruturas de raciocínio que demonstrem coerência. Dessa forma, é possível sintonizar um grande número de percepções em um só canal para que todos compreendam clara e detalhadamente uma ideia, uma orientação ou um propósito. Mas é preciso haver uma força capaz de manter a integridade da estrutura da ideia original, visto que a falta de coesão acaba por fim resultando em uma multiplicidade de interpretações e consequente perturbação da ordem das coisas. 

 Existem métodos consagrados para os mais variados tipos de controles burocráticos; práticas testadas e aprimoradas ao longo de muitos anos por renomados profissionais. Daí, que a roda existe e é redondinha. Não há necessidade de reinventá-la, de arredondá-la mais ainda. Só que muita gente não atenta para isso. É curioso observar a forma bem particular que certas empresas trabalham seus controles internos. Cada uma de um jeito mais interessante que a outra. 

 Grande parte dos empresários costuma delegar aos seus empregados uma série de procedimentos burocráticos sem se preocupar muito com a metodologia que será utilizada ou desenvolvida. O funcionário que recebe a incumbência e que não passou por nenhum tipo de capacitação interpretará os fatos de acordo com seus padrões mentais e transferirá para um determinado tipo de registro o resultado da sua percepção. Como consequência, o produto final do trabalho só ficará compreensível ao seu autor. Essas práticas são particularmente perigosas quando acontecem na área financeira. 

 Os fatos financeiros podem e devem ser convertidos em registros perfeitamente compreensíveis a qualquer pessoa que os examinarem atentamente. Basta a aplicação de uma boa técnica, disciplina e atenção. Cada ocorrência pode ser considerada um processo com início, meio e fim. Existem processos extremamente simples, como por exemplo, o pagamento de um sedex. Há outros que se revestem de certa complexidade. 

 Examinemos o processo de aquisição de insumos em uma indústria organizada. O cuidado acontece no momento em que é feita a solicitação do material. Nessa fase já é determinada uma série de informações técnicas acerca dos itens solicitados, como se fosse a preparação de uma nota fiscal. Tal solicitação é convertida em pedido pelo setor de compras, que negocia preço, prazo etc. Dias depois, ao receber a encomenda do fornecedor, alguém verificará se a nota fiscal é uma réplica do pedido. A etapa seguinte será alimentar o sistema de estoque e gerar uma obrigação financeira. O funcionário do setor financeiro agendará os pagamentos anexando cópia da nota fiscal a cada boleto, além de cópias de documentos que de alguma forma sejam importantes para o esclarecimento de um fato específico, como um desconto especial na última duplicata. Todos os documentos produzidos ao longo do processo devem ficar agrupados e disponíveis para uma auditoria. O custo administrativo aumenta? Sim. Mas o preço da desorganização é muito maior. 

 A inobservância de procedimentos que dificultem o esclarecimento de determinadas operações via documentação suporte, pode ser considerado um comportamento temerário por parte do pessoal envolvido no processo. Os administradores de recursos econômicos são obrigados a prestar contas para vários agentes, sendo que os mais críticos são o acionista e o fisco. O modo obscuro que muita gente administra recursos sob sua responsabilidade pode resultar em consequências muito graves. Tais consequências podem ter um longo raio de ação e alcançar várias pessoas. 

 No fim das contas, a responsabilidade pelos desajustes é do principal gestor que não optou por uma administração profissional, que não captou os abundantes sinais de descontrole, que ignorou nuvens negras encobrindo sua burocracia interna e que não procurou raciocinar que existe uma variada gama de soluções no mercado pronta para ser utilizada.