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terça-feira, 11 de novembro de 2014

CONTABILIDADE, PROFISSÃO DE ALTO RISCO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 11/11/2014 - A191

O que é mais perigoso, desarmar bombas ou alimentar tubarões? Dentre tantas atividades periclitantes a profissão de contador vem, ano após ano, se tornando uma das mais arriscadas. O motivo que levou a tanto está no convulsivo e instável ambiente regulatório brasileiro. Devido ao número elevado de conflitantes e impraticáveis regras, o empresariado em geral é obrigado a se movimentar no sólido terreno da areia movediça. Como a contabilidade é o ponto de convergência de todas as operações da empresa ela também é fortemente impactada pela multiplicação dos problemas sofridos por toda a organização. Também, pudera!! Quem consegue digerir uma média de 31 normas tributárias publicadas diariamente? E quem consegue seguir ao pé da letra o mundaréu de regras contidas em mais de 309 mil normatizações fiscais editadas nos últimos 25 anos? O pior é que essa quantidade absurda de leis, decretos, portarias etc., está abarrotada de ameaças e de penalidades por descumprimento de ininteligíveis e confusas disposições regulatórias.

É notório e sabido até dos cachos de tucumãs lá no meio do mato que o governo é ostensivamente incompetente e corrupto. E lamentavelmente, toda a carga de maledicência governamental é despejada diretamente na porta das empresas, impedindo assim que elas funcionem adequadamente. Ou seja, a montanha de pecados do governo é transferida para a conta das empresas, fazendo destas, os bodes expiatórios dos erros governamentais. O poder público, nunca, jamais ou remotamente, é de forma alguma efetivamente responsabilizado pelos seus desmandos. Os raríssimos processos por improbidade se arrastam na justiça por no mínimo 50 anos. Quanto às empresas, a punição é rápida e implacável. Testemunhamos uma crescente agressividade do governo em relação aos contribuintes irregulares junto ao Fisco, mas não percebemos absolutamente nenhum sinal de moralização da gestão pública. Ou seja, o governo pode continuar sua escalada de corrupção e de roubalheira desenfreada, enquanto as empresas são espremidas até a última gota de sangue para sustentar um sistema criminoso de roubos bilionários, como o caso do petrolão. E o contador está exatamente posicionado no centro dessa balbúrdia.

Num país onde a vergonhosa Insegurança Jurídica reina absoluta, onde o famigerado Custo Brasil engessa a economia, onde contratos não valem nada e o texto da lei menos ainda, o contador foi transformado num alcaguete; recrutado compulsoriamente pelo governo para dedurar seus clientes. Caso se recuse a fazer esse tipo de coisa, o mesmo governo que rouba aos borbotões pode encarcerar o contador por três a dez anos nas nossas penitenciárias, que todos sabemos, estão entre as piores do mundo. Todas essas ameaças estão contidas na Lei 12.683/2012. Interessante, é que um outo tipo de profissional pode se entranhar na vida íntima de bandidos de altíssima periculosidade ou de pessoas notoriamente envolvidas com desvios milionários de dinheiro público, sem que seja obrigado a fazer nenhum tipo de delação referente a seus clientes. Por que então, somente o contador? Pois é, senhores contadores, lembrem-se que prestação de serviço superior a R$ 30 mil em espécie ou integralização de capital em moeda corrente, também em espécie e acima de R$ 100 mil devem ser informados ao Conselho de Atividades Financeiras (COAF).

Não à toa, cresce no país a quantidade de apólices denominadas E&O, modalidade securitária que visa garantir a cobertura de prejuízos decorrentes de imprudência ou imperícia na prestação de serviços contábeis. Os contadores sabem que por mais atentos que estejam em relação à legislação tributária, sempre há o grande risco da inobservância de alguma regra vir a sangrar o caixa do cliente com autos de infração. O fato é que todos nós estamos mergulhados num oceano de ilegalidade em face dos infinitos detalhamentos e minúcias contidos na legislação fiscal, trabalhista, previdenciária etc. Ninguém consegue ser 100% legal porque as nossas leis são as mais loucas e inseguras do mundo. E se o governo quiser efetivamente punir os infratores por cada vírgula descumprida ele vai autuar o país inteirinho; não vai sobrar ninguém. Ou seja, não haverá apólice de seguro capaz se cobrir tantos prejuízos. É o caos institucionalizado.

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terça-feira, 8 de julho de 2014

A quem interessa um sistema injusto?


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 08/07/2014 - A177

No ano passado o governo aprontou mais uma das suas lambanças ao publicar a Instrução Normativa 1397, que obrigaria meio mundo de grandes empresas a reabrir seus últimos balanços. O objetivo da medida era identificar dividendos supostamente distribuídos em excesso por conta de um imbróglio jurídico criado pelo próprio fisco federal. As consequências dessa insensatez seria um terremoto a sacudir mais ainda a combalida imagem do Brasil nos mercados internacionais, onde somos vistos com desconfiança por causa da famigerada insegurança jurídica. Diante de tamanha esdruxulosidade, as grandes empresas reagiram prontamente, forçando o governo a engavetar a diabólica IN 1397 num curtíssimo espaço de tempo. Um fato curioso nessa história toda foi constatar o poder de fogo dos grandes grupos empresariais sobre a administração pública. Isso significa que tais grupos são coniventes com os desmandos e com as injustiças da legislação tributária, desde que o prejuízo fique com os outros. Antes do caso IN 1397, muita gente desinformada poderia acreditar que o lombo de todo mundo estava ao alcance das chibatadas do Fisco. O caso da IN 1397 quebrou esse paradigma ao revelar um ambiente fiscal ajustado aos interesses de grupos específicos.

Interessante, é observar a barulheira em torno da pesada carga tributária e das maluquices normativas do governo. Mas, se examinarmos a questão atentamente será possível constatar que o alvo da taxação é frequentemente o imenso contingente de pessoas desprovidas de poder e de influência, tal como o empregado que tem os impostos retidos pelo empregador ou o microempresário desprovido de recursos suficientes para contratar um tributarista superstar. Ou então o cidadão comum que ao consumir um pacote de biscoito, antes experimenta o sabor amargo de vários impostos acomodados na embalagem do produto. A prova cabal e irrefutável desse modelo regressivo de tributação está nos números comparativos do Brasil frente a outros países. Enquanto que aqui o imposto de renda contribui com 21% do bolo arrecadatório, nos EUA o percentual é de 44%; e no Canadá é de 47%. Quanto aos tributos sobre consumo, a fatia do bolo arrecadatório americano é de 18%, enquanto que no Brasil é de 44%. Nesse quesito, a Argentina é pior, com 52%. Ou seja, a taxação sobre consumo é uma característica marcante de governos dominados pelo poder econômico (governos fracos). O motivo da baixa participação do imposto de renda no nosso bolo arrecadatório é muito simples. Quanto maior a empresa, maiores são as possiblidades de escapar da tributação. Basta explorar as infinitas brechas propositadamente deixadas na lei, cujo mapeamento de tais fragilidades só é compreensível aos advogados superstar. Outra constatação do nosso deformado sistema tributário que protege o rico e ataca o pobre está num levantamento da Ernst & Young, onde mostra que enquanto no Brasil a taxação sobre heranças e doações é em média de 3,86% sobre o valor herdado, na Inglaterra é de 40%, no Japão 50% e na França pode chegar até 60%.

Com o direcionamento do governo sendo fortemente influenciado pelos interesses dos grandes grupos econômicos, a tendência do Fisco é continuar atuando no varejo com o seu mirabolante projeto SPED, deixando de lado o imposto de renda. Os conglomerados econômicos pouco se importam com as majorações de tributos sobre consumo, visto que tudo é repassado para o preço do produto. Traduzindo: quem paga o pato é sempre o consumidor. E enquanto o governo estiver perseguindo o consumidor, a indústria e o atacadista terão seus rendimentos próprios fora da alça de mira do Fisco.

Nesse momento, praticamente 100% dos esforços da Receita Federal estão concentrados na parte mais fraca do poder econômico, que são os trabalhadores. O objetivo do eSocial é fortalecer a arrecadação previdenciária e ao mesmo tempo estancar o sangramento decorrente das fraudes no programa do Seguro Desemprego e no FGTS. Ou seja, o primeiro grande alvo foi o simples consumidor e agora quem está na alça de mira é o empregado. Pergunta-se então quando e se um dia o governo vai ter coragem de envidar esforços semelhantes para atuar na tributação do imposto de renda das empresas do regime Lucro Real. Melhor ainda, será que um dia teremos um modelo arrecadatório parecido com o canadense? Talvez nunca.



quinta-feira, 8 de maio de 2014

O SPED MOSTRA AS UNHAS


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 08/05/2014 - A168

Já se vão alguns anos desde que a nota fiscal eletrônica começou a se disseminar no país até o Projeto SPED se transformar num caso de sucesso reconhecido internacionalmente pela sua envergadura e engenhosidade. O mais interessante (preocupante para alguns) é que o fisco amazonense vem se colocando na vanguarda desse movimento. Para manter o ritmo regulamentatório e não aliviar a pressão, a SEFAZ AM resolveu apertar mais ainda o torniquete para ver até onde o contribuinte consegue resistir. A partir do próximo dia 20 o nosso ente fazendário estadual irá bloquear os contribuintes que apresentarem divergência de informações entre DAM e SPED Fiscal (EFD). Claro, sabe-se que esse aperto irá quebrar os ossos da maioria das empresas enquadradas na obrigatoriedade da EFD. Por isso é que algumas entidades de classe se mobilizaram para tentar jogar essa obrigatoriedade lá pra frente. Conseguiram um pouco de fôlego, visto que o prazo original era primeiro de maio.

A realidade mostra que muita gente continua dando ao SPED o mesmo tratamento que dava ao SINTEGRA, o qual era rodado, lá, de qualquer jeito, porque nunca produzia consequências imediatas. Pois é. Essa recente determinação da SEFAZ AM de bloquear os contribuintes é somente a ponta da primeira unha que o SPED começa a mostrar. Muita, mas muita coisa vem pela frente. O repositório do SPED é um colossal armazém de meta dados cujo processamento dependerá da evolução tecnológica e humana dos entes fazendários. Tudo indica que as ações do fisco vêm acontecendo de forma fatiada, visto que se ele resolvesse usar toda a munição guardada no paiol do SPED metade das empresas quebraria duma hora para a outra. Mesmo assim, o Palestrante da Alterdata, sr. Dante Barini comentou numa visita feita a Manaus que muitas empresas no sul do país fecharam as portas devido a passivos fiscais. A meta do governo é sempre trabalhar de forma intensiva para manter um permanente clima de pânico generalizado, apostando assim no medo como um grande inibidor da sonegação.

De forma geral, as empresas ainda não estão plenamente preparadas para o SPED. O motivo é muito simples e não está relacionado à complexidade da ferramenta tecnológica, mas sim com o cipoal intrincado do nosso sistema tributário fiscal alçado a uma escala burocrática sem paralelo na história mundial. Uma assustadora e elucidativa matéria da revista Época Negócios mostrou que no Brasil gasta-se em média 2.600 horas de trabalho por ano na administração da burocracia fiscal, enquanto que nos países desenvolvidos o tempo é dez vezes menor. As consequências dessa estupidez sistematizada, claro, é a oneração do Custo Brasil e a repulsão dos investimentos internacionais sérios que ficam chocados com o tamanho do monstro burocrático fiscal. Por isso é que os estrangeiros aqui instalados cobram preços absurdamente mais altos do que nos seus países de origem, justamente para compensar o Risco Brasil. Daí, que para dominar o SPED é preciso antes digerir os milhões de detalhes fisco burocráticos. Isso é demorado. Além do mais, esse processo digestivo atinge diretamente a jugular das empresas sangrando seus parcos recursos financeiros. Por exemplo, 70 empregados da Natura trabalham somente com assuntos tributários. Diga-se de passagem, 70 profissionais tecnicamente bem qualificados. E caros.

O fato é que o coração das empresas está nas mãos do governo. Um aperto mais forte e elas morrem. Por isso é que seria prudente refletir sobre as ações estabanadas tanto do Fisco quanto das Empresas e desse modo se cogitar a proposta do governo anistiar todo tipo de infração por descumprimento da obrigação acessória de transmissão da Escrituração Fiscal Digital (EFD). Ou seja, as punições seriam aplicadas somente sobre as infrações ocorridas a partir de 2014. Muita gente vem há anos entregando os arquivos totalmente errados, sendo que esse pessoal dificilmente conseguirá corrigir um longo histórico de infrações. O Fisco, por sua vez, concorre com sua parcela de culpa devido ao fato do seu quadro de pessoal também lidar com imensas dificuldades para administrar a tecnologia SPED. Certamente, não existe um só funcionário em todas as secretarias de fazenda do Brasil que conheça vírgula por vírgula todos os aspectos técnicos e legais do SPED. Ou seja, ninguém no governo é obrigado a saber de tudo, mas o contribuinte, sim, é obrigado a entender direitinho o que não entra na cabeça dos funcionários da SEFAZ. É a peleja da cobra cega contra o sapo aleijado.



terça-feira, 3 de dezembro de 2013

15 MILHÕES DE COMBINAÇÕES TRIBUTÁRIAS



















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 03/12/2013 - A148

Segundo o grande tributarista Raul Haidar, a administração fiscal do nosso país em todos os níveis já está a merecer estudos especializados da psiquiatria. O motivo dessa afirmação é o fato da nossa ensandecida estrutura legislativa revelar comportamentos anormais dos seus autores, os quais são incapazes de raciocinar e agir com um mínimo de lucidez. E a coisa vem se agravando num ritmo acelerado e preocupante, como um tsunami a comprometer os pilares da nossa ordem social. A emblemática lambança da Instrução Normativa RFB 1397 extrapolou todos os limites do bom senso, visto que mandaria meio mundo de empresas a reabrir seus últimos balanços para identificar excessos de distribuição de dividendos. Por sorte, o estrambótico dispositivo caiu e se espatifou no chão. Na realidade, foi derrubado pela ação conjunta de diversas entidades representativas do poder econômico, o que fez o governo cair em lamentos profundos. Também pudera!! Conforme afirmação do sr. Claudio Yano, auditor da Ernst & Young, a  base tributável estimada era de um trilhão de reais.

De acordo com uma recente publicação da Folha de São Paulo, o Brasil possui 15 milhões de combinações tributárias, entre obrigações federais, estaduais e municipais. Tal informação é produto de um estudo elaborado pelo sindicato das empresas de serviços contábeis de São Paulo (Sescon/SP), onde nem as empresas do Simples escapam do cipoal emaranhado de regras destoantes. A implacável tempestade burocrática que dificulta por demais a navegação dos transatlânticos corporativos é a mesma que o microempresário tem que enfrentar com sua canoa. Tantas e tamanhas convulsões do nosso instável ambiente legal fazem com que os donos dos pequenos negócios fiquem absolutamente atordoados e inseguros. O pior é que as entidades que deveriam protegê-los são capachos do mesmo governo que ataca o bolso do pequeno empreendedor como um cão raivoso.  Para piorar um pouquinho, os entes tributantes vivem a trocar os pés pelas mãos com suas legislações talhadas no machado cego, as quais se transformam em objeto de contestação a entupir o já sobrecarregado poder judiciário.

Em meio a tantas adversidades enfrentadas pelas pequenas empresas, finalmente surgiu um evento alentador. O Projeto de Lei Complementar 237/2012, que está em discussão no Congresso Nacional, propõe o fim da substituição tributária para as micro e pequenas empresas e ainda traz outras categorias econômicas para o guarda-chuva do Simples Nacional. Esse projeto, claro, como era de se esperar, está sendo ferozmente combatido pela Receita Federal e pelos governos estaduais, que querem continuar rechaçando a iniciativa daqueles que se sacrificam para gerar empregos e movimentar a economia do país.

O mais curioso nas ações do fisco é que seus representantes (funcionários de todos os níveis) são convictos de que o sistema está errado, de tal forma que não cumpririam à risca tudo que está escrito na legislação tributária se por acaso fossem empresários. Dificilmente, um auditor fiscal obrigaria, por exemplo, o filho empreendedor a cumprir rigorosamente as ditas 15 milhões de combinações tributárias. Dessa forma, se ninguém acredita na legitimidade do sistema, porque então ele subsiste? Esse raciocínio nos leva a conclusão da existência de uma tirania fiscal, onde a vontade do imperador desce como lava vulcânica a incinerar tudo ao seu redor. Por isso, deve ser muito constrangedor para um fiscal se vê obrigado a destruir uma empresa e seus empregados com multas e autuações, mesmo sabendo que seria impossível para o autuado arcar com o tal Custo Brasil. Seria preciso ter espírito de porco para tratar tudo com naturalidade, face o estado de perversões legais instalado no país. Não à toa, somos diariamente bombardeados com notícias de crimes envolvendo funcionários públicos das áreas de fiscalização.

Tantas convulsões, tiranias e depravações do poder público nos faz concluir que o tal Estado Democrático de Direito seria apenas uma abstração ilusória a confundir nossos sentidos, como se todos os dias tomássemos a pílula azul. Por isso, está mais do que na hora de repetir o gesto do Neo, que tomou a pílula vermelha, mesmo que isso nos deixe profundamente decepcionados com o que veríamos depois de acordar.



terça-feira, 8 de outubro de 2013

CERCO FISCAL



















Reginaldo de Oliveira

Publicado no Jornal do Commercio dia 08/10/2013 - A141

Desde o dia 23 do mês passado a Secretaria de Fazenda da Bahia passou a utilizar uma ferramenta que permite o rastreamento automático de cargas e documentos fiscais eletrônicos de veículos de carga através de um aparelho de radiofrequência. Trata-se do Sistema de Identificação, Rastreamento e Autenticação de Mercadorias (Brasil ID), que entrou em funcionamento, em formato piloto, no posto fiscal Benito Gama, em Vitória da Conquista, onde circulam cerca de 1500 caminhões por dia. O projeto Brasil ID é uma arrojada e estratégica iniciativa que envolve um conjunto de ações e parcerias entre entidades públicas e privadas, cujos objetivos passam pela redução do custo do transporte, inibição de roubo de carga, garantia de procedência e combate ao contrabando de mercadorias. A expectativa é que além de conferir agilidade aos desembaraços de notas fiscais nos postos de fronteira, o sistema permitirá um controle muito mais preciso e amplificado das administrações tributárias. A próxima fase do projeto, prevista para o próximo mês, é a sua integração ao transporte aéreo. O estado do Amazonas, em conjunto com outros 12 estados, está envolvido na implantação desse projeto, sendo que, até o momento, ainda não de forma tão avançada quanto os estados da Bahia e do Ceará.

Segundo o sr. Pedro Júnior, auditor fiscal da SEFAZ/CE, o governo cearense já investiu R$ 49 milhões somente na aquisição de equipamentos que radiografam as cargas dos caminhões. Isso, fora outros muitos milhões aplicados na reforma e construção de postos fiscais, capacitação de servidores e incremento da sua estrutura de tecnologia da informação. A administração tributária do Ceará vem apostando todas as suas fichas no aparelhamento do seu sistema de inteligência fiscal, onde o posto fiscal de Tianguá está servindo de laboratório para a aplicação de diversos projetos, que incluiu, primeiramente, um leiaute que só permite a saída do caminhão após o processamento eletrônico da carga. Outras ações estão sendo operacionalizadas, como instalação de circuito fechado de TV, sistema Brasil ID, integração dos dados processados com diversas outras entidades (Polícia Rodoviária, Polícia Federal, Ibama, Receita Federal etc.), balança dinâmica, inteligência do processamento interno integrado com o ambiente nacional e o mais interessante, que é o Raio X da carga. O scaneamento por Raio X tem detectado muitas operações fraudulentas, visto que a visualização do conteúdo é comparada com a descrição da nota fiscal. A qualidade das imagens é impressionante, o que impede qualquer tipo de camuflagem, visto que tudo é detectado nos mínimos detalhes. Os números da movimentação do posto de Tianguá mostram que o esforço de modernização está valendo a pena. No comparativo dos anos 2011/2012 houve um aumento de 37,49% no credenciamento, incremento de 25,64% dos autos de infração e crescimento da arrecadação na ordem de 29,64%. Esses dados estão incitando os outros estados a também seguir pelo mesmo caminho que o fisco cearense decidiu trilhar.

Quem vive assombrado com o projeto SPED vai ficar paranoico ao saber que o Sistema Público de Escrituração Digital é apenas uma importante peça da colossal estrutura de controle fiscal que vem sendo aprimorada pelos entes fazendários das diversas esferas governamentais. Dinheiro e tecnologia existem em abundância. O grande empecilho é o fator humano; é a gestão estratégica da coisa. Por tais motivos, vem se desenvolvendo dentro do casulo antes meramente burocrático uma postura profissional semelhante à observada nas empresas privadas. E a razão de tanto empenho é o oceano de dinheiro represado pela sonegação fiscal. O fisco já consegue ter noção do mundo de dinheiro que pode ingressar nos cofres públicos. Por isso, não poupará esforços para botar a mão nesse dinheiro. Daí, a necessidade de apostar nas equipes de alto desempenho para a viabilização de projetos de elevado potencial estratégico.

As consequências desse cerco fiscal podem revoltar o sonegador contumaz que insiste em acreditar que o país só está de pé devido ao fato de ainda se conseguir sonegar alguma coisa. Ou então enfurecer os convictos de que as empresas quebrarão no momento em que o governo cobrar plenamente todos os tributos previstos em lei. De certo, o que precisa mesmo acontecer é uma reação organizada e efetiva do empresariado, não tanto contra o fisco, mas contra a gestão temerária dos entes públicos. É impressionante o quão livre e aberto é o caminho para a prática de todo tipo possível e imaginável de desmando com o dinheiro público. Da mesma forma, é igualmente impressionante a inércia do poder econômico que assiste a tudo sem mover uma palha. Vamos torcer para que o peso das ações fiscais possa, enfim, quebrar o gelo. 



terça-feira, 27 de agosto de 2013

MASSACRE TRIBUTÁRIO


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 27/08/2013 - A135

Ao longo da história humana os tributos sempre tiveram um caráter punitivo do opressor que vencia o oprimido no campo de batalha. O tributo é uma penalidade de guerra, corporificado na pilhagem dos povos dizimados pela espada. Ou seja, é o símbolo maior do fracassado que tomba frente a seu algoz. Assim, o vencedor arrancava do vencido tudo que de valor pudesse ser levado para o senhor dos exércitos. Na idade média os servos eram obrigados pelo fio da espada a pagar uma série de tributos, tais como corveia, talha, banalidade, capitação, dízimo, censo, taxa de justiça, formariage, mão morta, albergagem etc. A opressão era tão grande que até a noite de núpcias do oprimido recém-casado era de propriedade do nobre opressor que devolvia a esposa estuprada ao servo mantido no regime semelhante ao da escravidão. Aqui, no Brasil, até o século XIX, havia uma exploração maciça da metrópole portuguesa que exigia uma determinada cota de ouro independentemente das condições de exaustão das minas. Caso essa cota não fosse cumprida os soldados invadiam as propriedades e confiscavam os bens dos habitantes da colônia. O colonizador tinha o poder militar de invadir, confiscar e matar quem quisesse e por isso podia cobrar tributos da forma que bem entendesse, cabendo ao colonizado (que era proibido de se defender) pagar tudo que lhe fosse exigido.

O caráter de dominação tão sinonímico do tributo foi um pouco amenizado já no século XX através do ideário do estado do bem estar social, onde se disseminou o conceito de distribuição da riqueza através dos serviços públicos. Na realidade, isso aconteceu para manter viva a aura tenebrosa que envolve os tributos, mas de forma que a pílula amarga recebesse uma leve camada de açúcar. Interessante, é que os governos conseguiram o que queriam sem provocar uma convulsão social. Em alguns países europeus os tributos foram de fato convertidos em benefícios para a sociedade. Já no Brasil isso ficou só na retórica demagógica. Aqui, em terras tupiniquins, o governo conseguiu perseverar o que de mais sombrio e atroz se esconde sob o manto legal dos tributos. Até hoje a população que produz a riqueza desse país sente na carne toda a essência maldita que os tributos acumularam ao logo de séculos e séculos da história da exploração humana.

Aqui no Brasil o governo impõe uma política tributária tão massacrante que nem os exploradores da metrópole portuguesa tiveram coragem de impor à colônia brasileira. Hoje, simplesmente, pagamos o dobro de tributos que o povo colonizado lá do século XIX pagava. Na época, se achava um absurdo enviar 20% da riqueza produzida para o governo opressor, fato tão ofensivo que desencadeou o processo de independência do Brasil. Hoje, o nosso governo democrático arranca na marra, através da força policial, 40% de tudo que produzimos. E lá, do seu castelo, o governo ameaça com cadeia quem não paga o que ele exige.

O que de mais insano existe no sistema tributário brasileiro é que o nosso democrático governo despeja uma avalanche de normas fiscais tão transloucadas que apavora até o mais experiente tributarista estrangeiro que aqui desembarca. Isso, fora o peso esmagador dos tributos que arranca tudo do “contribuinte” até matá-lo de inanição. Está cada dia mais evidente que o propósito do governo é matar o maior número de empreendimentos possível com a força dos seus fuzis e metralhadoras que aportam nas empresas, prendem contadores e levam computadores e documentos para averiguação. E tudo rigorosamente dentro da lei. Uma lei também tão intrincada e tão cheia de labirintos que acaba no final protegendo somente os bandidos de grosso calibre (os mensaleiros que o digam).

As regras fiscais são tão impressionantemente impraticáveis que somente as situações tributárias específicas de produtos que circulam no país passam de dez milhões. Isso, fora as outras milhões de regras legais que as empresas são obrigadas a cumprir. Quando uma só dessas milhões de regras tributárias não é rigorosamente cumprida o governa baixa sua mão pesada sem dó nem piedade, onde processa, prende, confisca, destrói empregos e deixa milhares de família na rua da amargura. E o mais cruel é que muitas vezes os pesados impostos são pagos até o último centavo, sendo que a implacável punição é decorrente de algum detalhe burocrático, dentre milhões de normas legais, que não foi cumprido porque ninguém entendeu o que a lei maluca quis dizer.

O governo é implacável, é rápido, é impiedoso. Não pagou, não entregou o papel carimbado, não se submeteu aos achaques do fiscal, não enviou o arquivo eletrônico, a empresa é imediatamente impedida de trabalhar. A punição é rápida e o governo, semelhante aos senhores da guerra lá do passado, vem com suas armas a invadir a empresa e confiscar os bens de quem é proibido de se defender. Se houver um erro entre duzentos mil registros contábeis corretos, a punição é pesada, com multas, bloqueios, processos judiciais, ameaças etc.

Já a contabilidade dos entes públicos, essa é uma esculhambação só. Enquanto o conjunto das empresas de todo o Brasil é obrigado pela força das armas a cumprir rigorosamente uma norma contábil padronizada imposta pelo governo, cada ente público segue uma norma contábil própria, tão confusa e enigmática que os gestores se sentem à vontade para fazer um carnaval nas contas públicas. Esses mesmos gestores sabem que o rigor técnico legal de escrituração contábil só existe para as empresas privadas.

A publicação da Revista Exame (27/05/2013) mostra que o governo escondeu uma Finlândia inteira no que ele chama de Contabilidade Criativa. Isto é, mais de meio trilhão de reais em dívidas e gastos foram escondidos nas contas públicas. O governo, tanto reconheceu a maquiagem contábil quanto deu justificativas oficiais esfarrapadas para a manobra. Agora, imagine se a empresa privada faz uma coisa dessas!! Seria o mesmo que atiçar uma casa de marimbondos. Ou seja, o governo pode. As empresas, NÃO.

Assim como os opressores do passado, o governo tem as armas, o governo tem o poder e, portanto, é ele quem faz as regras. Dessa forma, os “contribuintes” pessoas físicas e jurídicas são subjugados pela força das armas do governo, exatamente como faziam os senhores feudais. Não seria de se estranhar se o governo passasse a exigir também as núpcias dos recém-casados. Com tanta opressão, não estamos muito longe disso.

O governo pode tudo. O governo pode humilhar uma pessoa obrigada a recorrer aos serviços públicos de péssima qualidade. O governo pode não pagar suas contas, visto que não é passível de falência. O governante pode destruir a estrutura financeira da sua administração tendo plena convicção de que não haverá nenhum tipo efetivo de punição (tudo acaba em pizza). O governo pode não cumprir norma contábil nenhuma da escrituração das contas públicas, simplesmente porque ele não punirá a si próprio (quem administra, quem escritura, quem fiscaliza e quem julga é o próprio governo). Afinal de contas, todo mundo é companheiro e todos estão ali, lado a lado, mamando nas mesmas tetas como um bando de leitõezinhos enfileirados.

Os órgãos de controle interno do governo são uma grande piada, visto que nunca punem ninguém, sendo a teatralidade sua única e efetiva função. No final, tudo é aprovado, contornado ou esquecido em gavetas. Se alguém quiser contestar alguma bandalheira governamental na justiça é bom saber que uma decisão preliminar não sairá em menos de 20 anos. Mas esse mesmo governo que não cumpre norma contábil nenhuma impõe às empresas um colossal e destruidor conjunto de regras que acaba matando quem quer fazer algo de bom para a sociedade brasileira.



terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

SPED - RISCO IMINENTE DE AUTUAÇÃO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 05/02/2013 - A109
Artigos publicados

A semana anterior foi marcada por um excepcional evento que ocorreu na Procuradoria Geral do Estado, bairro Cachoeirinha; o auditório ficou superlotado. Todos estavam ali para assistir à palestra “SPED – Escrituração Fiscal das Contribuições Sociais”, ministrada pelo renomado especialista no assunto, sr. Fernando Sampaio. O palestrante traçou um panorama realístico e assustador da complexidade desse novo ambiente tecnológico de controle fiscal que se estabeleceu no país, o qual ainda não está sendo tratado com a devida seriedade. Por isso mesmo é que o Conselho Regional de Contabilidade, na pessoa da sua presidente, sra. Jeanne Figueira, está trabalhando intensamente na promoção de mais eventos dessa natureza, com vistas a conferir maior grau de capacitação aos profissionais da contabilidade.

A EFD Contribuições ultrapassa em muito o nível de complexidade do SPED Fiscal. A principal razão é a falta de uma legislação consolidada de PIS Cofins, cujas normatizações em vigor se apresentam na forma de um mosaico de regras dispersas, prolixas e desordenadas. Isso significa que se uma empresa quiser garantir o mínimo de observância à legislação de PIS Cofins, terá que estruturar uma equipe dedicada exclusivamente ao monitoramento diário da maçarocada de normas legais provenientes de diversas fontes e formatos, tais como Leis, Decretos, Portarias, Ajustes, Convênios, Protocolos, Instruções Normativas, Notas Técnicas, Pareceres, Acórdãos, Resoluções etc. É como se você estivesse ao mesmo tempo sendo alvo da infantaria, da polícia militar, da polícia federal, dos guardas municipais, dos escoteiros mirins, dos bombardeiros, dos tanques de guerra, das minas terrestres, dos torpedos, dos mísseis, dos morteiros, dos terroristas etc. Ou seja, por mais que você tente acompanhar a legislação, há sempre o risco de alguma coisa saída lá não se sabe de onde lhe apanhar no contrapé. É o frenesi desvairado do ziriguidum.

O sr. Fernando Sampaio mostrou no data show a notícia publicada em 24 de julho de 2012 no site da Secretaria da Fazenda do Estado do Pará, intitulada “SEFA fiscaliza contribuintes da Escrituração Fiscal Digital”. O conteúdo da notícia alertava para uma ação de fiscalização sobre 400 contribuintes obrigados ao uso da Escrituração Fiscal Digital, cujo objetivo era mostrar a importância da entrega consistente da EFD e também notificar os que não a entregaram ou que o fizeram de forma incompleta, incorreta ou com omissão de dados. A estimativa inicial da SEFA/PA era que todos os contribuintes tinham pelo menos mil documentos fiscais com algum tipo de irregularidade. O auditor de receitas da SEFA/PA, sr. Célio Monteiro alertou os empresários quanto a aplicação da multa de R$ 60,00 por documento irregular e do prazo de 60 dias para que os contribuintes providenciassem a regularização das suas EFD antes do início dos procedimentos fiscalizatórios. Naquele momento apenas os lançamentos do ano de 2011 seriam alvo da fiscalização, mas já estavam prontos os levantamentos referentes a 2009, 2010 e 2012. O sr. Monteiro enfatizou que a SEFA/PA estava disposta a mostrar para os contribuintes do ICMS que o sistema EFD funciona e que a entidade fazendária iria continuar se aprofundando no rigor do controle das informações registradas no sistema SPED, e por isso mesmo era importante o contribuinte se acostumar com esse novo ambiente tecnológico de controle fiscal.

O sr. Fernando Sampaio mostrou o resultado dessa ação da SEFA/PA na forma de um auto de infração, claro, preservando os dados da autuada com tarjas pretas. Um dos pontos observados pelo palestrante é que a ação fiscalizatória ocorreu antes dos 60 dias previstos pelo órgão fazendário. O contribuinte fiscalizado foi autuado por ter deixado de escriturar 3.712 notas fiscais, e que por esse motivo foi multado em um quarto de milhão de reais. Na tela do data show pode-se verificar que a empresa autuada estava trabalhando na sua regularização fiscal, visto haver poucas notas problemáticas até maio de 2011. Ou seja, não tiveram tempo hábil para escapar das afiadas presas do fisco.

Casos semelhantes ao desse contribuinte autuado pela SEFA/PA são mais do que comuns aqui na nossa região, onde uma imensa gama de empresas vem há anos entregando suas EFD sem movimento, tornando-se assim potenciais alvos de incursões da SEFAZ/AM. Vale lembrar que há uma ordem direta do governador para que a SEFAZ/AM aumente urgentemente o volume de arrecadação de ICMS. E todos nós sabemos que a quantidade de empresas irregulares no estado do Amazonas é imensa, significando assim que os contribuintes irregulares são uma fonte fabulosa de dinheiro que pode abarrotar os cofres do erário estadual. Basta uma ordem do chefe maior para que o estopim da fogueira santa da inquisição fiscal seja detonado. Por isso tudo, é bom que as empresas se apressem na regularização das suas Escriturações Fiscais Digitais, mesmo sabendo que mover-se nesse lamaçal burocrático exige capacidades homéricas para observar a legislação na sua plenitude.


terça-feira, 9 de outubro de 2012

A PERVERSÃO DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 09/10/2012 - A98
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O Direito existe para proteger o cidadão, mas quem vai proteger o cidadão do Direito? A força bruta do tempo da barbárie foi substituída pela força do Direito – pela força de uma violência coletiva imposta pelos vencedores aos vencidos. A brutalidade da Lei pode até não chocar a sociedade pela maneira ardilosa que é aplicada, mas os efeitos perversos e avassaladores destroem famílias, comunidades e empresas. Essa mesma brutalidade protege o embusteiro, o tirano e o corrupto. E tudo é feito de forma a induzir o cidadão a acreditar no enigmático Estado de Direito. O processo acontece de modo a evitar que muito sangue seja jorrado do lombo chicoteado, visto que a sujeira poderia perturbar o senso coletivo de dignidade. O objetivo é abafar o sofrimento com o manto da legitimidade para assim preservar o ideário de que não somos selvagens como os lobos nem infames como os ratos.

O cidadão comum cresce com a noção de que está protegido pela Justiça, mas lá no fundo uma perturbadora voz lhe diz que isso é privilégio dos poderosos. Mesmo assim, esse dito cidadão insiste em se enganar; insiste na convicção de que o sistema funciona para todos. Na realidade, o que acontece é que muitos procuram se agarrar a alguma crença para não afundar na desesperança. Talvez por isso as igrejas estejam lotadas de gente em busca de refúgio e de alento.

O nosso sistema jurídico é engenhosamente programado para não funcionar, para incutir na alma do cidadão o absoluto senso de descrença na sua eficácia. Um bom exemplo são os pleitos que questionam a legitimidade das confusas, impraticáveis e asfixiantes normas tributárias. Tempos atrás uma grande empresa do nosso polo industrial local teve o seu direito reconhecido pela alta corte do país de não pagar PIS/COFINS sobre suas vendas internas. A reação de muitas outras empresas foi também pleitear junto a Justiça um benefício semelhante. A maioria declinou da ideia quando soube que na melhor das hipóteses seria preciso esperar dez anos para obter uma decisão favorável. Esse exemplo ilustra muito bem a tal engenhosidade aqui tratada. Ou seja, o cidadão sabe que o monstruoso volume de tribunais, varas, comarcas, juízes, advogados etc., não é capaz de trazer as decisões judiciais para o curto ou médio prazo. Quantas e quantas pessoas morrem aguardando uma decisão da Justiça? E que se faz para corrigir isso? Muito discurso e nada de resultado prático.

O ensaísta francês Montaigne disse que o próprio Direito tem Ficções Legítimas sobre as quais ele funda a verdade da sua justiça. É o que acontece no sistema de substituição tributária do ICMS: presunção e ficção são transformadas em fatos, que geram obrigação, que geram punição. É a mesma coisa que uma pessoa ser presa e condenada por um crime que não aconteceu. A imaginação delirante do nosso legislador criou uma lógica metafísica que desafia a mais ousada das correntes filosóficas. Por mais atrevido que fosse, nenhum doutrinador seria capaz de propor a ideia de o servo entregar parte da colheita ao senhor da terra antes da semeadura. Seria o mesmo que convencer alguém sobre o absurdo de que a chuva sobe em vez de cair. Pois é! Por incrível que pareça o nosso legislador fez isso. O argumento utilizado para justificar tamanha perversão foi o tal princípio da Praticabilidade, que não é senão uma das tais Ficções Legítimas transformada em fato.

Como a própria sigla diz, o ICMS incide sobre a circulação de mercadorias, que gera débito, que deduzido do crédito das aquisições resulta no valor a recolher ao erário. Na modalidade de substituição tributária o ICMS é cobrado sobre a não circulação de mercadorias. O imposto é cobrado sem que o fato gerador tenha acontecido. A própria essência primeira, justificadora da criação do ICMS foi destruída e no seu lugar foi colocada uma coisa absolutamente transcendental. E o valor cobrado antecipadamente é alto: mais de um quinto do valor da mercadoria deve ser pago de imediato. Isso até lembra o tão absurdo quinto dos infernos que hoje é apenas um dos mais de cinquenta tributos cobrados no Brasil.

De início, foram criadas as figuras do substituto, que era o fornecedor da mercadoria; e o substituído, que era o comerciante adquirente. O fornecedor fazia papel de Fisco ao cobrar do adquirente o imposto sobre uma presumida venda que poderia até nem acontecer. Não satisfeito, o legislador perverteu o próprio pervertido regime de substituição tributária. Isso ocorreu quando o legislador criou a substituição tributária interna, fato que eliminou a figura do substituto tributário. Nesse regime, o imposto é cobrado pela própria SEFAZ, que assumiu o papel de substituto tributário, ficando claro que a operação fiscal é na realidade uma antecipação definitiva e não uma operação de substituição tributária.

Essa perversa e atroz modalidade de cobrança está matando as empresas. Poucos estão conseguindo sobreviver com os caninos da SEFAZ cravados na sua jugular. Uma maneira de amenizar tantos repuxos nas normas do ICMS seria conceder um tempo hábil para as empresas venderem seus produtos. Os valores notificados num determinado mês poderiam ser pagos no quinto mês subsequente. As empresas estão no limite do estrangulamento e algo urgente deve ser feito para evitar um colapso ou uma insurgência coletiva.






terça-feira, 18 de setembro de 2012

ICMS 143% mais caro em 2013

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18/09/2012 - A95
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A atual alíquota interna de ICMS sobre Bens de Informática é 7%, conforme enunciado constante na alínea “d”, Inciso I, Artigo 12, da Lei Complementar Estadual nº 19 de 29/12/1997. O Decreto Estadual nº 20.686/1999 (RICMS/AM) ratifica esse benefício fiscal, que começou a vigorar em 31/05/2010. Nossos deputados estaduais se reuniram agora no primeiro semestre e resolveram preparar uma comemoração macabra para o segundo aniversário desse benefício fiscal. Decidiram, num ato ritualístico parlamentar, pela pena capital à dita alíquota de 7%. Quanto a SEFAZ, num iluminado gesto de lucidez, e contrariando a execução sumária proposta pelos honoráveis e digníssimos deputados, deliberou pelo adiamento do sepultamento do benefício fiscal para o dia 31/12/2012. Assim, a condenada alíquota de 7% está desconfortavelmente acomodada num trem que segue em direção ao abismo. Pela ironia dos acontecimentos, isso até lembra aquela profecia asteca do fim do mundo. Se nada for feito, em janeiro de 2013 os Bens de Informática estarão pagando 143% a mais de ICMS, visto que sua alíquota será catapultada para 17%. Para completar o pacote de maldades carinhosamente preparado pelos deputados, a partir do início do próximo ano tais produtos estarão também sujeitos ao pagamento de Antecipação de ICMS via notificação da SEFAZ, coisa que hoje não acontece. Essa antecipação é justamente a diferença da alíquota interna menos a alíquota interestadual.

O dispositivo legal que decretou a extinção do benefício fiscal dos Bens de Informática é a Lei Complementar Estadual nº 103 de 13/04/2012 – Artigo 4º, Inciso II, a qual foi posteriormente ratificada pelo Decreto Estadual nº 32.477 de 01/06/2012 – Artigo 6º, Inciso II. Curioso, é que o próprio supracitado Artigo 12 diz que algumas alíquotas são seletivas em função da essencialidade de determinados produtos. E os Bens de Informática são alguns desses produtos. Será que a tal ESSENCIALIDADE deixou de existir? Sabe-se que não. E prova disso são discursos e mais discursos propagados aos quatro ventos sobre inclusão digital, disseminação dos computadores nas escolas públicas, investimentos em tecnologia de ponta, capacitação de mão-de-obra e todo um longo caminho que temos que pavimentar se quisermos estar entre as nações tecnologicamente mais desenvolvidas. Por tudo isso, conclui-se que a queda do benefício fiscal aqui tratado está na contramão de todo esse movimento que agita o universo midiático. O fato mais trágico dessa história é a possibilidade de muitas empresas nunca ter usufruído desse importante benefício fiscal por falta de uma competente assessoria tributária. E quem lucra com a ignorância tributária é a SEFAZ, que jamais devolve dinheiro pago indevidamente. Tentar pegar o dinheiro de volta é o mesmo que tentar arrancar o osso da boca de um pit bull.

Normalmente, o termo “Bens de Informática” nos remete a computadores, impressoras, mouses etc. Mas não é somente isso. É muito mais. A legislação estadual que criou o benefício fiscal não especificou com objetividade os Bens de Informática. O enunciado da lei diz o seguinte: “sete por cento para bens de informática, assim definidos na legislação federal de regência”. E a dita legislação federal de regência é o Anexo I do Decreto nº 7.010 de 16/11/2009, no qual consta uma vasta quantidade de produtos que contém tecnologia digital, tais como Injeção Eletrônica, Alarme Automotivo, Cerca Elétrica, Antena Parabólica, Relés, Soquetes, Fibras Óticas, Termômetros, Balanças, Caixas Registradoras etc. Ao total, são quase seiscentos NCM. Dessa forma, empresas dos mais variados segmentos de negócios podem ter Bens de Informática no seu mix de produtos.

Como é sabido do grande público, o polo industrial local é agraciado por uma torrencial chuva de benesses oriundas do poder público. E também, por conta da sua aguçada sensibilidade às oscilações do mercado, é alvo de atenção especial de inúmeras entidades e de políticos que estão sempre atentos às suas reivindicações. Já o mesmo tratamento não é dispensado ao Comércio, que fica fora do alcance da visão das entidades promotoras do desenvolvimento econômico e social da nossa região, ao ponto de até ser ignorado num pomposo discurso do superintendente da Suframa, que ficou numa saia justa quando o Presidente da ACA pediu a palavra e, num sutil e elegante protesto, disse que estava aguardando a parte do discurso que mencionasse o Setor Comercial. O resultado foi que num evento subsequente lá estava o Comércio cercado de menções e referências.

Devido ao fato de tão pouca importância ser dada ao Comércio na distribuição de benefícios fiscais, é imperioso deflagrar um movimento para não se perder o pouco que se tem. Está na hora do Comércio deixar de ser tratado como o filho rejeitado pelos pais. Se a SEFAZ está em busca de aumento da arrecadação de tributos, por que ela não corre atrás dos bilhões de reais camuflados nos ousados planejamentos tributários ou nas complexas engenharias de cálculo de ICMS que extrapolam os limites da legalidade? E também, por que não empreende inteligentes e efetivas diligências fiscais na contabilidade dos grandes e poderosos contribuintes? Por que cobrar mais dos que já pagam muito? Por quê?



terça-feira, 11 de setembro de 2012

Há muito a fazer no Brasil

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 11/09/2012 - A94
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Na semana passada o Fórum Econômico Mundial divulgou o Relatório Global de Competitividade, onde pela primeira vez o Brasil se encontra entre os 50 países mais competitivos. A 48ª posição no ranking não é um feito para se comemorar, visto que tal situação só nos mostra o imenso desafio que temos pela frente se quisermos realmente nos tornar uma nação de primeiro mundo. O Relatório contempla 12 categorias, denominadas pilares de competitividade, tais quais, infraestrutura, ambiente macroeconômico, saúde etc. Os índices que empurraram o Brasil lá pra baixo foram os indicadores relacionados às políticas públicas. Por exemplo, ficamos na 135ª posição no item “Desperdícios de Gastos Públicos”; 116ª posição em “Qualidade da Educação”; 111ª posição em “Eficiência do Governo” e a pior colocação no item “Tributação”. Outro índice torna preocupante a nossa pretensa jornada rumo ao primeiro mundo. Trata-se do indicador “Confiança nos Políticos”, onde ficamos em 121º lugar no universo de 144 países pesquisados. Esse emblemático índice é preocupante devido ao fato de que qualquer mudança nas políticas públicas passa primeiramente pela confiança que a população deposita nos homens e mulheres que estão lá em cima e que têm o poder de fazer acontecer, tais como os parlamentares, chefes do poder executivo, tribunais de contas, ministério público, dentre outros.

Essa dita confiança é a onda de choque que poderia quebrar as estruturas enferrujadas e apodrecidas da incompetência e da corrupção que persistem em se manter erguidas a um custo muito elevado para o presente e para o futuro de todos os brasileiros. De nada adiantará a iniciativa privada se desdobrar, se reinventar e investir maciçamente em tecnologia de ponta se o governo continuar atravessado no caminho como um caminhão tombado. O revolucionário presidente norte-americano Ronald Reagan disse certa vez que o governo não é a solução; o governo é o problema. Se lá é o problema, aqui é uma catástrofe dantesca. Talvez por isso sejamos uma das mais heroicas nações, justamente por conseguirmos sobreviver num ambiente tão cáustico e tão contaminado, que mesmo com tanta corrupção e desmandos ainda conseguirmos destaque no cenário econômico mundial. Isso é uma homérica proeza. Por isso, a sociedade organizada precisa urgentemente reagir contra os promotores do atraso e começar a retirar os entulhos que emperram a evolução social do nosso povo.

Dentre a principal entulheira está a entorpecedora burocracia que anestesia o sistema nervoso dos funcionários públicos, retardando sobremaneira as ações do setor produtivo que depende de órgãos reguladores e fiscalizadores para operar. Dessa forma, o empresário acaba sendo um atleta de alto desempenho que tem suas pernas amarradas pelo governo. Ou seja, na percepção do cidadão comum, órgão público é sinônimo de dor de cabeça. E funcionário público é sinônimo de improdutividade. No quesito tolerância à “corrupção” ainda estamos na idade das trevas. Por exemplo, o grande Chanceler Helmut Kohl, responsável pelo processo de reunificação da Alemanha e um dos arquitetos da união europeia não foi perdoado pela população do seu país, que exigiu sua renúncia por conta de envolvimento em escândalo de caixa 2 do seu partido político. Outra situação emblemática tem a ver com o caso da vice do Primeiro Ministro da Suécia que comprou chocolate com cartão corporativo e foi exonerada. Aqui no Brasil o ex-ministro da justiça e advogado do mensaleiro José Dirceu, o honorável sr. Marcio Thomaz Bastos, afirmou que o STF faz flexibilizações perigosas no mensalão. Disse ainda que o mensalão não existiu, como se tudo aquilo que à época assistimos ao vivo e em cores tenha sido uma alucinação esquizofrênica.

Estamos mergulhados em profundas trevas justamente porque lá fora um chocolate derruba um político importante, enquanto que aqui o roubo escancarado de bilhões de reais se transforma em elucubrações sofismáticas e arranjos filosóficos que extrapolam todos os limites que possam existir no terreno do cinismo. Ou seja, usa-se uma peneira furada para tapar o sol como se o país inteiro fosse feito de idiotas tapados (talvez sejam). E ainda se leva várias semanas para julgar o que todo mundo sabe direitinho o que realmente aconteceu. Por esse estado lamentável em que se encontra as nossas instituições, conclui-se que é preciso estômago forte para engolir aquele teatrinho nojento no STF transmitido pela televisão.

É, pelo andar da carruagem, talvez os netos dos nossos netos dos nossos netos tenham coragem suficiente para começar de fato a mudar esse país.