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terça-feira, 6 de novembro de 2018

A NOVA REFORMA MIDIÁTICA



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  06 / 11 / 2018 - A345

Por muitos séculos, o que se considerava verdade absoluta tinha como única fonte a igreja católica. As pessoas tomavam orientações dos clérigos como dogmas indiscutíveis, sendo que, praticamente, toda comunicação era verbal, uma vez que o acesso ao texto sagrado ficava restrito à classe sacerdotal. Por essas e outras, a sociedade medieval se comportava como um grande rebanho que era direcionado para um lado e para o outro sempre que se modificavam as conveniências das elites dominantes. Foi então que aconteceu uma grande ruptura desse sistema engessado. As 95 teses de Martinho Lutero demoliram os pilares fundamentais da doutrina do perdão e de outros fundamentos eclesiásticos. A tradução da bíblia para o alemão abriu as portas de muitas consciências que passaram a enxergar o mundo com os próprios olhos. O começo do fim da hegemonia papal inaugurou uma nova era civilizatória; a idade das trevas foi ficando para trás. Mas, ironicamente, o que houve de fato foi o surgimento de um novo poder dominante, que se apresentou mais elegante e mais sofisticado. Nascia em 1605 o Relation aller Fürnemmen und gedenckwürdigen Historien, que é reconhecido como o primeiro jornal da história. E com ele, nasceu o que tempos depois foi chamado de quarto poder.

A icônica frase “Nunca arranje uma briga com quem compra tinta em barril e papel às toneladas” retrata muito bem o tal dito quarto poder. A verdade tinha um novo dono. A grande imprensa passou a ditar os rumos da civilização moderna, onde levantava e derrubava quem quisesse porque o povão era agora um rebanho instruído pelas novas crenças iluministas. Na verdade, as trevas não tinham se dissipado totalmente; o comportamento de manada permanecia no inconsciente social porque as pessoas eram facilmente capturadas pelos modismos e pelos ideais forjados na elite econômica e intelectual.

Aqui mesmo, no Brasil, temos uma lista infinita de exemplos manipulatórios da grande mídia que determinaram as bases sociais do que somos hoje. Essa postura hegemônica e megalomaníaca inflou a empáfia e a presunção de gente presa a velhos costumes. Foi então que aconteceu outra grande e histórica ruptura cognitiva e reflexiva do cidadão comum. A internet e particularmente as redes sociais modificaram drasticamente a percepção e a interpretação do mundo. Essa desconstrução interpretativa se dá de modo convulsivo e aparentemente desordenado, mas, talvez, seja esse o ambiente ideal. Isso significa que a reforma luterana finalmente está se consolidando. O fenômeno Bolsonaro é uma prova cabal dessa revolução midiática. A grande mídia tradicional caiu diante da internet porque o pensamento livre foi mais forte do que a manipulação das mentes ainda atrofiadas por um sistema anacrônico. O passo seguinte desse processo libertador está na universalização do acesso à rede mundial. Isso deve acontecer nos primeiros tempos do novo governo.

Claro, obvio, tantos acontecimentos impactantes deixou meio mundo de gente atordoada. Os grandes e anacrônicos conglomerados midiáticos afundam na areia movediça do descrédito porque teimam em brigar com os internautas. Os barões da tinta e do papel se recusam a deixar o século XX para trás, e assim assistem ao desmantelamento dos seus impérios jornalísticos. Até mesmo os grandes ícones antes respeitados, agora estão debaixo de uma saraivada de ataques críticos. Os efeitos desse processo difamatório serão materializados no definhamento e na extinção da imprensa como a conhecemos atualmente.

O fato é que, agora, a via é de mão dupla. Ou seja, a notícia parcial e mentirosa é imediatamente rebatida pelo leitor, que cai de pau no veículo jornalístico com a fúria de um linchamento. Aquela pose de intelectual exibida na televisão, de gente que falava abobrinhas e tudo o mais com absoluta tranquilidade, já é coisa do passado. Isso ocorre porque todo mundo está ligado nas redes sociais. As redes sociais é o grande júri. E não adianta em nada a tal campanha contra as “fake news” promovida pela televisão brasileira. O que está valendo de “fake news” é o jargão do Trump, que já provocou danos irreparáveis à credibilidade da mídia americana. Curta e siga @doutorimposto





quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

DÚVIDA JURÍDICA SOBRE O ICMS-ST



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  24 / 1 / 2018 - A 322

A ação direta de inconstitucionalidade 5866 suscitou um incômodo questionamento jurídico sobre o regime ICMS-ST, que é o seguinte: a substituição tributária foi extinta?

Vamos lá.

As regras gerais que normatizavam o sistema estavam contidas no Convênio 81/1993, o qual foi revogado pelo Convênio 52/2017. O dispositivo substituto consolidou as normas da substituição tributária e da antecipação do ICMS, anulando, inclusive, os Convênios 70/1993, 35/2011, 92/2015 e 149/2015. O objetivo de tantas modificações foi o de colocar um pouco de ordem nesse tumultuado regimento tributário, cujos efeitos na vida empresarial aconteceriam a partir desse mês de janeiro. Por conseguinte, as legislações estaduais passariam a ser orientadas pelo Convênio 52, como fonte de muitos procedimentos técnicos e normativos. Acontece, que a Ministra Cármem Lúcia suspendeu 10 das 36 cláusulas desse convênio, incluindo o seu principal sustentáculo, representado pela cláusula oitava, que trata da responsabilidade do contribuinte pela retenção e recolhimento do ICMS na condição de sujeito passivo por substituição. Alguns especialistas argumentam que bastaria o STF ter suspendido apenas as cláusulas décima segunda e décima terceira, justamente, as responsáveis pelo levante da classe empresarial. Os contribuintes estão saturados das recorrentes majorações fiscais desprovidas de lastro constitucional. O erro fatal do Confaz se deu por utilizar o instituto do convênio para criar regras privativas de lei complementar.

O entendimento.

A consultoria NWA sustenta que, diante da supracitada revogação, as empresas devem atentar para as disposições da Lei Complementar 87/1996, bem como as respectivas legislações estaduais. Isso porque, conforme o artigo 24, §2º, da CF, a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. Assim, devem ser observados os comandos previstos na LC87, que trata sobre substituição tributária, em especial o artigo 9º, que preconiza que a “adoção do regime de substituição tributária em operações interestaduais dependerá de acordo específico celebrado pelos Estados interessados”. No que a LC87 não dispor, deve ser observada a lei estadual que trate sobre o tema.

O que chama atenção nessa história rocambolesca é o poder imensurável dos atos do Confaz, quando as decisões são utilizadas em desfavor do contribuinte. Quando o convênio deixa de existir, ele não faz falta; o câmbio automático faz a substituição pela marcha mais conveniente. Conclui-se assim que a legislação brasileira possui uma plasticidade capaz de se amoldar a qualquer contingência. Isso é especialmente perigoso porque o hábil manipulador pode ajustar a legalidade para o atendimento de interesses variados. A soberania pode estar nas mãos do Fisco, como também nos domínios de particulares. Resumo da ópera: nossa Justiça é uma grande peça de ficção porque nunca chegará aos pequenos. A Sefaz faz gato e sapato dos modestos contribuintes que perambulam pelos corredores do órgão em busca de respostas para questões primárias. Por outro lado, os grandões têm suas operações acobertadas por generosos regimes especiais. O pior é que tudo é muito grosseiro e ostensivo; ninguém disfarça a diferença de tratamento. Quem quiser provar um pouco do mau atendimento da Sefaz é só ir ao Plantão Fiscal; você vai levar sopapo de todo lado.

Apesar de aparentemente não haver motivo para discussão sobre o Convênio 52, o fato é que a coisa ficou bastante esquisita, sim. Tanto, que a Procuradoria Geral da República está trabalhando em pareceres jurídicos que foram solicitados por algumas administrações fazendárias estaduais. Ou seja, não há clima de normalidade porque a anormalidade se tornou normal. Alguns convênios reguladores constantes no Anexo IIA foram revogados, mas continuam figurando no RICMS/AM, como, por exemplo, o Convênio 37 do item 9, que foi revogado pelo Convênio 111/2017. Interessante, é que o contribuinte tem que obedecer até mesmo lei revogada, mas o Fisco pode tranquilamente viver cercado de ilegalidade, que nada acontece com ele. Isso é democracia ou tirania?















terça-feira, 31 de outubro de 2017

ESQUIZOFRENIA MORAL



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  31 / 10 / 2017 - A 311

Uma pesquisa da ONG Transparência Internacional, feita em 20 países da América Latina, expôs um quadro galopante de corrupção e uma crescente desconfiança dos cidadãos em relação aos seus políticos. Entre as pessoas entrevistadas, a grande maioria (70%) acredita que os cidadãos possam ter um papel relevante na luta contra a corrupção, especialmente no Brasil (83%). Mas quando perguntados sobre a prática de algum ato delituoso, 51% dos mexicanos e 46% dos dominicanos admitiram ter pagado propina, enquanto somente 11% dos brasileiros subornaram algum agente público. Tais números indicam que a corrupção no México é cinco vezes maior do que a brasileira (yo no creo).

O gritante cenário de roubalheira descortinado pela mídia evidencia uma completa imersão da nossa sociedade na putrefata lama da corrupção. Somos um paciente terminal com chance zero de tratamento convencional. É bom lembrar que os corruptos foram paridos das massas; são frutos da árvore social chamada Brasil. E, como disse o Mestre dos mestres, não pode a árvore boa dar maus frutos. Ou seja, a corrupção é um mal social. Daí, que, muitos brasileiros acreditam que vários comportamentos obscenos não são classificáveis na categoria de atos delituosos. Corrupto, portanto, são os outros.

O tradicional chefe de família é aquele que mantém uma postura impecável de provedor e de pai amoroso, que engravida a sua secretária e depois patrocina um aborto para manter a harmonia familiar. O palestrante que encanta sua plateia com um belo discurso ecológico descarta a latinha de refrigerante na via pública. A apresentadora de TV que só fala em saúde e boa alimentação é acometida de câncer pelo hábito de fumar muito. O jovem aristocrata que mostra o branquelo traseiro para a delegada é fragorosamente conduzido ao congresso nacional pelos braços do povo. O político espancador da esposa é adorado por muitas mulheres devotas que mantém a fotografia do agressor colada na parede da sala. O chefe maior do Detran é campeão de infrações de trânsito. A beata que vive na igreja inferniza a vizinhança com fofocas e rabugices.

A mãe exibe com orgulho a bela casa construída com muito suor e dinheiro que o filho surrupiou do patrão. A esposa fica eufórica quando o marido chega com mercadorias saqueadas duma carga acidentada. O empresário religioso e próspero, ergueu seu patrimônio com monumentais desvios que fazia quando trabalhava no setor de compras duma grande indústria. Por outro lado, o diretor dessa grande indústria comemora o fechamento dum contrato milionário envolvendo produtos superfaturados para diversas prefeituras etc., etc. São essas, exatamente, as pessoas convictas da sua impoluta conduta moral; elas não encontram nos seus atos obscenos nenhum motivo de constrangimento ou de reprovação. Tudo acontece de modo absolutamente “NORMAL”. São essas, as pessoas que elegem os Eduardo Cunha e Sérgio Cabral da vida. O político astuto e bandido conhece muito bem o seu público. Por isso sempre ganha qualquer pleito. Ele não precisa se fazer de bonzinho; nas entrelinhas do discurso demagógico, ele se comunica com a alma deformada dos eleitores. Daí, que, de nada adianta afastar os políticos ruins se o eleitor continua o mesmo.

Para a desgraça da nação, essa dita “normalidade” é levada para o universo da administração pública.

Primeira e única regra: Política é Roubalheira. Ponto final. Por que os políticos se matam uns aos outros? A briga é por orçamentos bem gordos. A disputa maior é pelas pastas de grande volume orçamentário. Quanto maior o orçamento, maior a roubalheira. A roubalheira não é, absolutamente, um ato vergonhoso; é a prática “NORMAL” da administração pública. Quem não entra no esquema, vê o colega do lado enriquecer, ter uma vida opulenta e morrer aos 90 anos de idade sem nunca ter problemas judiciais. Roubar é o melhor negócio no Brasil porque todo o sistema jurídico institucional foi meticulosamente construído para apoiar o ladrão. O problema é que, no jogo da bandidagem, poucos ganham enquanto a maioria perde. Será que essa dita maioria vai continuar engolindo sapo? E se todo mundo passar a roubar, o que vai sobrar? 





terça-feira, 10 de janeiro de 2017

SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA MAIS PESADA EM 2017


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 10 / 1 / 2016 - A281

O ex-ministro Mailson da Nóbrega disse certa vez que o ICMS é o mais complexo dos tributos e que a Substituição Tributária é a modalidade mais complexa do ICMS. De fato, a ST é um osso duro de roer. As normas sobre o assunto são as mais transloucadas do nosso insano ambiente legal. A Sefaz Amazonas vinha trabalhando no sentido de amenizar os efeitos mais perversos dessa modalidade de taxação. Ou seja, não considerava o transporte no cálculo, utilizava MVA original e simplificava os lançamentos no Domicílio Tributário do contribuinte. Tais procedimentos se desenvolviam dentro das competências legais da Sefaz/AM, como por exemplo, nas regras contidas em Resoluções Internas. As pressões financeiras advindas da crise arrecadatória levaram à taxação do frete. A reclamação foi geral até se descobrir que essa autorização de cobrança é tão antiga quanto o próprio sistema de substituição tributária. Eis que agora em 2017, o comerciante, que há anos vem lutando pela redução das Margens de Valor Agregado, foi surpreendido com um repentino aumento, que em alguns casos chegou a 41,46%. Isso aconteceu com o MVA de 70%, que depois de “ajustado” ficou em 99,02% (CST 100). Alguns contribuintes já visualizaram notificações majoradas no seu DTE e com isso terão que retirar do bolso 19,64% a mais de dinheiro para quitar débitos para com a Sefaz (exemplo: CST 100). Aquisições com ICMS interestadual de 12% foram menos impactadas (aumento financeiro de 13,20%).

Esse impacto financeiro se deve à mudança da MVA, que até 2016 era “original” e que agora em 2017 passou a ser “ajustada” na antecipação de recolhimento de ICMS com encerramento de tributação (ST interna). O percentual de MVA ajustada é resultado da aplicação da fórmula [(1+ MVA ST original) x (1 – ALQ inter) / (1 – ALQ intra)] – 1. A estrutura pode parecer complexa, mas é muito simples de ser aplicada. É bom lembrar que esse esquema matemático é bem antigo, podendo ser encontrado na Portaria CAT 15 de 2008 (Sefaz São Paulo). O Decreto 35.772 de 2015 inseriu essa fórmula no § 2º do artigo 120 do Regulamento do ICMS Amazonas. Resumo da ópera: não adianta chorar o leite derramado; não adianta reclamar de invencionices da Sefaz, uma vez que já havia previsão legal. Ressalte-se que a MVA ajustada já é um mecanismo consolidado nas operações interestaduais de cobrança de ST destacada na nota fiscal.

A mudança de original (até 2016) para ajustada (2017 em diante) aconteceu por força do Decreto 37.465 de 14 de dezembro de 2016, cujo Inciso II do Artigo 1° diz o seguinte: “Para efeito de cobrança do ICMS devido nas operações com as mercadorias indicadas nos itens do Anexo II-A deste Regulamento, QUE NÃO ESTEJAM RELACIONADAS EM ACORDO CELEBRADO COM OUTRAS UNIDADES FEDERADAS, serão emitidos extratos de desembaraço na entrada das mercadorias no Estado, observando-se o disposto no art. 107 e aplicando-se as margens de valor agregado previstas no referido Anexo, AJUSTADAS conforme a fórmula prevista no § 2º do art. 120”. O texto em destaque quer dizer cobrança efetuada pela Sefaz por ocasião da entrada de mercadoria no Estado. Em outras palavras, NCM listados em Resoluções Internas.

Esse “ajustamento legal” da Sefaz/AM aumentou o abismo que havia entre os MVA daqui e os do nosso vizinho estado de Rondônia. De fato, o assunto gera polêmica e reclamações de ambos os lados. O Estado vive se queixando de prejuízos arrecadatórios porque o sistema só tributa uma fase da cadeia de distribuição. Por outro lado, o contribuinte chora as mordidas afiadas no seu bolso. O fato é que a ST gera caixa rápido para o governo e “certa tranquilidade” para o comerciante que liquida um assunto fiscal de imediato. O grande mal desse sistema está na obscuridade normativa e na complexa operacionalidade da cobrança. Aquilo que começou pequeno, lá, no Convênio 81 de 1993, se transformou num monstro de infinitas cabeças. Tudo creditado à voracidade arrecadatória combinado com a comichão burocrática do legislador.

Pior de tudo é que pouca gente conhece as entranhas desse sistema e muito menos a sua dinâmica embusteira. O resultado dessa ignorância se traduz na pouca ou inexistente prática de conferir a matemática aplicada pela Sefaz, que erra pra caramba (sempre pra cima). Fiquemos todos espertos. Tempos atrás um grande atacadista foi erroneamente notificado em R$ 21 milhões no seu DTE, sendo que, na verdade, somente R$ 5 milhões eram devidos. Não fosse o batalhão de funcionários catando NCM por NCM a empresa seria sangrada em 16 milhões num período de três meses. Imagine então a montanha indevida de dinheiro pago por milhares de empresas que não analisam seus débitos fiscais. 








FICHA DE PRODUTO EM EXCEL
que contém várias informações fiscais

Já estou trabalhando na modificação de todos os MVA dessa planilha.

CLIQUE NA IMAGEM ABAIXO
PARA BAIXAR A PLANILHA


terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A MORTE DA POLÍTICA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 13 / 12 / 2016 - A277

A mãe já idosa morava com seu único filho numa modesta propriedade rural. Eis que depois duma noite chuvosa ela estranha o fato do filho não ter levantado da cama. Por fim, descobre, perplexa, que ele estava morto. O desespero tomou conta da casa, visto que tudo perdera o sentido de existir. Não havia, portanto, qualquer alternativa de dar continuidade à rotina tranquila e acolhedora ao lado de alguém tão atento e cuidadoso. O senso de negação da realidade era tamanho que a atônita senhora quis acreditar que tudo aquilo era apenas um sono pesado. Por isso, não tomou nenhuma providência quanto aos rituais de sepultamento. A presença do corpo inerte reforçava aquela situação esquizofrênica. A coisa funcionou mais ou menos nos primeiros dias. Depois disso o corpo foi se deformando de modo que o clima de negação se transformou num pesadelo aterrorizante.

A tão badalada e temida delação do fim do mundo acabou por confirmar sua fama. Os primeiros depoimentos esquadrinham a dinâmica das relações criminosas que há entre o público e o privado. Impressiona, nesse caso, o espanto que ainda causou numa população já tão escandalizada pela farta e intermitente sequência de denúncias envolvendo todas as colorações partidárias. O que ficou claro, claríssimo, é que TUDO o que se refere ao poder público é completamente dominado pela corrupção. A impressão é de que nada se salva. Claro, óbvio, essa constatação é injusta com muitas pessoas que lutam pela qualidade dos serviços públicos. Mesmo assim, as profundas ramificações de agentes maliciosos nos assuntos de Estado e o recorrente repertório de ações criminosas nos levam a um PADRÃO de comportamento bem definido e acabado. O pior de tudo é que esse dito padrão é sistêmico e orientador de todo o funcionamento das ações públicas, com peso maior no modelo político estabelecido no país. Como teria dito o atual presidente, “a política tem dessas coisas”. Tal afirmação é a síntese daquilo que mais tememos admitir: Nosso sistema político morreu e mesmo assim estamos sem saber o que fazer com o cadáver. O defunto está lá, na cama, enrijecido e amarelado. Mas, atônitos pelo impacto da cruel realidade, tentamos acreditar que tudo ficará bem. Insistimos no discurso de que é preciso acreditar nas instituições. Místicos, iogues e monges tibetanos são desafiados a construir essa alquimia psicológica.

A política está mortinha da silva. A pergunta que fica é a seguinte: O que faremos com o corpo? O que virá depois? O que temos de alternativa?

A delação da Odebrecht mostra que cada gesto do ocupante dum cargo político é inteiramente movido pela corrupção. A corrupção é responsável pelo movimento de cada um dos 650 músculos do deputado, do senador, do governador etc. A corrupção substitui a glicose nos processos metabólicos da fisiologia do político. Ou seja, ele só se mexe a toque de propina. Sem dinheiro sujo o político não vota. A propina é a força propulsora da energia política. Quanto mais dinheiro, mais entusiasmo e mais disposição para varar noites em votações importantes para o país. Quanto maior é a propina, mais autêntica é a honestidade do político. A firmeza no olhar e a convicção de nobres ideais é diretamente proporcional aos depósitos existentes em paraísos fiscais. Se o político é acanhado, fica evidente sua condição de mocinha debutante. Mas, à medida que o patrimônio cresce, a voz engrossa e o peito tufa sob ternos luxuosos e bem cortados.

O fato é que a coisa avacalhou dum jeito tal que está todo mundo desorientado. O cenário é muito preocupante porque a confiança da população é simplesmente zero. Ninguém em sã consciência acredita em mais nada nesse país. Há poucos dias presenciamos ao vivo e em cores a queda da mais alta Corte, que tombou pela espada do senador Calheiros. Agora, ninguém mais se vê obrigado a cumprir decisão judicial, uma vez que o STF estabeleceu jurisprudência nesse sentido. Ninguém acreditava na política e, agora, também, ficou claro que os três poderes da república são uniformes no seu funcionamento disfuncional. Ou seja, o dito PADRÃO vale pra todo mundo.

Voltemos à pergunta de antes: O que vamos fazer com o cadáver? Daqui a pouco ele vai começar a feder e por fim vai espocar de podre. O abacaxi espinhoso está em nossas mãos para ser descascado. O modo de fazer isso, talvez nos obrigue a passar por um doloroso processo de amadurecimento civilizatório. Queira Deus, consigamos fazer a travessia sem traumas irreparáveis. 




terça-feira, 28 de junho de 2016

NO PAÍS DAS MARAVILHAS TRIBUTÁRIAS

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 28 / 6 / 2016 - A257

Depois de um ano economizando os trocados do lanche e o dinheirinho do cinema eis que chega o grande dia. O filho todo ansioso acompanha o pai na gloriosa missão de comprar o tão desejado videogame. Preço: R$ 280,00. Quando o pai chega ao caixa para efetuar o pagamento é impactado pela imagem dum taciturno elemento de olhar congelante postado atrás da funcionária da loja. Como já era conhecedor do esquema, o pai entrega R$ 280,00 para a moça do caixa e logo em seguida retira do bolso mais R$ 720,00 que imediatamente é puxado pelo sujeito mal-encarado. Os compradores voltam felizes para casa, mas ao mesmo tempo refletindo sobre o destino da maior parte do dinheiro gasto na operação. À noite o pai teve um pesadelo. Sonhou com um homem gordo, de olhar esbugalhado comendo e comendo sem parar, morando numa hiper ultra mega mansão cheia de vinte carros, trinta faxineiras, quarenta mordomos, cinquenta motoristas etc. Lá, pelas tantas, um mensageiro adentra a mansão portando um envelope a ser entregue ao gordão. Na sequência, o zoiudo abre o dito envelope, retira o pacotinho de 720 reais e o coloca no bolso. O pai acorda todo suado e gritando ladrão, ladrão, ladrããooooo....!!!

Pela manhã, a esposa preocupada com o rebuliço da noite anterior, pergunta ao marido o motivo de tanta gritaria. Quando ele expressa sua indignação com o imposto pago pelo videogame, ela pede calma e o lembra da compra do carro da família. Para retirar o veículo da loja foi preciso, antes, ir até a secretaria de fazenda para pagar o imposto de R$ 17.600,00. Só com o comprovante desse pagamento foi possível ir pra casa dirigindo após o desembolso de mais R$ 22.400,00 pela efetiva aquisição do carro. Talvez o motivo do pesadelo estivesse na visão do imposto corporificado numa figura humana asquerosa, concluiu a esposa.

Nesse país, os tributos eram pagos dessa forma: Qualquer aquisição obrigava o consumidor a fazer dois pagamentos – um, para o vendedor e outro para o Fiscal do Governo. Ninguém escapava da implacável vigilância. Essa prática draconiana causava certo constrangimento na prestação de alguns serviços. Por exemplo, a garota de programa era obrigada a atender seu cliente sob os olhares pecaminosos do Fiscal, que logo depois embolsava a parte monetária do ato carnal. Nesse caso, o Governo fornecia luvas ao funcionário público e ainda pagava adicional de insalubridade. A presença do agente arrecadador era necessária em cada operação comercial, uma vez que o Fisco não confiava na honestidade do contribuinte. Ou seja, qualquer vacilo e a sonegação era certa.

Nesse país surreal, a taxação sobre consumo era escorchante. O Governo ficava com 57% da gasolina consumida, bebia 46% do refrigerante, confiscava 43% do sabão em pó, embolsava 45% da conta de energia elétrica, surrupiava 60% do fogão micro-ondas, se embriagava com 56% da cerveja, se embelezava com 70% da maquiagem e fumava 90% do cigarro. Em meio a tanto imposto, milagrosamente, o tambaqui escapava do bombardeio tributário. Só que nesse dia, o comprador do videogame ainda atordoado com o pesadelo da noite anterior, pediu para o pescador cortar o peixe em pedaços para facilitar o preparo. Só que, na hora de pagar, lá estava o Fiscal da Sefaz exigindo 5% de ICMS porque o inciso X do parágrafo 5 do artigo 2 diz que a isenção só vale para peixe inteiro e sem vísceras.

O tempo foi passando, o modelo tributário foi cansando e revoltando a população. O problema não era tanto o tamanho da mordida. A reclamação estava na destinação do dinheiro arrecadado. O povo acabou sabendo que o presidente afastado do Congresso consumia meio milhão de reais com mordomias diversas. A população soube também que havia juízes recebendo mais de R$ 100.000,00 de salário, fora algumas indenizações de R$ 300.000,00. Até garçom de senador ganhava o equivalente ao salário de dez professores. Tinha ainda licitação para compra de lagosta e prataria destinadas à sede do Governo no valor de R$ 5.000.000,00. Mas a grande descoberta veio com o desequilíbrio contributivo. Os mais ricos do país não pagavam imposto sobre dividendos. Os conglomerados econômicos eram cheios de desonerações fiscais e a taxação sobre grandes heranças era de 2%, enquanto que na França, 60%.

Para conter o iminente levante da indignação social o Governo aboliu os Fiscais, substituindo-os por um sistema chamado SPED, que tinha a mesma eficiência fiscalizatória. Em seguida, convocou todos os pacientes de hospitais psiquiátricos para reescrever a legislação tributária, de modo que ninguém pudesse entender uma só palavra. Quanto aos impostos, estes foram escondidos dentro das mercadorias. A partir dessa reformulação administrativa o videogame passou a custar R$ 1.000,00 e o carro R$ 40.000,00. Só quem sabia da engenhosa artimanha eram os Contadores, sobre os quais o Fisco cuidou de jogar toda a culpa pela desordem tributária. O pior é que os empresários engoliram a isca, passando a reclamar sempre do Contador e nunca do Governo.


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terça-feira, 21 de junho de 2016

TIRIRICA PRESIDENTE


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 21 / 6 / 2016 - A256

Seu Cândido fumou a vida inteira sem que tal hábito comprometesse suas atividades rotineiras. Sempre bem humorado e disposto, eis que lá pelos 50 anos de idade começaram a surgir vários problemas de saúde, como indisposição crônica, tosse persistente, cefaleia, gastrite etc. Tempos depois veio uma bronquite, uma úlcera e um agressivo câncer de pulmão. Parece que tudo aconteceu ao mesmo tempo. Aquele homem forte e dinâmico estava na lona. Tantos desatinos poderiam ter sido evitados, mesmo porque amigos e familiares não cansavam de alertar o Seu Cândido para os riscos do cigarro.

Pois é. O cigarro do brasileiro é a corrupção. Depois de décadas queimando uma tragada atrás da outra, eis que as consequências dessa prática corriqueira explodiram numa interminável sucessão de escândalos cabeludos e aterradores. Nesse momento estamos na UTI, acometidos de uma metástase cancerígena. A gravidade do momento é tamanha que muito se diz ser a maior crise da nossa história. Não é pra menos. A corrupção, tolerada, escamoteada, tergiversada, vinha de longa data se expandindo e contaminando todas as células do poder público, sendo que nos últimos tempos a coisa ganhou uma aceleração desembestada, como um agressivo câncer terminal. O governo interino, que poderia acenar para uma moralização administrativa, chegou cercado de denunciados em irregularidades diversas, mostrando assim que o combate à corrupção não é um assunto prioritário. Dessa forma, fica a impressão de que as forças políticas insistem na manutenção do velho modelo que encheu o bolso de muita gente com dinheiro sujo.

Fato venério (como diria Paulinho Gogó), ninguém quer seriedade no trato da coisa pública; ninguém quer desgrudar a boca da teta, mesmo com a vaca cambaleando. Um bom exemplo é a modificação do projeto que limitava a influência política nas diretorias de estatais. Outra situação absurda: Assistimos de camarote à feroz resistência dos parlamentares ao projeto do Ministério Público “Dez Medidas Contra a Corrupção”. Impressiona o descaramento desse pessoal: O mundo desabando sobre suas cabeças e mesmo assim os dentes das criaturas hediondas se mantêm cravados no osso da bandalheira. Se fizermos um exercício de abstração, iremos concluir que roubo e política representam um único corpo, com quatro braços, duas cabeças e um só estômago. Impossível separar uma coisa da outra.

Por que os políticos são radicalmente contra o projeto do Ministério Público? A resposta está na proposta apresentada ao Congresso Nacional: 1 Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação; 2 Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos; 3 Aumento das penas e crime hediondo para corrupção de altos valores; 4 Aumento da eficiência e da justiça dos recursos no processo penal; 5 Celeridade nas ações de improbidade administrativa; 6 Reforma no sistema de prescrição penal; 7 Ajustes nas nulidades penais; 8 Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa dois; 9 Prisão preventiva para evitar a dissipação do dinheiro desviado; 10 Recuperação do lucro derivado do crime. Sabemos todos nós que o plantel atual de políticos não vai aprovar nenhuma dessas medidas. Sabemos também que o universo político vai se unir para derrubar todas essas propostas. Daí, que aqueles movimentos organizados que saíram às ruas para impichar a Dilma bem que poderiam peitar os opositores do Ministério Público. Talvez essa possa ser a maior luta da nossa história.

Dia 17, último, na solenidade de posse da nova diretoria da ACA, o prefeito discorreu sobre sua gestão e suas batalhas em defesa dos interesses da capital amazonense. Por breves momentos, a plateia foi envolvida e arrebatada pela consistente apresentação de tantas realizações da atual gestão. Fato indiscutível, o chefe do executivo municipal é um homem erudito e um grande líder. Foi gratificante a sensação de ver um gestor público prestando contas na frente da sua grande equipe de auxiliares. Pena que logo depois nos lembramos do estado terminal do corpo político. Pena que estamos tão escaldados. Não fosse isso, poderíamos ter ido embora carregando o sentimento de que não existe corrupção na nossa cidade.

Em meio ao mar de lama que borbulha nos canais midiáticos fica a dúvida: Em quem confiar? Em quem votar? O castelo de cartas desabou totalmente, não sobrando nada que possa ser aproveitado. Nenhum discurso, por mais belo que seja, é capaz de afastar a nuvem negra que paira sobre nossas cabeças. A coisa tá tão feia que o Deputado Tiririca seria eleito presidente do Brasil se assim o quisesse. Mesmo porque, corre na internet a notícia da expulsão com empurrões e xingamentos de um operador do petrolão que queria trocar seu apoio por uma mala de dinheiro. Esse fato é único em toda a história do Brasil: um político sem etiqueta de preço pendurada no pescoço. Só por isso a população votaria em massa no Tiririca. Afinal de contas, político honesto é a raridade da excepcionalidade. 



terça-feira, 3 de maio de 2016

ST REQUER ATENÇÃO ESPECIAL


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 3 / 5 / 2016 - A252

As mudanças ocorridas nas regras da substituição tributária do ICMS merecem atenção especial pelo rebuliço delas decorrente. A principal modificação está na troca do código NCM pelo CEST nos processos de enquadramento de produtos nesse regime tributário. O código NCM sempre foi um constante gerador de conflitos por causa da sua limitada capacidade de absorção da quantidade infinita de mercadorias existente no país. O Convênio 92 de 2015, que criou o CEST, organizou uma série de produtos em segmentos econômicos, reduzindo drasticamente as possibilidades de interpretações subjetivas. O problema é que a migração de um sistema para o outro requer uma cuidadosa interferência nas configurações dos cadastros de produtos. E isso é muito trabalhoso, tanto para as pequenas quanto para as grandes empresas. Tais dificuldades se estendem para as secretarias de fazenda estaduais, que também estão obrigadas a reconfigurar seus mecanismos lógicos de cobrança do ICMS ST.

A SEFAZ AM, como sempre, saiu na frente dos outros estados, ajustando sua legislação, mas ainda tropeçando em alguns aspectos conceituais das novas regras. Ao que parece, teremos que percorrer um longo caminho até a consolidação das regras promovidas pelo dito Convênio 92. De qualquer forma, o comerciante precisa ficar atento às cobranças de ICMS lançadas no seu Domicílio Tributário Eletrônico (DTE), uma vez que todas as Resoluções GSEFAZ vigentes até o final de 2015 foram revogadas. As doze novas Resoluções criadas especialmente para o atendimento do Convênio 92 acabaram por misturar Resoluções com Convênios com Protocolos. Coisa que não existia anteriormente. Daí, o cuidado redobrado com possibilidades de excesso de tributação. Mesmo porque, a nossa SEFAZ é viciada em cobranças indevidas.

O que mais chamou atenção do contribuinte foi o drástico enxugamento do Anexo II pelo Anexo II-A, que ficou resumido a 28 itens. Até o ano passado, tínhamos 59 itens de categorização de produtos numa estrutura inchada, mas razoavelmente lógica, visto que cada item estava vinculado a dispositivos complementares das regras de enquadramento e cálculo das mercadorias sujeitas ao sistema ST. Eram 40 Protocolos e Convênios descritos nessa dita estrutura, complementados pelas Resoluções GSefaz. Protocolos, Convênios e Resoluções estavam cada um no seu quadrado, não invadindo o terreno do vizinho. Daí, o baixo risco de dupla tributação. O Anexo II-A suscitou uma série de dúvidas por quebrar esse ordenamento jurisdicional, uma vez que vários produtos listados nas novas Resoluções também constam em Protocolos e Convênios, tais quais bebidas, álcool combustível, cimento, tintas, tubos, pneus, telhas, chaves etc.

Da mencionada lista de 40 Protocolos e Convênios, sobreviveu apenas o Protocolo 41. Os itens 8, 9, 10, 22, 23, 24 e 26 ficaram órfãos. Ou seja, sem nenhum dispositivo normativo vinculado, tal qual havia até ano passado. Em consulta a SEFAZ, descobriu-se que tais dispositivos normativos vinculantes existem. Apenas não foram publicados oficialmente. E que, na realidade, são os mesmos de sempre. Mesmo assim, há de se reconhecer o empenho da nossa SEFAZ na tarefa de ajustamento normativo, fato singular se considerarmos o país como um todo.

De qualquer modo, é bom ficarmos cientes de que estamos numa travessia rumo ao novo modelo de cobrança de substituição tributária do ICMS. Daqui até a conclusão desse processo, teremos remexida uma infinidade de disposições normativas desse sistema. Enquanto isso, segue a prática da utilização do código NCM no processo de notificação via Domicílio Tributário Eletrônico. Na esteira, seguem juntos os velhos e persistentes conflitos resultantes das limitações desse dito código. Por exemplo, o NCM 21069090 consta no item 16 da Resolução 30 com MVA de 50% e também consta no item 115 da Resolução 41 com MVA de 100%. Há casos semelhantes com os NCM 69120000, 39241000, 22029000, 19019090 etc. Isso significa que a SEFAZ está constantemente efetuando cobranças indevidas por causa dos conflitos que ela mesma criou. E claro, como todos nós sabemos, o valor cobrado é sempre o maior, cabendo ao contribuinte a tarefa de fazer os questionamentos pertinentes. Alguns contribuintes são cuidadosos na análise das suas notificações, mas meio mundo de gente só paga e paga. Paga tudo que cai no DTE sem analisar nada. E claro, paga além do devido. 



terça-feira, 19 de abril de 2016

MODELO ESGOTADO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 19/04/2016 - A251

A acachapante vitória da abertura do processo de impeachment evidenciou o esgotamento do poder petista. O voto do deputado Bruno Araújo selou a queda de um sistema exaurido. As justificativas dos oposicionistas ao governo deixou clara a existência de um clima de demonização em relação ao partido dos trabalhadores. Mais do que isso, mostrou a falta de habilidade da presidente Dilma na condução das articulações políticas e no relacionamento com as demais instituições republicanas. A arrogância destemperada pode ter sido a causa germinal de tanto descontentamento na casa legislativa. Como bem disse o Deputado Irmão Lázaro, a soberba precede a queda.

Curiosamente, foi possível traçar um paralelo entre os movimentos das ruas e o comportamento dos deputados na histórica votação de domingo. Os insatisfeitos com o governo saíram às ruas para protestar espontaneamente, ao passo que a massa de camisas-vermelhas foi arrastada por várias entidades simpáticas à causa petista. Sem o patrocínio de tais entidades e sem gordos sanduíches de mortadela, provavelmente não haveria uma só manifestação pró-governo. Na sessão legislativa foi possível observar a espontaneidade daqueles que votaram pelo afastamento da presidente, ao passo que os antagonistas não se mostraram tão convictos das suas posições. Até os mais exaltados na defesa do governo externavam sinais de que faziam a escolha errada. Outra observação curiosa estava na segurança e na vontade de quem votava por um Brasil melhor; de quem votava pelos filhos, família, nação etc. Ou seja, essas pessoas apelaram pelos valores mais sagrados para justificar seus posicionamentos, enquanto que os petistas se recusaram a evocar seus familiares para justificar o apoio ao governo, preferindo o clichê repetitivo dos discursos cacofônicos.

O fato é que essa primeira e importante etapa foi cumprida pela câmara dos deputados. Há de se reconhecer o empenho e dedicação do parlamentar Eduardo Cunha, sua maestria e sangue frio na condução de todo o processo. Não fossem as rusgas com o Executivo, poder-se-ia ter um resultado bem diferente. Mas a presidente Dilma preferiu o confronto e com isso acabou pagando caro. Estranhamente, muita gente indignada com as manobras do Cunha para fugir do processo no Conselho de Ética está agora feliz com a manutenção do mandato do presidente da câmara dos deputados. O “meu malvado favorito” acabou atendendo aos anseios de milhões de brasileiros cansados do PT.

Agora, a bola está com o Senado, onde um ritual complexo e demorado deverá ser cumprido até o afastamento da chefa do executivo federal. Resta saber se o comandante da casa conduzirá o processo com a mesma presteza do deputado Eduardo Cunha. Será preciso então uma forte mobilização do povo brasileiro para repetir o resultado de domingo. O risco está no pequeno grupo de votantes e o quão vulnerável estará esse pessoal às investidas do Executivo. Daí, a urgente necessidade de vigiar os passos dos senadores para evitar que eles sejam abduzidos em quartos de hotéis ou em reuniões na calada da noite.

De qualquer forma, um importante e vital recado foi transmitido aos políticos em geral. A pressão popular foi maior do que o fortíssimo peso de quem tem a caneta na mão. Sabe-se que o sistema orçamentário e fiscal concentra um imenso poder no Executivo Federal, tornando prefeitos e governadores reféns de um perverso sistema imperial. Os impostos ficam quase que totalmente em Brasília, onde é utilizado como mecanismo de adestramento dos congressistas. O poder do dinheiro é avassalador, que, para ser vencido, precisa de uma força muito maior. Foi isso que aconteceu domingo passado. Só mesmo uma gestão desastrada para perder aquela votação.

Os discursos antes de cada votação pelo impeachment, mesmo que demagógicos, deixaram claro a necessidade de uma profunda revisão do nosso sistema político. Curiosamente, os deputados se mostraram antenados com os anseios da população. Portanto, há de se questionar então o motivo da manutenção de uma crise que paralisa o país sem que haja sinais de reação dos agentes públicos. De qualquer forma, os poderosos efeitos do tão emblemático e histórico 17 de abril já estão repercutindo na alma do povo e dos políticos em geral. 



quinta-feira, 7 de abril de 2016

ARMADILHAS DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 05/04/2016 - A250

O ente público não é digno de confiança. É menos arriscado prestar serviços para um traficante do que para uma prefeitura. Negociar com o poder público exige preparação e um complexo aprendizado sobre o funcionamento dos mecanismos da máquina estatal. É preciso adicionar ao custo do serviço as propinas, os atrasos e os diversos eventos atravancadores da liberação do dinheiro. A operação Lava Jato vem desnudando a podridão existente nas ações administrativas dos gestores públicos. Esse comportamento ardiloso é intensificado na legislação tributária – cada palavra da lei esconde uma intenção maliciosa. O objetivo é sempre criar um ambiente de obscuridade capaz de deixar o contribuinte totalmente desorientado. O empresariado acaba por contribuir com esse estado calamitoso de coisas, uma vez que não costuma se interessar por assuntos burocráticos. Essa inércia escancara as porteiras do bom senso deixando o fisco avançar livremente sobre bolso de quem trabalha e produz a riqueza da nação.

Um caso mais do que emblemático a se considerar é a legislação do ICMS substituição tributária. Lá, nos primórdios, o nascimento de um imposto qualquer era consequência de um ganho. Ou seja, era preciso, antes, ganhar, para depois pagar. Mais a frente, esse “ganhar” foi substituído pelo “vender”. E claro, óbvio, venda não é sinônimo de dinheiro em caixa. Por esse motivo, muitas vezes pagava-se sem ter dinheiro para tal. Mas não satisfeito, o fisco foi além. Veio então a ideia de pagar sem ao menos ter vendido. O governo passou obrigar o contribuinte a pagar imposto sobre uma base inexistente. Era a substituição tributária. De início, houve uma violenta reação à tamanha insanidade. Mas, na lábia, comendo pelas beiradas e se valendo de contorcionismos retóricos, o governo conseguiu queimar o lombo do contribuinte com um ferrete incandescente. No começo doeu bastante, mas de tanto levar ferro o empresário acabou se acostumando com o abuso. Mas nunca engoliu o desaforo.

O argumento central da substituição tributária consistia na dificuldade de fiscalização no varejo, concentrando assim a cobrança na indústria. A lista de produtos alcançados pelo sistema era bem restrita. Foi com muito xaveco ao pé do ouvido que o empresário caiu na cantada. E depois de colocar a coisa direitinho, o governo deu o bote com uma imensa lista de produtos a enfiar goela abaixo do contribuinte. Mais a frente, perverteu o próprio sistema da substituição tributária ao extinguir a figura do substituto, mas mantendo o mecanismo de cobrança com a malfadada ST interna. Daí pra frente todos os esforços foram concentrados na transformação desse sistema num enrosco normativo impenetrável e indecifrável. As empresas mergulharam num inferno burocrático repleto de óleo fervente e de muitas chicotadas com arame farpado.

O interminável e confuso jogo de interesses presente nas reuniões do Confaz resultou num emaranhado de sobreposições e conflitos de regras, além do detalhamento minucioso de situações e enquadramentos de uma variedade infinita de mercadorias. Por exemplo, mamadeiras e produtos de toucador são mencionados numa sequência exaustiva de classificações e subclassificações que parece não ter fim. Os produtos se repetem, se repetem, em inúmeras regras de enquadramento. Coisa de doido. Ou de gente mal intencionada.

Como desgraça pouca é bobagem, até outubro de 2010 o contribuinte poderia compensar a duplicidade de cobrança do ICMS na sua escrituração fiscal. Essa duplicidade acontece quando um produto ST é vendido para fora do estado. O Decreto 30486/2010 acabou, na prática, com esse direito de compensação. Explica-se. A partir de então as empresas ficaram dependentes da autorização da Sefaz para fazer a tal compensação. E, claro, no frigir dos ovos, a SEFAZ nunca dá essa compensação. Pelo menos é essa a leitura feita pelo contribuinte. Por isso é que poucas empresas se prestam a solicitar compensação pela duplicidade de pagamento de ICMS. Há casos de distribuidoras que sobretaxam suas mercadorias ST nas vendas para fora do Amazonas. Elas sabem que o melhor a fazer é cobrar a duplicidade tributária do cliente, pois são convictas da inviabilidade de resgatar da SEFAZ o imposto cobrado em dobro.

As regras de ressarcimento elencadas no artigo 115 do RICMSAM são impraticáveis. A burocracia envolvida nesse processo é tamanha que alguns dos menores processos chegam a mais de 700 páginas de cópias de documentos, planilhas, demonstrativos etc. O tempo necessário para elaboração do calhamaço de todas as operações passíveis de ressarcimento é gigantesco. Gigantesco também é o tempo que o funcionário da SEFAZ gasta para analisar uma montanha de processos recheados de detalhamentos. Portanto, está mais do que clara a intenção embusteira do legislador. Fica evidente, também, o propósito da SEFAZ de garantir uma receita extra de ICMS cobrado em dobro. A SEFAZ criou uma regra impraticável que resultou numa receita formidável, já que nunca devolve nada. Esse tipo de política doentia restringe a ação dos agentes econômicos, impedindo a entrada de dinheiro no Amazonas, uma vez que muita gente se recusa a vender mercadorias ST para fora do estado, pois sabe que lutar por seus direitos constitucionais é o mesmo que dar murro em ponta de faca.

A nossa Carta Magna é constantemente desrespeitada. A Emenda Constitucional número 3 “assegura a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido da substituição tributária” Pois é. “imediata”, para a SEFAZ é de no mínimo um ano. É esse o prazo que a SEFAZ diz na lata do contribuinte quando ele dá entrada num pedido de restituição do ICMS pago em dobro. Alguns processos rolam por anos sem resposta.

Se a classe dos comerciantes tivesse um pouco de interesse por “assuntos burocráticos” eles bem que poderiam se unir em torno de uma luta para derrubar o dito Decreto 30486, garantindo assim o cumprimento das disposições contidas na EC3. Mas a SEFAZ conhece bem a passividade do seu contribuinte. Por isso ela deita e rola por cima das arbitrariedades e das ilegalidades. Tantos rebuliços evidenciam o nosso rarefeito senso de cidadania e a fragilidade das nossas quebradiças instituições legalmente constituídas. 



terça-feira, 15 de março de 2016

CRC DEFENDE O COMÉRCIO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 15/03/2016 - A247

A atividade comercial sofreu um impacto violento no início desse ano por conta das profundas modificações nas regras da substituição tributária. Outra importante mudança ocorrida no Difal, também, vem provocando solavancos nas administrações fiscais de várias empresas, as quais têm sofrido prejuízos financeiros relevantes, além dos riscos de autuações fiscais. O Conselho de Contabilidade, atento às aflições dos seus membros, solicitou uma reunião no auditório da Sefaz para elucidar uma série de dúvidas sobre o rebuliço ocorrido na legislação do ICMS. A agenda de eventos da Sefaz só tem espaço em abril.

Seria oportuno que as entidades empresariais CDL, ACA e Fecomércio apoiassem essa iniciativa do CRC, uma vez que a luta por esclarecimentos é também uma luta pela defesa dos interesses do comércio. Ontem, no auditório do SESI, a Sefaz transmitiu orientações aos representantes da indústria sobre cruzamento de dados da EFD com vários outras informações prestadas pelo contribuinte. Só que, nesse caso, quem promoveu o evento foi a FIEAM.

A classe contábil busca vários tipos de esclarecimentos.

Até o final de 2015 o enquadramento de produtos na substituição tributária era determinado pelo Anexo II do RICMSAM e seus 59 itens de agrupadores de produtos. Cada um desses itens definia as regras de enquadramento de um conjunto de mercadorias, apontando dispositivos legais complementares com detalhamentos de regulamentações e respectivos NCM. O Anexo II funcionava como um guia de enquadramento objetivo, não permitindo muita margem para dúvidas ou contestações. O Decreto estadual 36.593/2015 matou toda a estrutura do Anexo II e criou outra, aparentemente mais enxuta e mais fácil de trabalhar, que é o Anexo IIA.

O Anexo IIA ficou restrito a 28 itens, sendo que somente um único Protocolo sobreviveu, dentre 40 Protocolos e Convênios existentes no revogado Anexo II. Ou seja, somente os primeiros 4 itens apontam o Protocolo 41/2008. Quatorze itens estão relacionados às novas Resoluções GSEFAZ criadas recentemente para substituir as anteriores. Outros nove itens não vinculam nenhum dispositivo complementar, tipo Protocolo, Resolução ou Convênio.

Outro fato inusitado. Até 2015 a cobrança de ST interna era determinada pelo enquadramento de mercadorias nas Resoluções GSEFAZ constantes em alguns itens do Anexo II. As operações interestaduais eram regulamentadas por Protocolos e Convênios. Agora, vários produtos constantes nas novas Resoluções estão sujeitos às regras anteriores de Protocolo ou Convênio, como, por exemplo, lâmpadas, pneus, autopeças, tintas etc. Ou seja, houve uma profunda mudança conceitual. Dessa forma, será preciso fazer uma investigação paralela para saber exatamente quais produtos das Resoluções Internas são, na verdade, regulamentados por Protocolo ou Convênio. O contribuinte terá ainda que ficar atento aos produtos excluídos das regras de ST por força do Convênio 92/2015. Se antes havia uma ordem, agora ficou tudo embolotado. E como se sabe, onde tem confusão tem propina. Qual teria sido a intenção do legislador quando bagunçou o que estava organizado?

A Sefaz teria que explicar o motivo oportunista de ter aproveitado tantas revogações para aumentar o MVA de vários produtos. Por exemplo, o item 115 da nova Resolução 41/2015 NCM 21069090 está agora com MVA de 100%. Até o final de 2015, esse NCM 21069090 era taxado com MVA de 39%, conforme disposição do item 50 da Resolução 34/2012. Por isso é que algumas distribuidoras de açúcar levaram um susto. O que justificaria uma majoração tão violenta?

Outra dúvida: Alguns NCM deixaram de existir quando foram transportados do anexo II para o Anexo IIA. Por exemplo, vários NCM do Convenio 03/99 (item 12 Anexo II) não estão na atual Resolução 31/2015 (item 12 do Anexo IIA). Outro exemplo de sumiço de NCM está no transporte de enquadramento do antigo item 20 do Anexo II para o atual item 11 do Anexo IIA. Ou seja, vários NCM do Convênio 74/94 não constam na Resolução 40/2015.

As novas regras embrulharam o frango numa bela confusão. O artigo 109 RICMSAM, parágrafo 17, inciso I, combinado com o artigo 118, parágrafo 4, inciso I, estabelecem a tributação definitiva de 5% na entrada com isenção na saída. Já, a nova Resolução 41, item 100, obriga a aplicação de 30% de MVA. Afinal de contas, o que está valendo? O pior é que a Sefaz pode multar a empresa por descumprimento das duas regras. Como sair dessa enrascada?

Nessa dita reunião (sem data definida), poder-se-ia solicitar da Sefaz um posicionamento definitivo sobre o prazo de cancelamento de nota fiscal emitida com a data de saída em branco. O artigo 204 parágrafo 7 aponta o sétimo dia subsequente à data de emissão, mas algumas interpretações do alto escalão da Sefaz afirma que o prazo é de 24 horas. O Plantão Fiscal (Sr. Bruno) diz que vale o prazo definido no dito artigo 204 parágrafo 7 RICMSAM.

Outro tema que incomoda muito é a regra de cálculo da substituição tributária do frete. Numa notificação de produtos ST taxados a 17% consta a alíquota de 29% sobre o frete dessa mercadoria. Como pode isso acontecer se o cálculo da ST do frete deve obedecer a regra do produto? Onde está o suporte legal para a adoção dessa cobrança? Onde?