Mostrando postagens com marcador corrupção. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador corrupção. Mostrar todas as postagens

domingo, 12 de julho de 2020

REMULO'S TRIBUTÁRIO



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  14 / 7 / 2020 - A406

O Poder Público brasileiro detém uma característica peculiar. Já que seus agentes integram um esquema de corrupção sistêmica, esse pessoal lança mão dum artifício que mantém o sistema criminoso vibrante e perene, o qual funciona da seguinte forma: Cria-se uma estrutura normativa cheia de brechas fomentadoras da delinquência com objetivo de cultivar um ambiente pecaminoso, onde ninguém é santo. Daí que, ninguém pode apontar o dedo pra ninguém. Como resultado, temos uma nação completamente degenerada. De modo ilustrativo, poderíamos todos ser magicamente transportados para dentro do icônico Remulo
's. Pois é. Nesse ambiente pecaminoso e instigador ninguém é santo; nem quem está dentro esperando os de fora, nem os de fora que visitam as de dentro.

O rebuliço envolvendo a prisão do notável Ricardo Nunes agitou a semana passada e também o mundo jurídico, uma vez que a tese do STF sobre prisão por inadimplência tributária vem tirando o sono do empresariado. O STF se baseou na tipificação penal do artigo 2, inciso II, da Lei 8137/90. O noticiário pintou o senhor Nunes como um vilão demoníaco que não repassa ao erário o dinheiro pago pelo cliente. Inclusive, essa demonização do empresariado vem de longa data, criando na população uma ideia negativa da ação empreendedora (típica do comunismo). Por trás dessa campanha difamatória está o poder público que procura desviar a atenção dos seus próprios pecados (autêntica virgem remuloriana).

O artigo 390 do RICMS/AM tipifica o crime de apropriação indébita do ICMS retido por substituição tributária. Tal qual o ISS retido do prestador de serviço ou o INSS retido do empregado, não há o que se falar de inadimplência porque os valores não integram a operação da empresa, devendo, portanto, ser imediatamente repassados ao erário. Enquanto isso, o ICMS apurado é profundamente entranhado nas operações da cadeia de produção/distribuição; entrelaçando-se com a mercadoria e com Pis/Cofins, onde tudo é amalgamado num ritual de orgia incestuosa. Tantas maluquices normativas acabam se transformando num convite provocativo para a ilegalidade. Em outras palavras, o modelo normativo tributário é um verdadeiro queijo suíço: cheio de furos e de oportunidades convidativas para a sonegação fiscal e para o insano contencioso que abarrota os tribunais. Na verdade, todos são empurrados para a delinquência pela impossibilidade de cumprir uma legislação contaminada e indecifrável.

Diante dum quadro por demais esquizofrênico, como prender então o sonegador? Como, de fato, separar (minerar) o ICMS de toda a cadeia para saber exatamente o que é imposto e o que é mercadoria? O tal “ICMS declarado” é uma formalidade engessada que não condiz exatamente com a formação de preço. Para piorar, o legislador criou várias modalidades de ICMS, que, inclusive, não podem ser compensadas umas com as outras. Tem mais caroço nesse angu: De tão complexo, o ICMS se transformou num imposto extremamente judicializado, onde a jurisprudência avacalhou a norma (lôkura, lôkura, loucuuura...).

Se houvesse um só tributo indireto cobrado “por fora” e numa única vez dentro do Estado, a inadimplência deixaria de existir. O não pagamento caracterizaria crime de apropriação indébita. Por exemplo, mercadoria oriunda de outro Estado pagaria uma taxa definitiva na entrada (como já acontece com a ST). A revenda para outra UF seria taxada novamente; essa mesma regra seria aplicada para a indústria. Produto manufaturado e vendido internamente seria tributado uma única vez ao sair do fabricante. E tudo “por fora”. O imposto não poderia ser parcelado numa venda a prazo, significando assim que o adquirente deveria pagar, no mínimo, e à vista, o valor do imposto para que o vendedor pudesse fazer o recolhimento sem ter que movimentar seu próprio dinheiro. Bom mesmo, é que não houvesse imposto interestadual, mas as UF não abrem mão disso.

Tem um detalhe importante nessa história toda. No momento que o setor privado for colocado no trilho pela força da lei, o empresariado também irá exigir guilhotina para qualquer desvio de qualquer agente público. O poder público não poderá mais roubar desembestadamente como acontece hoje. As punições de mentirinha que atualmente o poder público simula contra seus pares terá que se transformar em punições rápidas e severas. Seria algo parecido com a política nova-iorquina de “tolerância zero” aplicada à corrupção. Sonhar não paga imposto. Ainda. Curta e siga @doutorimposto




































terça-feira, 30 de junho de 2020

LIÇÕES DA PANDEMIA



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  30 / 06 / 2020 - A404

A pandemia da Covid19 chegou como um tsunami avassalador. Sua força destrutiva revirou o cotidiano de muita gente, atingindo em cheio os trabalhadores da iniciativa privada, especialmente autônomos informais e pessoas do mundo artístico. O fato é que uma minoria de negócios está passando incólume por essa realidade perturbadora, mas até esse pequeno estrato econômico não escapou das preocupações que assombram o mundo atual. Ou seja, paira uma nuvem pesada sobre mentes angustiadas quanto ao dia de amanhã; mesmo porque, grandes perdas já desencadearam revisões de prioridades e ajustamentos de padrões sociais para versões mais modestas. Basta observar o semblante abatido dos transeuntes apressados que tentam agir normalmente em meio ao noticiário frenético e desolador. Mesmo assim, os guerreiros continuam lutando bravamente pela sobrevivência, matando um leão por dia para garantir o sustendo da família. Esse, é um lado da moeda.

No outro lado, há um contingente de cidadãos alheio ao fenômeno pandêmico da Covid19, que são os funcionários públicos. Esse pessoal, aparentemente segue imune ao martírio dos particulares, já que seus gordos rendimentos são garantidos em qualquer situação, mesmo que chova canivete ou que desabe uma hecatombe nuclear. Estamos descobrindo que absolutamente nada é capaz de abalar o setor público brasileiro, mesmo em face duma acentuada queda na arrecadação de impostos. Se falta dinheiro, recorre-se ao endividamento crescente e infinito, mas cortar na própria carne; isso, nunca. A face mais nojenta e sombria do setor público está no descaramento de gastos escandalosamente acintosos, como é o caso dos deputados do Distrito Federal que, nesses dias, mesmo confinados em casa, consumiram gasolina suficiente para dar 40 voltas ao redor do globo terrestre.

Além da pornográfica patifaria dos funcionários públicos incendiários do dinheiro dos impostos, estamos sendo solapados por uma chuva torrencial de proporções homéricas, causada pela dispensa de licitações na compra de respiradores, máscaras, insumos hospitalares etc. É uma farra nunca vista na história desse país eternamente saqueado pelos agentes públicos de todas as esferas ou graduações; concursados ou nomeados ou terceirizados etc. A roubalheira é sistêmica e cancerígena. 

A chuva de desgraças sobre os pagadores de impostos vem dissolvendo a inércia tão característica da sociedade brasileira. Principalmente, quando esses impostos são quase que totalmente consumidos pelo salário do funcionalismo. Parece que o povão escravizado está acordando para a sua condição miserável e servil. Devemos tudo isso à Covid19 que acentuou um quadro que muitos tentavam esconder. Agora, os olhos da população estão voltados para o setor público e suas perucas cacheadas e suas caras cheias de pó-de-arroz. Parece que vivemos uma era imediatamente anterior à Queda da Bastilha. É bom lembrar que a Revolução Francesa explodiu devido ao peso esmagador do Estado sobre uma oprimida classe obrigada a financiar o luxo e a depravação dos “agentes públicos” da época.

Um brilhante artigo publicado na Revista Crusoé pelo colunista Leandro Narloch nos lembra que o cerco da Lava Jato ao esquema do Petrolão impactou profundamente a certeza da impunidade que envolvia o financiamento das campanhas políticas. Foi a partir desse fenômeno jurídico que surgiu no Brasil o inimaginável conceito de punição efetiva a figuras de grosso calibre. Pois bem. O senhor Narloch afirma que o escândalo das “rachadinhas” do gabinete de Flávio Bolsonaro deu ao país a oportunidade de uma nova mudança institucional. Isto é, a oportunidade de acabar de vez com a farra das verbas de gabinetes de vereadores, deputados e senadores; de deixarmos de ser tolerantes com essa corrupção presente em todo parlamento brasileiro. O artigo faz um comparativo chocante entre o estado americano de Nova York com o estado do Rio de Janeiro. O custo do parlamento nova-iorquino é bem menor e o PIB estadual deles é dez vezes maior que o PIB fluminense. De modo grosseiro, poderíamos concluir que gastamos dez vezes mais com o nosso funcionalismo. Ou seja, tem caroço nesse angu. Curta e siga @doutorimposto

























terça-feira, 23 de junho de 2020

O diabo mora nos detalhes tributários



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  23 / 06 / 2020 - A403
Artigos publicados

O ímpeto empreendedorístico costuma ser mais forte que a prudência. Daí, a razão de tantos atropelos no ambiente de negócios. Por isso, é sempre bom lembrar que as questões tributárias estão pautando todas as ações empresariais, significando assim que cada passo e cada decisão deve considerar o peso normativo duma legislação cheia de armadilhas traiçoeiras. Como todos sabem, o Brasil é o pior lugar do mundo para se fazer negócios e os empresários brasileiros são acima de tudo sobreviventes da voracidade tributária, dos achaques, das perseguições e da concorrência desleal promovida por incentivos fiscais seletivos que desequilibram as condições de competitividade. Para piorar o chafurdo lamacento, temos 27 brasis no mesmo território brasileiro, já que cada Estado estabelece regras próprias de ICMS, o que tolhe o desenvolvimento regional e desencoraja qualquer ideia de expansão. A morte cerca qualquer um que tente romper a casca territorial, uma vez que as armadilhas tributárias são diferentes entre Estados e também entre municípios. Não é raro, uma empresa crescer numa localidade e depois quebrar após um processo de expansão territorial precipitado.

Há um caso surreal relatado pelo empresário e deputado Alexis Fonteyne, que é proprietário de uma indústria química em Sumaré. Ele comenta num vídeo que sua atividade é amparada por um grande volume de licenças governamentais e pela rigorosa observância da legislação tributária. Até o preço do produto informado ao cliente depende da destinação do produto (insumo, consumo, comercialização), e também se a operação é interna ou interestadual. Pesa ainda a qualificação do adquirente, uma vez que isso é fundamental nas diversas tributações duma mesma operação. Toda essa investigação preliminar define o preço de venda. Vencida a primeira etapa, seguem os cuidados na emissão da nota fiscal, já que os produtos podem ser normais, substituição tributária; estarem sujeitos a diferencial de alíquota ou ao fundo de combate a pobreza; e ainda pode haver redução de base de cálculo, isenções etc. A maratona ainda não acabou. Agora, vem uma avalanche de normas tributárias aplicáveis ao frete da mercadoria, além de normatizações técnicas vinculadas ao tipo de material transportado (sinalizações, licenças, selos, fichas técnicas etc). Pois bem. Mesmo com pleno domínio de tantos detalhamentos, a empresa foi surpreendida por um auto de infração quando o caminhão atravessava o município de São Paulo. O destino final era a cidade do Rio de Janeiro. A razão da multa foi a falta do LTPP municipal (Licença de Transporte de Produto Perigoso). O senhor Alexis pondera que se efetuasse uma venda para Fortaleza, ele teria que fazer uma ampla investigação de cada município ao longo do itinerário da carga para verificar a necessidade de emissão de licenças municipais.

Pois bem. Além do colossal volume, temos ainda o crônico e anacrônico subjetivismo daninho que permeia o sistema normativo por inteiro. Esse fator incontestável e ostensivo se mantém inabalável porque suporta um vasto e ultra capilarizado esquema de corrupção. Se nada do que está escrito tem clareza, então acaba valendo a opinião do agente público (opinião é a lei). Mesmo porque, a validade de tudo é discutida no STF. Tudo vai para o STF. Pisamos em ovos o tempo todo porque a insegurança jurídica gruda no corpo empresarial como uma praga de carrapatos.

Desse modo, a atenção aos detalhes deve estar na ordem do dia. Sempre. E a todo momento. Um único deslize, e a lucratividade do mês vai para o ralo. O espectro da Sefaz e de outras entidades sobrenaturais assombram o espírito de quem produz a riqueza desse país. Para mitigação de riscos, portanto, resta apostar num programa intenso e constante de capacitação profissional.  

Nosso cáustico ambiente empurra os dirigentes empresariais para o terreno da burocracia normativa, onde os mais atentos se veem obrigados a estudar profundamente o sistema tributário, como fez o empresário Alexis Fonteyne, e muitos outros que seguiram o mesmo caminho. É a velha história: a necessidade faz o sapo pular. Curta e siga @doutorimposto
































domingo, 10 de maio de 2020

ESTRUTURA TITÂNICA INABALÁVEL



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  12 / 05 / 2020 - A401

O diretor duma grande empresa acumulava prêmios e gratificações que lhe permitia atender aos caprichos extravagantes do filho único que começava a crescer no campeonato de kart. Além desse hobby caro, havia também gastos com nutricionista, academia, eventos, viagens e marketing. Tinha ainda o clube, festas, restaurantes, roupas caras etc. Tudo seguia mais ou menos sob controle até que um escândalo judicial na empresa comprometeu as finanças do agora ex-diretor. A bela e espaçosa mansão acabou substituída por um apartamento médio. A mudança foi sofrida, uma vez que muitos hábitos requintados ficaram para trás; a nova realidade impôs um novo estilo de vida. Mas uma coisa não mudou. O filho não abria mão da boa vida que levava e ainda culpava o pai pelo rebuliço familiar. O genitor, orgulhoso e obcecado, continuou alimentando os caprichos do bonitão folgado. Não demorou muito para minguarem os recursos já limitados. A saída então foi apelar para empréstimos volumosos e arriscados. Essa decisão absolutamente descompensada tirava o sono e a saúde do pai, ao mesmo tempo que o filho seguia sua vida luxuosa totalmente desconectado da realidade. Os amigos da família ficavam na expectativa para saber até onde pai aguentaria toda aquela situação de absoluto suicídio financeiro.

Vivemos um momento surreal no Brasil, uma espécie de enfermidade bipolar, onde um lado da nossa realidade social e econômica segue desmoronando como num castelo de cartas. Enquanto o barco privado afunda, temos um setor público completamente alheio aos eventos catastróficos provocados pela Covid19. A pandemia foi rápida e devastadora, não permitindo nenhuma reação. Daí, que a maioria absoluta de CNPJ caiu atordoada, onde grande parte já decidiu pelo fim da carreira empresarial. Os empregadores falidos tentarão salvar o pouco que restou e assim aguardar o cenário pós-apocalíptico para tomar decisões apropriadas. Por outro lado, seus empregados foram (e serão) demitidos aos milhões, gerando uma massa de zumbis desorientados que estão sendo momentaneamente contidos pelo auxílio emergencial do governo. Passadas as três parcelas da ajuda, o país será solapado por uma onda de fome e desespero, já que a atividade econômica, como dizem alguns especialistas, poderá levar até dez anos para se recompor.

Na contramão desse quadro apocalíptico, o setor público continua firme na gastança e no superfaturamento de respiradores (como sempre). As despesas com lagostas, fundo eleitoral e cartões corporativos são jogadas na cara dos desgraçados pela pandemia. Pior ainda, são os supersalários que extrapolam o teto constitucional. E ainda somos obrigados a engolir uma legião de caríssimos funcionários públicos que exercem funções absolutamente decorativas, como assessores parlamentares, apadrinhados políticos e funcionários fantasmas. A máquina pública continua cara e ineficiente. A burocracia normativa segue aterrorizando o cidadão empreendedor e a corrupção se mantém inquebrantável pelo apoio de decisões escandalosas do sistema judiciário. Tudo isso mostra que a bagunça institucional e administrativa continua resistente a qualquer tempestade ou cataclismo.

Ao que parece, e até o momento, o desastre provocado pela Covid19 não conseguiu sequer arranhar a estrutura titânica da máquina pública, que está articulando um monumental endividamento para garantir a execução orçamentária. Ao contrário do setor privado que vem se adaptando à falta de dinheiro, o setor público não abre mão de absolutamente nada: nem das lagostas nem dos cartões corporativos nem do fundo eleitoral nem dos vinhos premiados nem dos supersalários nem do inchaço de pessoal. Tal qual o pai suicida, a indagação que fica é a seguinte: Até quando o setor privado vai continuar pagando a conta sem ter dinheiro?

A pandemia, portanto, apesar de avassaladora, ainda não é suficiente para provocar uma mudança estrutural nas instituições brasileiras. Vamos então aguardar o fim do auxílio emergencial; vamos esperar uma onda de saques e de convulsão generalizada pra ver se alguma coisa acontece no setor público. Pois é. Somente aquilo que nos toca profundamente é que pode nos modificar. Curta e siga @doutorimposto































segunda-feira, 4 de maio de 2020

A corrupção é uma obra conjunta



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  05 / 05 / 2020 - A400

No período ufanista que antecedeu a copa do mundo ocorreram diversas reuniões para apresentação do projeto de construção da Arena da Amazônia. Vários e ilustres representantes da sociedade manauara depositaram irrestrito apoio a tudo que envolvia o assunto. E foram muitas e muitas pessoas. Um ou outro espectador se espantava com o perigo de jogar bilhões de reais num elefante branco totalmente embrulhado em múltiplas camadas de suspeições. As reuniões, na verdade, eram celebrações da roubalheira desenfreada que iria explodir na forma de muito dinheiro endereçado ao bolso da panelinha. Os olhos dos participantes brilhavam com a possibilidade de tirar proveito daquele momento mágico de plena simbiose do público com o privado. A orgia retórica provocava um clima de excitação generalizada.

Na sequência dos delírios esfuziantes de alguns poucos jogos, veio a impactante ressaca do rombo fiscal temperada com infinitas denúncias de superfaturamento. Por todo o país, a farra com o dinheiro dos impostos saltava aos olhos – projetos desastrosos de obras faraônicas, ao mesmo tempo em que áreas prioritárias agonizavam por falta de verbas: hospitais lotados, transporte público colapsado, segurança pública falida, sistema penitenciário em frangalhos, índices educacionais vergonhosos etc. (muitos etc). Mesmo assim, a classe dominante apagava a luz para não ver a bagunça, e o sistema midiático fazia denúncias de mentirinha para vender jornal. O fato é que, na verdade, os grupos aristocráticos envolvidos incestuosamente com o poder público seguiram catalisando os escândalos até que seu estado de acomodação ficasse inerte. É a velha história: Lá, em cima, tudo se ajeita (o executivo com o legislativo com o judiciário com a mídia com os empreiteiros com os banqueiros e demais figuras pitorescas).  

A corrupção é uma obra conjunta, feita por muitas mãos. O político corrupto nunca trabalha sozinho e a corrupção não floresce numa sociedade honesta. O terreno das ignomínias é ricamente adubado pelos interesses particulares. A corrupção notória, portanto, é a ponta do iceberg; submerso, reside uma vastíssima rede de apoio sustentada por figuras honoráveis e insuspeitadas duma elite mascarada. Vez por outra, alguns pedaços emergem, como Odebrecht ou JBS. Tudo seguia o seu curso normal até que o Covid19 quebrou esse iceberg. Foi a mesma coisa que jogar titica no ventilador.

Quando, historicamente, os pobres morriam sem atendimento hospitalar, os ricos faziam cara de paisagem. Também, as autoridades legalmente constituídas sempre ignoraram o sofrimento dos trabalhadores espremidos nos ônibus sucateados. Pior ainda, era o eterno descaso com a falta d'água nas residências mais simples. Para encaroçar esse angu de injustiças sociais, o Brasil está no topo dos países com maior concentração de renda, com impostos altíssimos no salário e no consumo. O resultado dessa matemática espoliativa é um povo rude e empobrecido.


Agora, o Covid19 despeja tais mazelas na casa-grande, como numa revolta da natureza, uma espécie de Lei do Retorno. Enquanto o pobre se arrombava, boa parte da classe mais favorecida achava que tudo estava bem demais. Pois é. Uma chuva de pragas desabou no topo da pirâmide; pessoas endinheiradas caíram aos montes com pulmões fulminados. E a culpa é da plebe rude. O rico presunçoso fica revoltado com as aglomerações na frente da Caixa Econômica e mais ainda com os ônibus lotados. Esse rico fica indignado com o pobre favelado que não lava as mãos (cadê a água?). A madame não acredita que uma pessoa não possa ter dinheiro para comprar álcool em gel ou máscaras de proteção. Ela acha um absurdo, ver o pipoqueiro violando o isolamento social.

O pobre, portanto, é o grande propagador da epidemia que acaba matando não somente o próprio pobre acostumado com desgraças, mas também o magnata do condomínio esterilizado. O agravamento do número de infectados vai matar principalmente um vasto número de ricos patrimônios, com repercussão direta no desemprego. Se os pobres tivessem mais condições sanitárias e financeiras; se tivessem mais saúde, mais escolaridade, o patrimônio e a vida dos ricos seriam menos prejudicados. Curta e siga @doutorimposto































domingo, 26 de abril de 2020

ALMA BANDIDA



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  28 / 04 / 2020 - A399

Dona Fran é uma simpática costureira que atende seus clientes com um belo sorriso no rosto. Certa vez, eu levei uma calça para embainhar. Enquanto concluía o serviço, ela fez um comentário emblemático. Disse que um catador de recicláveis colocava areia nas latinhas amassadas para aumentar o peso e assim ganhar um pouco mais de dinheiro. Dona Fran discorria sobre essa história com desenvoltura e certa admiração pela ideia genial do catador.

Se quiser conhecer a alma de um país, basta prestar atenção nos seus políticos. O sistema político sintetiza o caráter de uma nação. E o motivo é bem simples. Os piores políticos brasileiros, por exemplo, não vieram do planeta marte nem das profundezas do inferno; eles foram paridos das massas. O voto representa um alinhamento de caráter com o votado. O político eleito, portanto, está em perfeita sintonia com os valores daqueles que o elegeram. Trocando em miúdos, cada eleitor faria exatamente aquilo o empossado faz. É claro e óbvio que o seu João das couves ou o pastor da igreja não seriam capazes de abominações características do universo político. Será mesmo?

Será que alguém que coloca areia nas latinhas também seria capaz de grandes desvios, se tivesse oportunidade? Será que a Dona Fran seguiria na mesma linha? Pois é. Quem reclama da corrupção desenfreada é gente que acha normal, a prática de “pequenos deslizes” (ou grandes). É mais ou menos assim: O macaco que segue atrás, debocha do rabo do macaco que vai na frente. É muito estranho, acompanharmos décadas e mais décadas de protestos contra a corrupção enquanto o sistema corrupto ganhou musculatura nesse mesmo período. Pesa aqui o velho ditado: Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento. Essa pantomima ignóbil ficou ainda mais evidente no episódio rocambolesco da demissão do senhor Sérgio Moro.

Os partidários do presidente apoiaram incondicionalmente tudo que ele fez, ao mesmo tempo em que desqualificaram o ministro, que agora é um bandido. No fundo, todos sabem quem está mentindo. Mas o que pesa na balança é o pragmatismo, que não deixa espaço para outro tipo de conduta moral. Na visão dos apoiadores ardorosos, o presidente pode tranquilamente interferir nos inquéritos da Polícia Federal (ele pode tudo). Ele pode demitir quem quiser, a qualquer instante, principalmente quem investiga seus amigos e familiares. Isso é perfeitamente normal. Também é normal, um patrão habituado a demitir funcionários aleatoriamente, como se fosse uma roleta russa. É claro que isso é insano e condenável numa empresa. É claro que isso joga rapidamente a empresa no precipício. Mas para os bolsonarianos tudo é perfeitamente normal.

O mosaico de personalidades tortuosas é o laboratório perfeito do político desonesto. A arte da política se traduz num profundo conhecimento da alma do eleitor. O político moderno não precisa envidar grandes esforços para convencer ninguém sobre contos de fadas. O político sabe que seu eleitor tem uma alma bandida. Mesmo porque, a sociedade está mais descarada; as pessoas estão abandonando os estereótipos romantizados e assumindo um comportamento pragmático. Afinal de contas, o mundo é dos espertos. E no jogo da esperteza vale tudo. Quem ainda insiste na profissão de bondade aprende no BBB que é preciso mentir, trapacear, agredir e passar por cima dos brothers para ganhar o jogo. O pior de tudo é que desse caldo de ignomínias nascem as escolhas dos políticos que conduzem o destino da nação. Portanto, o nosso sistema político seguirá imutável e o noticiário continuará entupido de manchetes tenebrosas.

Tempos atrás, o maior empresário do comércio local disse que entrar na política é entrar na lama. Daí, que pessoas cuidadosas e honestas fogem da política partidária, restando aos facínoras a tarefa de ocupar os espaços abandonados pelos cidadãos honrados. O Juiz Sérgio Moro saiu do governo porque se manteve fiel aos seus princípios. Os políticos e seus agregados sabem que discurso é apenas um meio de conquistar o poder. As regras vigentes nos bastidores são bem diferentes daquilo que é dito nos palanques. Todo mundo sabe disso. O Juiz cometeu o grave erro de atuar nos bastidores da mesma forma que age publicamente. Os partidários do presidente não toleram isso. Ou seja, o ex-ministro deveria ter se ajustado aos esquemas políticos. Quem não se ajusta, não sobrevive em canto nenhum. Curta e siga @doutorimposto



































segunda-feira, 13 de abril de 2020

Covid ativa a urgência do accountability



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  14 / 04 / 2020 - A396


Se você já parou para pensar como as decisões do poder público afetam o seu cotidiano, se você quer saber para onde vai o dinheiro dos impostos, então você vai gostar do accountability. Esse termo pode significar controle social, fiscalização, prestação de contas etc. O accountability, na verdade, vai além. Seu significado nos remete a uma postura cultural onde as pessoas trazem para si a responsabilidade de guiar e de tomar decisões que visam melhorar as condições estruturais em que vivem. Essa prática é materializada por meio da prestação de contas dos órgãos públicos e também pela fiscalização cerrada de toda a sociedade.

O morador da cidade grande ou pequena tem o dever de acompanhar tudo que envolve o orçamento público, para verificar se os gastos estão alinhados com as suas opiniões sobre o que é bom para o coletivo. Dessa forma, os grupos sociais discordantes vão pressionar as autoridades públicas quando identificarem sinais de gestão perdulária ou de orientações descabidas. A Lei de Acesso à Informação permite que o cidadão comum possa fazer consultas não sigilosas das ações governamentais, incluindo até documentos digitalizados. O Portal da Transparência é obrigado a disponibilizar material suficiente sem fazer questionamentos.

Pois é. Nesses dias de desmantelamento planetário estamos enxergando nas redes sociais um arremedo do accountability, que se traduz nas críticas incisivas aos desmandos promovidos com o dinheiro dos impostos. Agora, está todo mundo sentindo na carne os efeitos da balbúrdia e da bagaceira feita com trilhões de reais nos últimos anos. Enquanto a Inglaterra anunciou que pagará até o equivalente a R$ 15.000 para quem ficar desempregado, no Brasil os tais R$ 600 é objeto de inúmeras restrições concessivas. Enquanto os EUA se dispuseram a perdoar impostos e oferecer bilhões em empréstimos a fundo perdido, a nossa Sefaz sequer adia o recolhimento do ICMS. Por aqui, todas as medidas anunciadas são pífias e excessivamente burocráticas, onde os efeitos práticos só existem nos discursos demagógicos (somente a panelinha consegue recursos na AFEAM).

O descaso do brasileiro com a roubalheira dos corruptos está cobrando o seu preço agora. Empresas e seus empregados; autônomos e outros trabalhadores da iniciativa privada mergulharam na completa escuridão de incertezas sobre o dia de amanhã. Por outro lado, o funcionalismo vive num planeta sem crise. Resta agora saber se a chuva de desgraças que está caindo na sociedade brasileira vai ser capaz de abrir os olhos dum povo que nunca lutou contra a gestão fraudulenta dos agentes públicos.

Será que agora esse povo vai tolerar os salários milionários, onde um procurador concursado já inicia a carreira com R$ 30.000? Será que o povo vai aceitar construções de novos estádios de futebol? Será que o povo vai engolir o desaforo de ver o STF soltando ladrões do dinheiro público todo dia? Será que o povo continua aceitando 25.000 funcionários no Congresso Nacional?

Outra pergunta: Quais entidades representativas da sociedade se reúnem mensalmente para analisar os gastos da prefeitura, da assembleia legislativa, do governo estadual, das secretarias, agências, conselhos etc.? Quais entidades são capazes de manter sentinelas 24 horas por dia nos parlamentos para monitorar todas as ocorrências? Quais entidades compram horários na televisão ou enchem a cidade de outdoors com denúncias da gastança pornográfica que estamos saturados de ver nos jornais? Quais entidades são capazes de reunir cem mil pessoas na frente do STF ou do Congresso Nacional ou do Palácio do Planalto, para exigir a eliminação imediata de toda e qualquer mordomia?

Está na hora das entidades empresariais, das associações comunitárias, das reuniões de condomínios e de qualquer movimento social se voltarem para o accountability. Se isso não acontecer agora, então é melhor que o país inteiro caia no precipício e todos morram desgraçados pela bandidagem dos agentes públicos; que então nos transformemos logo numa Venezuela.

Um povo covarde não é digno de honra. Um povo que se esconde em vez de lutar merece é muita chicotada no lombo. Esse povo leniente não merece a covid19, mas merece sofrer todos os agravantes. Não fosse a roubalheira e a safadeza dos agentes públicos, haveria condições de efetivo amparo às empresas e aos cidadãos, como está acontecendo nos EUA e na Inglaterra. Curta e siga @doutorimposto