segunda-feira, 30 de junho de 2025

IMPOSTO NÃO É CAPITAL DE GIRO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  01 / 07 / 2025 - A505
Artigos publicados  

Em todas as aulas de ICMS eu mostro um gráfico que separa receita dos tributos embutidos. Digo então para os alunos que a empresa deve trabalhar com a parte que sobra. Mas também comento que poucos trabalham dessa forma, já que a receita total é utilizada para cobrir gastos abrangentes.


A composição do preço resulta na soma do custo mais despesas mais lucro mais tributos embutidos. Sendo assim, quem compra acaba pagando várias coisas. E quem vende, recebe a sua parte e também aquilo que não é seu (tributos). Desse modo, a empresa intermedeia uma taxação entre o fisco e o contribuinte de fato. Evento semelhante ocorre nas retenções de imposto de renda que obviamente são repassadas à RFB. As retenções de ICMS substituição tributária pelo substituto, devem ser recolhidas no início do mês subsequente aqui no Amazonas. E nas operações interestaduais o recolhimento é no dia da emissão da nota fiscal, se não houver inscrição de substituto na Sefaz do destino. Inclusive, a apropriação indébita sujeita o responsável à ação criminal (Art. 390 RICMS-AM). A lógica de tais retenções deveria alcançar ICMS, PIS, Cofins embutidos no preço. Mas não é isso que acontece.


O motivo de tanta confusão está no sistema de “cálculo por dentro”, que reside na fonte de muitas distorções rocambolescas. A primeira delas resulta no crescimento expressivo da carga tributária porque todos os elementos da formação de preço são base uns dos outros. Em aula, mostro uma planilha com preço final de R$116 sem tributos embutidos. Noutra planilha com tributos embutidos o preço vai para R$200. Por exemplo, ICMS calculado sobre R$116 resulta em R$23 (cálculo por fora). O valor do mesmo ICMS calculado “por dentro” é de R$40. Portanto, fica evidente um propósito nefasto de multiplicação do peso tributário.


Outra característica do cálculo “por dentro” está na ocultação tributária aos olhos do consumidor, que não enxerga uma coisa separada da outra. Isso é por demais conveniente ao governo que taxa horrores sem mostrar as garras. O efeito colateral desse mecanismo está na dificuldade de executar punições mais severas. Ou seja, teoricamente, o imposto foi embutido no preço, mas, na prática, meio mundo de gente não faz isso. Inclusive, todo empresário que tenta fazer a “coisa certa”, vê seus preços subirem exageradamente porque o concorrente ignora tributos na composição do preço. Sendo assim, não tem como criminalizar uma apropriação inexistente.


A reforma tributária elimina essa confusão dantesca, visto que não haverá tributos na formação do preço. O que ainda não está claro, é como ficará a etiqueta de preço. Ou seja, será juntado produto com imposto ou ficará somente o produto, ou as duas coisas separadas? Já se sabe que na nota fiscal, produto e imposto não serão misturados como acontece atualmente. Sendo o imposto cobrado “por fora”, o vendedor receberá do cliente o valor do objeto vendido e ainda aquilo que não lhe pertence, não havendo argumento sustentável para ingressar o imposto no fluxo de caixa. Esse sistema dará um poder gigante ao fisco que enxergará cada centavo pago pelo consumidor. É bom lembrar que imposto não é capital de giro.


Como a tributação do consumo será “não cumulativa”, haverá um grande mecanismo para controlar as movimentações de cada empresa, em que o crédito será validado após efetiva verificação de recolhimento, conforme determinação do inciso II do parágrafo 5 do artigo 156A da CF. Se tal regra funcionar plenamente, o fisco não poderá dificultar a restituição de créditos, já que tal procedimento teria um caráter de apropriação indébita. Ou seja, se a retenção tributária não repassada ao fisco é roubo, roubo também é o crédito que o fisco criar dificuldade para restituir. O problema é que o mecanismo “split payment” fará marcação cerrada na questão dos créditos tributários, enquanto a LC214 cria espaço para o fisco retardar as restituições. Se o governo quer impor um ambiente de seriedade e de respeito, ele também deve fazer a sua parte. É bom lembrar que crédito acumulado não é receita do fisco; é dinheiro que foi arrecadado antes e que não deveria ter sido.  


Outra coisa inquietante está na tributação dos adiantamentos a fornecedores, como se a taxação incidisse sobre movimentação financeira. Ainda não se sabe o procedimento operacional, tipo, funcionamento das chaves de controle sobre tais operações. Por outro lado, o artigo 10 da LC214 menciona fato gerador sobre operação continuada ou fracionada, significando assim que as mensalidades escolares serão tributadas mesmo que o aluno não efetue o pagamento. Resumindo, se a entrada de dinheiro por adiantamento será tributada por IBS/CBS, a falta de recebimento por inadimplência também não deveria sofrer taxação. Curta e siga @doutorimposto. Outros 504 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também, informações sobre treinamentos online e presencial.








































segunda-feira, 23 de junho de 2025

REVOLUÇÃO ARRECADATÓRIA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  24 / 06 / 2025 - A504
Artigos publicados  

No tempo das coletorias, os impostos eram recebidos nesses órgãos na forma de cheque ou dinheiro, que posteriormente seguiam de kombi até o cofre da Sefaz. Tempos depois, os bancos assumiram essa função de recolhimento, que acabou resultando em gritaria e protesto contra suposta violação de prerrogativa funcional. A eficiência arrecadatória dependia dos procedimentos de fiscalização operacionalizados num ambiente de total desprezo às regras tributárias. As empresas que faziam um arroz com feijão simplesinho dificilmente eram multadas. Nessa época dourada do jeitinho malabarístico a informação válida era aquela apresentada pelo contribuinte. Sendo assim, o bom contador era de fato um contador de histórias da carochinha.

A evolução da informática trouxe um pouco de seriedade à gestão fiscal das empresas, mas foi o advento do SPED que demoliu diversos esquemas de sonegação. A nota fiscal eletrônica conseguiu cercar o contribuinte de tal forma que, finalmente, as empresas começaram a se interessar por instrumentos de efetiva gestão tributária. O salto foi gigantesco, mas a eficiência arrecadatória não atingiu sua plenitude por conta dum cipoal normativo tão intrincado que impede o avanço das administrações tributárias. Por outro lado, o contribuinte diligente conseguiu se aproveitar da própria complexidade legal para escapar das garras afiadas do Fisco. Ou seja, a nota fiscal eletrônica tinha perdido muito do seu poder inicial. Algumas iniciativas ousadas foram além da nota fiscal quando capturaram operações dentro das plataformas de marketplace. O sistema financeiro passou a ser um alvo estratégico do Fisco. Mas persiste o problema da complexidade normativa.


O projeto de reforma tributária discutido há décadas no país inteiro acabou se transformando num instrumento para corrigir problemas da evasão fiscal, seja por meios legais ou tortuosos. Era preciso limpar o terreno e assim retirar entulhos do caminho arrecadatório.


A justificativa oficial da reforma tributária tem por objetivo simplificar o gigantesco conjunto de normas enroscadas umas nas outras. Ocorre que, na verdade, o foco de tudo está na eficiência arrecadatória.


O primeiro e mais forte impacto está na mudança para o cálculo “por fora”. Esse formato separa o tributo da operação empresarial, transformando o vendedor num mero coadjuvante entre seu cliente e o Fisco, já que o sistema bancário via “split payment” assumirá o comando principal. As retenções de imposto de renda são um bom exemplo de eficiência arrecadatória em que dificilmente alguém deixa de fazer o recolhimento, justamente pela tipificação flagrante de apropriação indébita. Como é sabido de todos, o cálculo “por dentro” de ICMS, PIS, Cofins está na base de esquemas gigantescos de engenharia fiscal, sem que o poder público tenha conseguido criminalizar a inadimplência. É bom lembrar que as maluquices brotam da cabeça do legislador.


O artigo 156A da CF (inserido pela EC132) diz que a Lei Complementar instituirá impostos sobre bens e serviços, ao passo que a LC214 define como serviço, tudo que não puder ser classificado como bem. Na verdade, o artigo 4 da LC214 diz que IBS e CBS incidem sobre “operações onerosas”. Isso encerra longas discussões conceituais que acabavam beneficiando os espertinhos de plantão. De igual poder esclarecedor, o artigo 3 da LC214 dificulta a vida daqueles que vivem escarafunchando terminologias para escapar da tributação.  Outra importante mudança está na unificação normativa que afastará um grande entrave ao processo arrecadatório, a qual é potencializada pela apuração centralizada por CNPJ.


Como o espaço aqui é limitado, vamos concluir o texto com a solução do crônico problema dos créditos tributários que está na raiz primeira do contencioso fiscal. A Sefaz nunca gostou de apuração do ICMS. Por tal motivo, foram criados diversos instrumentos de antecipação para garantir o abastecimento do erário. A EC132 restaura a plena não cumulatividade, que, em tese, abriria espaço para as famosas engenharias tributárias. A solução do problema está no Inciso II do parágrafo 5 do artigo 156A da CF, que condiciona o aproveitamento do crédito à efetiva verificação de recolhimento. Isso dependerá da viabilidade funcional do mecanismo “split payment”. Curta e siga @doutorimposto. Outros 503 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também, informações sobre treinamentos online e presencial.



























segunda-feira, 9 de junho de 2025

EU QUERO QUE ELE NÃO TENHA

 
Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  10 / 06 / 2025 - A503
Artigos publicados  

No filme “Fargo”, os irmãos Coen mostram as consequências devastadoras da estupidez humana, quando decisões erradas explodem numa sequência de falhas grosseiras que culminam num estrago total. A coisa toda é um teatro de absurdos, com baixa probabilidade de comprovação na vida real. Pois é. Na verdade, tudo pode ser bem pior. Mesmo porque, o ser humano idealizado não existe, uma vez que nas profundezas da sua alma jaz um depósito de abominações adormecidas. Uma frase atribuída ao dramaturgo Terêncio diz que nada do que é humano me é estranho. Portanto, a compreensão da natureza humana pode nos livrar de muitas armadilhas existenciais e filosóficas.

 

Stephen é um negro capacho do escravocrata Calvin Candie nos Estados Unidos do século XIX, que fica incomodado ao ver outro negro montando um cavalo. Ao reclamar da situação absurda, o seu senhor diz que pode lhe presentear com um cavalo. O Stephen retruca: Não preciso disso. O que eu quero, é que ele não tenha um cavalo. Essa cena reveladora está na produção Django Livre, de Quentin Tarantino.

 

Observa-se uma constante reclamação sobre baixa produtividade nos ambientes corporativos, fato confirmado pela nossa figuração nos níveis inferiores dos rankings mundiais. Ou seja, falta criatividade, entusiasmo e comprometimento. Sendo assim, onde está a raiz de tantos problemas?

 

Nos nossos agitados treinamentos de ICMS, muitas e muitas questões estratégicas são discutidas e esquadrinhadas. Com apoio dos próprios alunos, são descortinadas uma série de alternativas e possibilidades para reduzir prejuízos amargados por empresas que pagam impostos indevidos. Ou então, que sofrem vultosas multas por falhas de conformidade legal ou bagunça administrativa. E, obviamente, a culpa de tudo está no funcionário inepto e descomprometido. Pois bem!

 

Em face do potencial lucrativo gerado por uma equipe bem preparada, eu costumo dizer que ganhos fiscais extraordinários vendidos por advogados caros podem ser obtidos na própria operacionalidade cotidiana se o comandante assim o quiser. Também digo que, o funcionário fiscal de habilidades extraordinárias deve receber um salário igualmente extraordinário, que, mesmo parecendo “caro”, é muito mais barato que multas ou taxações indevidas. O empecilho está na cabeça oca e na visão torta de quase todo empresário, que simplesmente detesta a ideia de ver o outro crescer.

 

Numa empresa de ração animal, o novo vendedor passou a fazer um trabalho extraordinário junto aos clientes. Sua brilhante visão estratégica alavancou as vendas para um patamar sem igual. E assim, num determinado mês a comissão chegou a R$ 28.000 (vinte e oito mil reais). E advinha qual foi a reação do patrão: Demitiu o vendedor, sob alegação de que ninguém poderia ganhar mais que a sua gerente comercial. Eu soube dessa história inacreditável por esses dias.

 

Outra situação curiosa, também ocorrida aqui, em Manaus. Uma empresa que comercializa produtos com enquadramentos tributários peculiares, contratou um analista fiscal que logo identificou falhas graves na gestão tributária. Ele então acertou com o patrão um percentual de comissionamento pela redução dos custos tributários. O funcionário fez um trabalho maravilhoso que gerou benefícios imensos. Porém, o patrão, ao ver o tamanho da comissão, fez um corte de 90% no valor acertado. Logo em seguida, o funcionário se demitiu, e a empresa voltou a pagar meio mundo de imposto errado porque ninguém sabia fazer a mesma coisa.

 

O dono de um mercadinho em Iranduba pagou inscrições nos treinamentos ICMS em 2023, mas nunca encaminhou ninguém para as aulas, mesmo com repetidos avisos de novas turmas. Nas nossas aulas são feitos inúmeros alertas sobre práticas fiscais arriscadas, dentre elas, uma bem tosca que era corriqueira no dito mercadinho. No final de 2024, veio a multa de quase R$ 2MM (dois milhões de reais). A parte mais louca dessa trágica história está no fato de que o abastecimento é todo feito em Manaus. Depois que a bomba explodiu, um rigoroso mapeamento dos produtos identificou que mais de 80% não era tributado, por conta de substituição tributária, regime monofásico ou isenções. O dono ficou atordoado quando descobriu que desde sempre, poderia emitir nota de todas as vendas, e que mesmo assim, pagaria pouco imposto. Mais o pior veio depois. O sucesso do mapeamento foi potencializado pela extraordinária capacidade de um repositor que foi recrutado para esse serviço. Mas o dono queria que esse repositor fosse substituído pelo inepto sobrinho. Loucura, loucura, loucura...

 

Cerca de 15 anos atrás, uma distribuidora de produtos de segurança eletrônica cresceu num ritmo alucinante. Eu, então, disse para o dono que era preciso contratar um analista fiscal interno. A resposta truculenta foi de que era total absurdo, já que um escritório contábil era pago pra isso. Essa distribuidora firmou contrato para armazenar kits de antena da Via Embratel, que vinham do Rio de Janeiro na condição de comodato. Outra empresa fazia venda e instalação nas casas dos assinantes. O fornecedor avisou insistentemente que seria necessário contestar todas as cobranças da Sefaz pelo ingresso dos kits no Amazonas. Esse aviso era repetidamente comentado dentro da distribuidora. Os kits começaram a chegar, juntamente com as cobranças da Sefaz que eram todas pagas sem que ninguém atentasse para a dita contestação. Somente oito meses depois é que foi descoberto o tamanho da estupidez porque cerca de R$ 700.000 (setecentos mil reais) escorreram pelo ralo da péssima gestão fiscal. O dinheiro só foi recuperado depois dum monumental esforço para derrubar vários empecilhos levantados pela Sefaz.

 

Tais relatos são uma pequena amostra dos casos mirabolantes que vivencio diariamente. Ou seja, todo santo dia eu me deparo com um absurdo maior que o outro. Ou seja, a pessoa morre afogada na própria estupidez. Por exemplo, meses atrás, ao levar uma proposta de treinamento interno para um comércio de material de construção, descobri, numa rápida análise, vários erros perigosos, como, por exemplo, aproveitamento de crédito sobre produtos substituição tributária. Eu soube depois que a diretoria recusou a proposta porque achou cara demais. Noutra situação, um gigante varejista queria um mapeamento e uma consultoria sobre operações interestaduais. Esse também, recusou a proposta por achar cara demais. Tempos depois, eu soube da multa de R$ 40MM (quarenta milhões) por aproveitamento duplicado de crédito em operações interestaduais.

 

Eu mesmo, tenho a curiosidade de saber o que tem dentro da cabeça do empresário, que está sempre culpando funcionários e contadores pelos atropelos fiscais. Esse patronato mostra completa ojeriza à ideia de capacitação profissional, por acreditar que tudo se resolve no jeitinho. O que muita gente esquece é que as administrações tributárias não descansam um só minuto, no seu trabalho tecnológico e analítico de dados volumosos. E o fisco é ardiloso. Ele identifica o erro, mas aguarda a coisa se avolumar para dar o bote. E no final das contas, é aquela típica correria para apagar incêndio. Os advogados ficam profundamente agradecidos. Curta e siga @doutorimposto. Outros 502 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também, informações sobre treinamentos online e presencial.