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terça-feira, 23 de junho de 2015

BRASIL, O PAÍS DA PROPAGANDA

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Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 23/06/2015 - A215
Artigos publicados

Neste continente, os nossos antepassados doaram ao mundo uma nova nação concebida na liberdade e baseada no princípio de que todos os homens foram criados iguais. Estamos hoje envolvidos em uma grande guerra civil que provará se esta nação ou qualquer outra deste modo concebida pode perdurar. Encontramo-nos, neste momento, num dos grandes campos de batalha desta luta e queremos consagrar uma parte dele à última morada dos que aqui sacrificaram a própria vida pela existência do país. É justo que o façamos, porém, num sentido mais profundo. Não nos compete abençoar ou consagrar este solo. Os heróis, vivos ou mortos, que nele pelejaram, já o santificaram a tal ponto que as nossas fracas forças nada lhe podem acrescentar nem tirar. Mais tarde, o mundo esquecerá o que hoje foi dito aqui. Todavia, jamais poderá olvidar os feitos de que este campo foi teatro. Cabe-nos, a nós, vivos, dedicar-nos à continuação da obra de que os combatentes aqui iniciaram. Compete-nos realizar a sublime tarefa que esses grandes mortos nos legaram, e com crescente espírito de sacrifício levar à vitória a causa que aqui os fez exaltar o derradeiro alento. Cumpre-nos fazer que esses homens não tenham tombado em vão, que, com o auxílio de Deus, a nação assista à renascença da liberdade e que o governo do povo pelo povo não desapareça da face da terra.

Esse belo e magnânimo discurso foi proferido pelo Pai da Nação americana na tarde do dia 19 de novembro de 1863, quatro meses depois da vitória na batalha de Gettysburg, a qual foi decisiva para o resultado da Guerra da Secessão. As palavras de Abraham Lincoln ecoam até os dias de hoje arrebatando corações e mentes mundo afora. Vários homens públicos dos Estados Unidos marcaram seu nome na história pela eloquência e pela grandiosidade dos seus atos, enchendo de orgulho um povo que soube curar suas feridas mais graves e assim conquistar o planeta. Até mesmo o discurso do atual presidente Barack Obama já figura entre os melhores, o qual foi proferido no dia 4 de novembro de 2008, após ter vencido as eleições, onde disse: "E aqui estamos nós, frente a frente com o cinismo e as dúvidas daqueles que nos dizem que não somos capazes, e a quem respondemos com o credo intemporal que representa o espírito de um povo: Sim, somos capazes (yes, we can)."

Enquanto isso, nós, brasileiros, somos órfãos de ídolos e de grandes personagens da nossa história política. Isto é, pessoas capazes de arrebatar os nossos corações, como também de inspirar ações sublimes e grandiosas. Nossos políticos só nos envergonham. Geralmente, suas condutas e seu caráter revelam o que de pior e mais sombrio encontra-se guardado nas profundezas da alma humana. O recente festival de escândalos que saturou os canais midiáticos tem assustado a população pela envergadura e pela metástase cancerígena que tomou de assalto todas as células do poder público – onde ninguém é inocente (ou no mínimo, omisso).

Os nossos políticos substituíram a retórica autoral por peças publicitárias de prateleira. Impressiona o fato de tudo quanto é discurso ser proveniente de uma mesma matriz (artificiosa e cacofônica). E o mais incrível é que ninguém se mostra capaz de criar argumentos novos e confiáveis. A demagogia e a representação teatral ficam ainda mais vexatórias quando o orador insiste na representação de um papel absolutamente contrário ao da sua conduta. A aposta dos marqueteiros (criadores de ídolos de plástico) é ainda na grande massa de desinformados e analfabetos. Daí a razão de nos depararmos com toscas e demagógicas campanhas televisivas, as quais nos causam repúdio, mas que podem atingir em cheio um grande contingente de eleitores desprovidos de senso crítico.

Pois é. Infelizmente, somos o país da propaganda. Não à toa, nossos publicitários são internacionalmente reconhecidos pela inigualável criatividade. Daí que toda essa coisa de conduta e probidade, como também seriedade e honestidade; tudo pode ser desenhado e modelado ao gosto do freguês. Dessa forma, e dependendo do cacife, qualquer um pode conquistar altíssimos postos no universo do poder público. Enquanto isso, a população mais instruída reverencia as figuras históricas de outras nações. Ou seja, importamos ideias e exemplos positivos de fora, já que nada de bom consegue brotar do nosso árido e contaminado ambiente político


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

DONZELAS DO PROSTÍBULO

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Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 20/01/2015 - A198

Ter a reputação manchada é o mesmo que rasgar um travesseiro de plumas ao vento. Dificilmente se consegue reparar o dano sofrido de forma que a situação volte ao estado original. Em alguns países a reputação do homem público é algo muito sério. Por exemplo, tempos atrás a vice do Primeiro Ministro da Suécia perdeu o emprego por causa da compra de chocolate com cartão corporativo. Aqui, tivemos o famoso caso da tapioquinha, só que com desdobramento bem diferente; na realidade, o assunto se transformou numa piada nacional de muito mau gosto. Algo bem característico de uma republiqueta das bananas. Outro fato emblemático tem a ver com o quase impeachment do Presidente Bill Clinton, consequência de uma brincadeirinha com a estagiária Monica Lewinsky. E como não existe pecado do lado de baixo do equador, o esporte favorito do nosso mais eminente político era traçar ribeirinhas aos borbotões; fato tido por muitos como algo poético e folclórico. Nesse rol de “poesias” entra também roubou, mentira e safadezas de toda sorte. Tudo vira folclore e até enredo de escola de samba. Tudo é lindo e inspirador. Coisas do Brasil.

Há um trecho na Rua Lobo D'Almada que nenhuma mulher direita gosta de trafegar. Pelo menos aquelas que acreditam em princípios morais tradicionais. Para algumas delas o simples fato de passar em frente aos famosos estabelecimentos culturais já depõe contra sua reputação. Agora, imagine ficar no local, esperando para tomar um taxi. Ou então adquirir o hábito estar sempre transitando para cima e para baixo em meio às prestadoras de serviços e seus potenciais clientes que ficam conversando nas calçadas. Se por acaso um desses clientes encontrar a filha adolescente lá dentro, mesmo que num canto, sozinha, seria capaz de cometer uma tragédia. E se souber que ela é a trabalhadora mais famosa do pedaço, aí, sim, o caldo engrossaria de vez.

Pois é. Nossos políticos são verdadeiras donzelas de prostíbulo. Na visão da sociedade todos são suspeitíssimos. Um ou outro transita para cima e para baixo na Rua Lobo D'Almada, tropeçando na aglomeração de pessoas, enquanto que o volume massivo está todo lá dentro, no meio da folia. Quando é flagrado pelo pai, jura de pé junto que é virgem, moça, donzela, mesmo fazendo performances em cima de mesas cercadas de bêbados. E se o flagrante envolver uma situação deveras cabeluda ainda assim ele/ela nega o despudor, por mais explícito que seja. Nega e continua negando sempre, mesmo debaixo de uma chuva de tabefes. Claro, óbvio, que a reputação dessa moça vira fumaça, não havendo absolutamente nada que repare o dano ou ninguém que acredite na manutenção da candura de menina moça.

Eis a cena lamentável que assistimos todos os dias na televisão: O repórter sicrano, ao vivo do Engatêmulos, entrevista o famoso fulano sobre o escândalo bilionário da tal estatal. – O que o senhor tem a declarar sobre o pacote de dinheiro deixado no seu endereço? Perdão!! Vou refazer a pergunta. O que a senhorita, uma jovem de 14 anos está fazendo aqui, nesse ambiente? Eis que a fulana responde. – Estava com sede e entrei para comprar um refrigerante. Algo de errado com isso? O repórter insiste. – E aquele monte de homem que estava amassando você? A garota fica indignada. – Eu exijo respeito. Sou moça donzela e por isso mesmo nego veementemente essa sua acusação absurda etc., etc. Vou processá-lo por desacato a autoridade. Tenho amigos que irão fechar as portas da sua emissora mixuruca. Como você se atreve a atacar minha honra e a honra da minha família!! Vou reclamar com minhas companheiras do Conselho de Ética, que estão ali, jogando sinuca. Se for preciso, levarei o caso à suprema colega federal, que acabou de me entregar esse refrigerante etc., etc.

Como já dito, infelizmente, lamentavelmente, TODOS os nossos políticos são suspeitíssimos. E o pior é que eles só pioram sua já apodrecida imagem, uma vez que não conseguimos perceber nenhum sinal de redução da corrução. Notícias publicadas na internet dão conta de que, por exemplo, os esquemas da Petrobras não pararam, mesmo depois de toda a repercussão do assunto Lava Jato. O poço do cinismo não tem fundo. Há casos de denúncias envolvendo depoimentos, anotações, comprovantes de operações bancárias, diálogos de escutas telefônicas, fotografias, vídeos e ainda assim o político nega e continua negando sempre, mesmo debaixo de uma chuva de fatos e evidências. E o pior, seus pares saem em defesa do safado, argumentando que tudo é intriga da oposição e fruto de perseguição política. Não à toa, aquele idealista que envida grandes esforços para se diferenciar dos demais colegas acaba fazendo um trabalho solitário na vida pública. Por tudo isso é que, quem pode, está apagando sua história no Brasil e fugindo com toda a família para o Canadá. Os que ficam são obrigados a, diariamente, engolir cururus enverrugados no café, no almoço e na janta.



terça-feira, 23 de setembro de 2014

UMA GUERRA PERDIDA




















Reginaldo de Oliveira

Publicado no Jornal do Commercio dia 23/09/2014 - A184

Esse fato ocorreu agora, em agosto, na cidade de Belém. Numa investigação de rotina o gerente encontrou na internet o nome do seu melhor funcionário vinculado a um processo judicial tenebroso. Tratava-se de uma quadrilha especializada em plantar informantes nas empresas, os quais eram incumbidos de preparar o terreno para ações criminosas de alto impacto. Os detalhes do modus operandi do grupo criminoso estavam ricamente documentados no site do Tribunal de Justiça. A reação imediata foi de espanto e de incredulidade em vista da conduta impoluta da pessoa em questão. Cautelosamente, o gerente contratou um serviço profissional para apurar os fatos com mais precisão. O surpreendente resultado confirmou as suspeitas e assim o assunto foi levado a diretoria, que decidiu pelo imediato desligamento do investigado. No dia seguinte o gerente, sob a argumentação de redução do quadro de pessoal, demitiu o dito funcionário, que em seguida recolheu seus objetos pessoais no vestiário e foi embora. Não mais que meia hora depois a loja foi invadida por três homens fortemente armados, que foram direto para a sala do gerente. Por sorte, o gerente estava no depósito, que possui uma porta de ferro reforçada. O barulho e a gritaria vindos da loja levou o pessoal do depósito a fechar a tal porta e assim os bandidos não conseguiram matar gerente.

O Brasil é um país afeito a romantismos e a questões filosóficas de cunho duvidoso e pouco práticas. Nossas autoridades são tarimbadas na arte da embromação e ao mesmo tempo possuem extraordinárias habilidades prestidigitadoras para fugir de qualquer tipo de responsabilidade. Seus corpos ensaboados permitem escorregar com facilidade de situações constrangedoras como também escapar de cobranças inconvenientes. Dessa forma, os assuntos sérios e urgentes são ofuscados por temas secundários. Assim, todos os esforços da sociedade são concentrados na preservação do mico leão dourado ou na discussão sobre o aquecimento global. Vez por outra surge um escândalo ou algum caso pitoresco de repercussão nacional a preencher por completo todos os canais midiáticos. Por tudo isso é que enquanto as atenções estão focadas numa determinada questão rocambolesca, a segurança (insegurança) pública é jogada para escanteio, tornando-se assim um tema meramente burocrático. O importante (importantíssimo) é impedir que a carne da tartaruga seja saboreada na sua própria carapaça pelos caboclos ribeirinhos. O resto é o resto.

A Segurança Pública é o assunto mais urgente e mais crítico que temos no momento e que, portanto, deveria encabeçar a pauta das ações governamentais de todas as esferas públicas. As ações criminosas crescem numa escala assustadora e num ritmo alucinante, enquanto, do lado de cá, meio mundo de gente fica detido em debates filosófico sociais de graduação de pena ou ressocialização de delinquentes etc. Do lado de lá, os bandidos não filosofam; eles simplesmente atuam nos espaços criados pela própria sociedade. Não passa pela cabeça desse pessoal nenhum tipo de remorso ou piedade. Portanto, algo de prático e efetivo deve ser feito com máxima urgência. A política de Tolerância Zero do prefeito Rudolph Giuliani reduziu os assassinatos em 65% tornando Nova York a mais segura cidade dos Estados Unidos. Isso aconteceu porque a sociedade nova-iorquina não mais aguentou tanta bandalheira. Mas pelo visto, nós, brasileiros, estamos esperando o acontecimento de uma gigantesca catástrofe criminosa para deixar as filosofias de lado e tomar uma atitude definitiva.

Parece que todos os ventos sopram a favor da criminalidade: o cidadão comum (ao contrário dos americanos) não pode ter sequer um estilingue em casa. Quando uma pessoa é vítima de latrocínio, as autoridades logo dizem na frente das câmeras que a fatalidade foi decorrente da reação ao assalto, como se o culpado fosse o morto. Por mais esforços que a polícia empreenda no cumprimento do seu ofício, tudo é desmontado por ações subsequentes que redundam na soltura dos bandidos. E no final das contas a culpa é sempre da instituição policial. Isso, fora o descalabro instalado no sistema prisional com tudo quanto é tipo de ocorrência absurda sem que nenhum responsável seja identificado e efetivamente punido. Dessa forma, a mensagem captada pelos radares dos malfeitores é que o crime é, sim, um negócio promissor.

Apesar da chuva de críticas, a cidade maranhense de Bacabal foi uma das mais tranquilas na época em que o senador João Alberto era prefeito. Os bandidos sabiam como seriam tratados caso resolvessem fazer alguma graça. Da mesma forma, o estado do Maranhão passou por uma escarnecedora desinfecção quando o mesmo senador João Alberto assumiu interinamente o governo do estado (1990). A coisa foi muito, muito feia. A bagaceira foi violenta, mas a bandidagem fugiu às pressas do Maranhão.

Dias atrás, o Clube de Diretores Lojistas promoveu um evento para discutir a segurança pública com vários representantes da sociedade. E apesar do claro esforço e dedicação das autoridades policiais, ficou no ar uma sensação de que a guerra contra a criminalidade está perdida. Os bandidos já estabeleceram território. Eles fecham ruas com ônibus, planejam ações cinematográficas e somem sem deixar vestígios. Parece que a cada dia que passa tudo fica mais fácil para esse pessoal. E, como bem dito na reunião do CDL, a polícia não tem efetivo suficiente para colocar um homem em cada esquina da cidade. Sendo assim, uma improvável reversão do atual quadro de calamidade da segurança pública só será possível através de uma revisão completa dos conceitos e das políticas referentes ao assunto. A atual estrutura não tem condição alguma de impedir a escalada da violência. Dias piores virão.

facebook.com/doutorimposto

#segurançapública
#polícia
#violência


terça-feira, 18 de março de 2014

A MORTE DA JUSTIÇA


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18/03/2014 - A162

A edição da última terça-feira do Jornal Nacional mostrou o caso da cidade norte-americana que está ameaçada de desaparecer do mapa. A pequena Hampton ganhou notoriedade internacional depois das rumorosas suspeitas de corrupção que se abateram sobre a localidade. Os auditores do estado da Flórida detectaram uma série de irregularidades na administração municipal e por conta disso o legislativo estadual deu o prazo de um mês para que tudo fosse regularizado, sob pena da cidade ser anexada ao município vizinho. O prefeito está preso por tráfico de drogas.  O enredo dessa história segue uma trajetória comum com desfecho previsível. A coisa tem começo, meio e fim; com investigação ágil, decisões diretas, prefeito detido e município extinto. Simples, assim. Pelo menos para o cidadão estadunidense.  

O mais interessante nisso tudo é que um caso de corrupção envolvendo o equivalente a R$ 1,7 milhão se transformou numa epopeia planetária, enquanto que para nós, brasileiros, esse valor é um pingo de chuva, face ao dilúvio de casos sobre peculatos, mensalões, desmandos, malversações e dilapidações do patrimônio público que diariamente pipocam em tudo quanto é veículo midiático. Não há um só lugar que o cidadão brasileiro olhe que não encontre um caso de corrupção. Ao sair de casa para o trabalho, serão pelo menos umas 50 notícias sobre corrupção. Se for tomar um cafezinho na copa, tropeçará em mais 10 histórias envolvendo propina, desvio de verba etc. O bombardeio pesado acontece no início da noite com tudo quanto é canal de televisão mostrando uma cambada de engravatados se acusando uns aos outros de corrupto. Liga-se o computador e logo se percebe que o monitor é pequeno para a quantidade de corrupção que transborda dos noticiários on-line. E na hora de dormir o filhinho que mal aprendeu a falar pergunta por que os mensaleiros estão felizes da vida na capa da revista Veja.

O brasileiro tem estômago de avestruz. Todo dia, ao acordar, ele faz um tremendo esforço psicológico para não querer enxergar o que existe por baixo da capa que cobre um oceano de podridão. Essa resistente capa possui um forte colorido produzido pela televisão e suas histórias da carochinha: os assuntos giram em torno de dramas amorosos ou comédias preconceituosas. O objetivo é sempre entreter (entorpecer), de forma que não haja tempo para pensar ou refletir sobre o lamaçal cadavérico em que estão afundadas as nossas instituições legalmente constituídas. Essa dita capa, ou esse envernizado revestimento encouraçado, são os discursos, as declarações embusteiras, as manobras, as falácias, a politicagem, os marqueteiros, os ternos, as caras, os olhos que não piscam, as bocas que não tremem etc. Por isso é que apesar de estarmos há muito tempo em guerra civil devido ao apavorante avanço e domínio da criminalidade, as autoridades insistem na retórica da normalidade. A coisa está num nível tão alarmante que semana passada um grupo de 15 bandidos cortou a luz da cidade baiana de Macaúbas para atacar a polícia e explodir caixas eletrônicos.

A criminalidade desenfreada floresce no substrato da corrupção. Um estado corrupto jamais erradicará a criminalidade sistematizada. Se a sociedade quiser combater a epidemia da criminalidade, ela terá primeiro que atacar o câncer da corrupção. Ou morre os dois ou não morre nenhum.

A já imortalizada “tarde triste” tão melancolicamente relatada pelo Ministro Joaquim Barbosa assombrou o Brasil pela crueza do seu significado. Naquela tarde o revestimento encouraçado foi rasgado como uma fratura exposta, onde, sem rodeios nem pudores cada um dos novatos mostrou a que veio. Naquele momento o povo brasileiro viu claramente as engrenagens sujas da nossa justiça e o que está por trás de cada decisão da mais alta corte da nação brasileira. Todo aquele palavreado rebuscado antes de cada voto é mera formalidade para cumprir um rito protocolar acertado de antemão. O Ministro Joaquim Barbosa desnudou o STF ao citar a “MAIORIA de circunstância formada SOB MEDIDA para lançar por terra todo um trabalho primoroso”. Para bom entendedor meia palavra basta.

O caso do mensalão aflorou o âmago das nossas instituições e mostrou que tudo é manipulável e tudo se amolda aos interesses do poder estabelecido. E isso aconteceu dentro das nossas casas, pela televisão, sem rodeios e sem artimanhas sofismáticas. Aquela gota desidratada de confiança que alguns esperançosos ainda nutriam pela justiça morreu naquela tarde triste. Ninguém agora confia em mais nada nesse país. E tudo quanto é matéria encaminhada ao STF terá seu desfecho previsível, principalmente se for objeto de alguma ameaça ao executivo. O pior de tudo é que se na alta corte aconteceu o que aconteceu, imagine as temeridades abomináveis que pautam as ações das instâncias inferiores. A cambaleante justiça recebeu o golpe de misericórdia e o crime organizado entendeu o recado. Seis indivíduos mataram o espírito de 200 milhões de incautos.



terça-feira, 1 de outubro de 2013

É PRECISO IR ALÉM DO DISCURSO


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 01/10/2013 - A140

O tempestuoso Odorico Paraguaçu, personagem caricato e realista criado pelo iluminado Dias Gomes, é a representação fidedigna do político brasileiro. Através do filme O Bem Amado é possível enxergar os bastidores rocambolescos da administração pública. O aspecto mais curioso do filme está na forma habilidosa que prefeito esgrime seu vocabulário enrolativo, o que lhe permite contornar situações complicadas que ele mesmo cria – tudo é resolvido no gogó.

Há um exercício de observação superinteressante de se fazer, que é simplesmente assistir aos discursos dos nossos honoráveis homens públicos. Impressiona constatar inacreditáveis verossimilhanças em todo o desenrolar das suas peças de oratória; também, há paralelos nos gestos, nas expressões e até no figurino. Parece que todo mundo veio da mesma escola de arte embromática. Assim, o tempo passa, novas gerações chegam e tudo continua como dantes. Ou seja, ninguém apresenta algo inédito e revolucionário como, por exemplo, um discurso honesto.

Pois é, a nossa amada e idolatrada presidenta, egressa da mesma escola do prefeito Odorico, inutilmente, tentou convencer um grupo de homens de negócios a investir altíssimas quantias de dinheiro em projetos de grande envergadura aqui no Brasil. Esse fato ocorreu na semana passada em Nova York, num evento promovido pelo banco de investimentos Goldman Sachs. Na ocasião, ficou evidente que o maior receio dos investidores está na insegurança jurídica encravada no instável ambiente de negócios brasileiro.

De acordo com os cânones preestabelecidos, entende-se que a segurança jurídica deve existir para que a justiça, finalidade maior do Direito, se concretize. Ou seja, o Direito deve garantir que as relações sociais sejam pautadas na certeza das consequências dos atos praticados.

Como foi amplamente noticiado pela imprensa, a presidente Dilma assegurou para os investidores que não há risco de insegurança jurídica no Brasil. De acordo com o Diário Catarinense, as garantias verbais não foram suficientes para convencer os investidores, os quais saíram do evento com as mesmas incertezas que carregavam ao entrar. Pois é. A lábia odoriqueira não colou. Teria sido aconselhável que algum assessor lembrasse a presidente que ela não estava na cidade de Sucupira, e que para convencer uma plateia esclarecida, talvez fosse recomendado adotar um tom mais sério ao discurso.

Como é possível alguém afirmar que não existe insegurança jurídica no Brasil, se esse é o nosso maior e mais ostensivo problema? É tão imenso que, como a grande muralha da China, pode ser avistado do espaço. E a prova mais contundente dessa ostensividade está sendo diariamente jogada na nossa cara, que é o escandaloso processo do mensalão, o qual foi destinado à eternidade pelos embargos infringentes. O que dizer então dos super salários do Senado? O que dizer do campo minado que se tornou a legislação tributária? O que dizer da estratosférica arrecadação de impostos que ninguém sabe pra onde vai o dinheiro? O que dizer da sensação de impunidade que sufoca e humilha o povo? Cadê a concretização da justiça?

Até a publicação britânica, “The Economist”, fez, na semana passada, severas críticas ao governo Dilma, além de ter afirmado que a corrupção brasileira é um câncer sem controle. Por essas e outras podemos concluir que a imagem do país lá fora é enegrecida por conta de tantos desmandos promovidos pelo poder público. Dessa forma, o governo bem que poderia aproveitar a experiência constrangedora do momento para rever suas políticas e suas ações administrativas. Não adianta tapar o sol com a peneira; é preciso ir além do discurso. O povo daqui e de fora precisa avistar algum sinal positivo de que o governo está realmente disposto a adotar uma postura minimamente séria naquilo que faz.



terça-feira, 27 de agosto de 2013

MASSACRE TRIBUTÁRIO


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 27/08/2013 - A135

Ao longo da história humana os tributos sempre tiveram um caráter punitivo do opressor que vencia o oprimido no campo de batalha. O tributo é uma penalidade de guerra, corporificado na pilhagem dos povos dizimados pela espada. Ou seja, é o símbolo maior do fracassado que tomba frente a seu algoz. Assim, o vencedor arrancava do vencido tudo que de valor pudesse ser levado para o senhor dos exércitos. Na idade média os servos eram obrigados pelo fio da espada a pagar uma série de tributos, tais como corveia, talha, banalidade, capitação, dízimo, censo, taxa de justiça, formariage, mão morta, albergagem etc. A opressão era tão grande que até a noite de núpcias do oprimido recém-casado era de propriedade do nobre opressor que devolvia a esposa estuprada ao servo mantido no regime semelhante ao da escravidão. Aqui, no Brasil, até o século XIX, havia uma exploração maciça da metrópole portuguesa que exigia uma determinada cota de ouro independentemente das condições de exaustão das minas. Caso essa cota não fosse cumprida os soldados invadiam as propriedades e confiscavam os bens dos habitantes da colônia. O colonizador tinha o poder militar de invadir, confiscar e matar quem quisesse e por isso podia cobrar tributos da forma que bem entendesse, cabendo ao colonizado (que era proibido de se defender) pagar tudo que lhe fosse exigido.

O caráter de dominação tão sinonímico do tributo foi um pouco amenizado já no século XX através do ideário do estado do bem estar social, onde se disseminou o conceito de distribuição da riqueza através dos serviços públicos. Na realidade, isso aconteceu para manter viva a aura tenebrosa que envolve os tributos, mas de forma que a pílula amarga recebesse uma leve camada de açúcar. Interessante, é que os governos conseguiram o que queriam sem provocar uma convulsão social. Em alguns países europeus os tributos foram de fato convertidos em benefícios para a sociedade. Já no Brasil isso ficou só na retórica demagógica. Aqui, em terras tupiniquins, o governo conseguiu perseverar o que de mais sombrio e atroz se esconde sob o manto legal dos tributos. Até hoje a população que produz a riqueza desse país sente na carne toda a essência maldita que os tributos acumularam ao logo de séculos e séculos da história da exploração humana.

Aqui no Brasil o governo impõe uma política tributária tão massacrante que nem os exploradores da metrópole portuguesa tiveram coragem de impor à colônia brasileira. Hoje, simplesmente, pagamos o dobro de tributos que o povo colonizado lá do século XIX pagava. Na época, se achava um absurdo enviar 20% da riqueza produzida para o governo opressor, fato tão ofensivo que desencadeou o processo de independência do Brasil. Hoje, o nosso governo democrático arranca na marra, através da força policial, 40% de tudo que produzimos. E lá, do seu castelo, o governo ameaça com cadeia quem não paga o que ele exige.

O que de mais insano existe no sistema tributário brasileiro é que o nosso democrático governo despeja uma avalanche de normas fiscais tão transloucadas que apavora até o mais experiente tributarista estrangeiro que aqui desembarca. Isso, fora o peso esmagador dos tributos que arranca tudo do “contribuinte” até matá-lo de inanição. Está cada dia mais evidente que o propósito do governo é matar o maior número de empreendimentos possível com a força dos seus fuzis e metralhadoras que aportam nas empresas, prendem contadores e levam computadores e documentos para averiguação. E tudo rigorosamente dentro da lei. Uma lei também tão intrincada e tão cheia de labirintos que acaba no final protegendo somente os bandidos de grosso calibre (os mensaleiros que o digam).

As regras fiscais são tão impressionantemente impraticáveis que somente as situações tributárias específicas de produtos que circulam no país passam de dez milhões. Isso, fora as outras milhões de regras legais que as empresas são obrigadas a cumprir. Quando uma só dessas milhões de regras tributárias não é rigorosamente cumprida o governa baixa sua mão pesada sem dó nem piedade, onde processa, prende, confisca, destrói empregos e deixa milhares de família na rua da amargura. E o mais cruel é que muitas vezes os pesados impostos são pagos até o último centavo, sendo que a implacável punição é decorrente de algum detalhe burocrático, dentre milhões de normas legais, que não foi cumprido porque ninguém entendeu o que a lei maluca quis dizer.

O governo é implacável, é rápido, é impiedoso. Não pagou, não entregou o papel carimbado, não se submeteu aos achaques do fiscal, não enviou o arquivo eletrônico, a empresa é imediatamente impedida de trabalhar. A punição é rápida e o governo, semelhante aos senhores da guerra lá do passado, vem com suas armas a invadir a empresa e confiscar os bens de quem é proibido de se defender. Se houver um erro entre duzentos mil registros contábeis corretos, a punição é pesada, com multas, bloqueios, processos judiciais, ameaças etc.

Já a contabilidade dos entes públicos, essa é uma esculhambação só. Enquanto o conjunto das empresas de todo o Brasil é obrigado pela força das armas a cumprir rigorosamente uma norma contábil padronizada imposta pelo governo, cada ente público segue uma norma contábil própria, tão confusa e enigmática que os gestores se sentem à vontade para fazer um carnaval nas contas públicas. Esses mesmos gestores sabem que o rigor técnico legal de escrituração contábil só existe para as empresas privadas.

A publicação da Revista Exame (27/05/2013) mostra que o governo escondeu uma Finlândia inteira no que ele chama de Contabilidade Criativa. Isto é, mais de meio trilhão de reais em dívidas e gastos foram escondidos nas contas públicas. O governo, tanto reconheceu a maquiagem contábil quanto deu justificativas oficiais esfarrapadas para a manobra. Agora, imagine se a empresa privada faz uma coisa dessas!! Seria o mesmo que atiçar uma casa de marimbondos. Ou seja, o governo pode. As empresas, NÃO.

Assim como os opressores do passado, o governo tem as armas, o governo tem o poder e, portanto, é ele quem faz as regras. Dessa forma, os “contribuintes” pessoas físicas e jurídicas são subjugados pela força das armas do governo, exatamente como faziam os senhores feudais. Não seria de se estranhar se o governo passasse a exigir também as núpcias dos recém-casados. Com tanta opressão, não estamos muito longe disso.

O governo pode tudo. O governo pode humilhar uma pessoa obrigada a recorrer aos serviços públicos de péssima qualidade. O governo pode não pagar suas contas, visto que não é passível de falência. O governante pode destruir a estrutura financeira da sua administração tendo plena convicção de que não haverá nenhum tipo efetivo de punição (tudo acaba em pizza). O governo pode não cumprir norma contábil nenhuma da escrituração das contas públicas, simplesmente porque ele não punirá a si próprio (quem administra, quem escritura, quem fiscaliza e quem julga é o próprio governo). Afinal de contas, todo mundo é companheiro e todos estão ali, lado a lado, mamando nas mesmas tetas como um bando de leitõezinhos enfileirados.

Os órgãos de controle interno do governo são uma grande piada, visto que nunca punem ninguém, sendo a teatralidade sua única e efetiva função. No final, tudo é aprovado, contornado ou esquecido em gavetas. Se alguém quiser contestar alguma bandalheira governamental na justiça é bom saber que uma decisão preliminar não sairá em menos de 20 anos. Mas esse mesmo governo que não cumpre norma contábil nenhuma impõe às empresas um colossal e destruidor conjunto de regras que acaba matando quem quer fazer algo de bom para a sociedade brasileira.



terça-feira, 7 de maio de 2013

PROPINÓDROMO


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 07/05/2013 - A121

O tempo despendido no processo de abertura de uma empresa é considerado um importante termômetro para medir o grau de atraso de um país. Segundo estudos do Fórum Econômico Mundial, publicado no site InfoMoney, o Brasil só perde para a Venezuela na demora de abertura de uma empresa. Isso, no universo de 136 países pesquisados. Ou seja, por pouco não nos transformamos no pior país do mundo para se abrir uma empresa. Esse vergonhoso indicador é de um país que ambiciona ascender ao clube das grandes potências mundiais. O problema é que essa pretensa superpotência se enrosca totalmente no mais básico e elementar procedimento burocrático, sinal gritante da incompetência generalizada que se esparrama pelos mais remotos recônditos das frestas da nossa administração pública, onde gente sem a mínima formação e preparo controla a vida e o destino da sociedade. Ou seja, o inequívoco atestado de nação não desenvolvida salta aos olhos toda vez que um incauto empreendedor se depara com o festival de entraves que cai sobre sua cabeça quando ingenuamente tenta se utilizar dos meios legais para formalizar um pequeno negócio.

No Brasil, há muito tempo se discute o problema da demora na formalização de empresas. Alguns órgãos já evoluíram consideravelmente, como Receita Federal, Junta Comercial e SEFAZ. O cerne do problema está justamente no principal ente público, que é a prefeitura, visto ser ela o órgão licenciador. A prefeitura tem a última palavra; é ela que diz se a empresa abre ou não. Melhor dizendo, não é bem a prefeitura e sim, uma turma de funcionários lotados em “setores estratégicos”; aquelas pessoas envolvidas no processo das infinitas etapas de análise de uma extensa lista de exigências, os quais concentram em si o poder supremo de decisão. Se um deles bater o pé, o alvará não sai de jeito nenhum. E não há santo que dê jeito e não há nada que o requerente possa fazer. Essa é a nossa trágica realidade local. Existe uma legislação maluca com alto grau de subjetividade que permite o funcionário público fazer o que der na telha. E a prefeitura não dispõe de nenhum mecanismo de proteção ao requerente que se sentir prejudicado. Parece que ninguém tem coragem de mexer com o esquema hoje existente. Há rumores que dão conta de que está sendo preparado um setor de ouvidoria. Mas é isso: “ESTÁ SENDO”. O gerundismo é a característica maior da embromação. Tudo “ESTÁ SENDO”. Daqui a dois, três anos ainda teremos “ESTÁ SENDO” no café da manhã, no almoço e no jantar. E nem sequer escaparemos dos pesadelos na madrugada.

Se houvesse alguém de coragem na administração pública municipal, essa pessoa poderia instituir uma ouvidoria de acesso universal na internet, onde cada requerente com cadastro no Sistema iCad poderia fazer sua queixa e acompanhar on-line as análises e justificativas dos técnicos da prefeitura. A característica principal dessa ouvidoria seria a possibilidade de qualquer pessoa acompanhar o desenrolar de qualquer processo de qualquer requerente via internet. Esse modelo permitiria a análise do conjunto das reclamações, visto que milhares de problemas isolados são corriqueiramente tratados pela autoridade pública como casos isolados. Caso isolado é sinônimo de irrelevância. Irrelevante é aquilo que não merece atenção.

Uma ouvidoria convencional simplesmente não teria êxito. Não num estado agudo de descalabro hoje estabelecido. Nesse modelo convencional, cada um saberia do seu caso em particular, mas não teria noção da quantidade de pessoas martirizadas pela prefeitura e assim qualquer reclamação individualizada entraria num buraco negro sem nunca se transformar em ação eficaz que facilitasse a vida de quem quer pagar ISS e gerar empregos. Contudo, a coisa funcionaria muito bem se houvesse um escancaramento das ações dos funcionários da prefeitura na internet. Aí, sim, os casos não receberiam o tão manjado rótulo de “caso isolado”, frequentemente utilizado por demagógicas autoridades. Só assim, com tudo exposto na internet, cada funcionário da prefeitura se sentiria pressionado pela massa populacional e dessa forma poderia haver um freio nos esquemas hoje institucionalizados.

As histórias que correm entre os profissionais que prestam serviços de abertura de empresa são de arrepiar até mesmo o mais perverso dos canalhas. Há casos em que a prefeitura nega o alvará sob a justificativa de que o empreendimento não pode se instalar numa área residencial, sendo que na vizinhança do dito endereço estão instaladas várias empresas e todas com alvará. Há casos de empreendimentos simples, os chamados Pontos de Contato Tipo 1, como por exemplo, escritórios de representação comercial, que só a vistoria “in loco” do estabelecimento pode demorar muitos meses porque o fiscal nunca pode ir, mesmo que o requerente leve um ano peregrinando toda semana pelas salas do Implurb. O mais grave nesse caso é que o grau de medida da dificuldade para liberar um empreendimento simples é o mesmo grau de medida da facilidade para liberar um empreendimento de alto risco ambiental ou social. Tudo depende unicamente do poder soberano concentrado nas mãos dos técnicos da prefeitura. Pesa a técnica heterodoxa de convencimento.á Há H


O Brasil é praticamente o pior lugar do mundo para se abrir uma empresa e Manaus é talvez o pior lugar do Brasil para se abrir uma empresa. Ante um mundo tão grande, o pior do pior está justamente aqui (-3° 6' 32.30", -60° 3' 03.90"). Esse incontestável fato é o retrato irretocável da qualidade do material humano que povoa o universo da nossa administração pública municipal. Como não há nenhuma esperança de que algo prático e positivo possa vir a acontecer, só nos resta cantar o Ultraje a Rigor: “A gente não sabemos escolher presidente. A gente não sabemos tomar conta da gente. A gente não sabemos nem escovar os dentes. Inútil... A gente somos inútil...”





terça-feira, 9 de abril de 2013

Desvirtuamento do Simples Nacional


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 09/04/2013 - A117

A premissa fundamental que orienta a legislação do Simples Nacional é conceder às empresas optantes um tratamento fiscal e tributário condizente com a situação de vulnerabilidade dos pequenos negócios através da redução da burocracia e da carga tributária. Tais disposições objetivam criar um ambiente favorável ao desenvolvimento do espírito empreendedor do nosso povo. Sabemos nós que a falta de efetivas políticas públicas de apoio aos pequenos e micro empresários patrocina o agigantamento do submundo da economia informal, incluindo-se práticas ilegais e até criminosas. A própria Constituição Federal dispensa atenção especial nesses termos: "Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei."

O grande e canceroso problema que inferniza os pequenos, médios e grandes negócios é a famigerada insanidade burocrática. Parece que o nosso legislador é atacado por uma comichão toda vez que se debruça sobre o esquadrinhamento e construção de normas legais. Parece até que o assento da cadeira é feito de urtiga. Assim, o legislador é acometido por arrepios ensandecidos de desvarios que o leva a criar loucas e impraticáveis regras tributárias. No Brasil, nada, absolutamente nada é simples. Tudo é muito, muito complicado. Quem se dispõe, por exemplo, a examinar a minuciosidade das regras da substituição tributária do ICMS, fica tonto só de ler. E a confirmação tácita da impraticabilidade dessas maluquices é a assertividade da nossa SEFAZ/AM, que passa por cima da tralheira e vai direto ao ponto quando faz o cálculo da Substituição Tributária Interna.

A própria legislação do Simples Nacional não é nada simples, visto que contém uma infinidade de dificuldades para a sua aplicação prática, exigindo a contratação de consultores especializados para traduzir o calhamaço de regras profusas ao dono do pequeno salão de cabeleireiros. Isso ataca frontalmente as boas intenções contidas no supracitado artigo 179. Um exemplo gritante dessa afirmação é o disparate contido na Lei Complementar 123, que estabelece alíquota de ICMS de 1,25% concomitantemente a alíquota de 17% para empresas que auferem receita anual de até R$ 180.000,00. Isso acontece porque o instituto da substituição tributária do ICMS atropela o espírito do Simples Nacional com um rolo compressor. Assim, o quadro de alíquotas de ICMS do Anexo I da LC 123 vem aceleradamente perdendo seu caráter de seletividade tributária, visto que a quantidade de produtos alcançados pelo ICMS ST cresce exponencialmente, indicando que brevemente toda a cobrança de ICMS será antecipada (no Acre já é assim). Nesse dia o tal quadro de alíquotas do ICMS será sepultado. De certa forma, isso já está acontecendo com as pequenas lojas de material de construção, que são impactadas com a mesma carga tributária das grandes empresas do mesmo ramo.

A LC 123 obriga o dono de uma loja de 10m2 a efetuar os procedimentos técnicos de cálculo do ICMS ST, os quais são difíceis de operacionalizar até mesmo para empresas cem vezes maiores. Além disso, o dono dessa lojinha é obrigado a comprar sofisticados equipamentos e softwares que permitam a análise individualizada de uma dúzia de características de cada produto trabalhado, tais como CST, NCM, unidade, peso, CFOP, alíquota, origem, desmembramento, agrupamento, código EAN etc. E tem mais. Toda a variedade de características dos produtos deve está rigorosamente adequada nos seus respectivos cadastros para atender as ultra complexas exigências das obrigações acessórias, sob pena de pesadas multas infracionais por descumprimento dessas ditas obrigações acessórias. Claro, sabe-se que a contratação de profissionais especializados que possam fazer a coisa funcionar por inteiro nunca estará ao alcance da pequena empresa.

Daí, que na prática, as pequenas empresas acabam ignorando o calhamaço legislativo a que estão enquadradas e seguem tocando a vida do jeito que der. A consequência mais comum é o pagamento dobrado do ICMS. Ou seja, pagam na compra e pagam novamente na venda, visto que é difícil identificar e segregar os produtos sujeitos ao ICMS ST. Isso as coloca em situação de vulnerabilidade por dificuldade de cumprimento das obrigações acessórias. E o mais incompreensível nisso tudo é a leniência de quem deveria está lutando para mudar esse estado de coisas.

O contrassenso do ICMS ST está lá, na LC 123, mas é lei, como se a lei fosse algo emanado dos céus, induzindo-nos à crença de que seu caráter dogmático afasta qualquer tipo de questionamento. É esse tipo de catequese que os governantes tentam empurrar na nossa garganta. Já está mais do que na hora de lutarmos contra a compulsão pela burocracia exacerbada que está fortemente marcada no DNA dos nossos legisladores, os quais não conseguem de forma nenhuma criar regras práticas, justas e exequíveis. 





quarta-feira, 3 de abril de 2013

Difícil compreensão do “accountability”


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 03/04/2013 - A116

Em um belo trabalho da Dra. Anna Maria Campos, publicado na Revista de Administração Pública, a autora relata seus primeiros dias de aula no Centro de Negócios Públicos de Washington, capital dos Estados Unidos, onde não conseguia acompanhar as discussões em sala de aula sobre o assunto “accountability”.  A dificuldade de interpretação dessa terminologia persistiu, apesar de inúmeras consultas a diversas fontes de pesquisa. De volta ao Brasil com a charada na bagagem, a Dra. Anna seguiu sua incansável busca através de contatos com várias pessoas que não conseguiram satisfazê-la com uma tradução adequada em língua portuguesa. A palavra mais próxima e normalmente utilizada é “responsabilização”. A questão é que accountability” vai muito, muito além disso. Dessa forma, a pesquisadora desistiu da ideia de tradução e se concentrou no significado. Descobriu, enfim, que faltava aos brasileiros não era um termo equivalente em português para accountability”. Faltava era o próprio conceito. E o motivo dessa falta era a nossa pobre e embrionária consciência de cidadania. Seria a mesma coisa que tentar encontrar um sinônimo para neve no vocabulário de uma tribo indígena isolada da Amazônia.

Essa obstinada busca levou a Dra. Anna a orientar-se por outros questionamentos sobre a realidade da administração pública brasileira e a forma de como as relações entre a burocracia governamental e a sociedade são diferentes no Brasil e nos EUA. O resultado dessa investigação revelou que no nosso país a administração pública NÃO ENXERGA no usuário dos serviços públicos O DIREITO de ser bem atendido. O funcionário público convencional, com raras exceções, trata a maioria dos cidadãos com desrespeito enquanto dispensa atenção especial para os “chegados” (efeito propina). Ou seja, no Brasil, os órgãos públicos estão absolutamente à vontade para pintar e bordar; fazer o que bem entender sem nenhuma preocupação com as consequências das suas atitudes, como se o universo da administração pública fosse uma terra sem lei. Os órgãos formais de controle até existem, mas nunca punem ninguém; concentram-se somente na teatralidade das formalidades da burocracia sofismática para inglês ver.

Quanto ao usuário comum do péssimo serviço público, este se recolhe a uma pequenez e insignificância revestida de uma congelante passividade frente aos nepotismos, aos privilégios, aos desmandos, à corrupção, aos desperdícios, à incompetência e à tirania dos entes públicos. Tantas questões suscitam perturbadoras e incômodas perguntas, tais quais: Por que as pessoas são tão complacentes? Por que não têm consciência dos seus direitos como contribuinte dos mais de 80 tributos? Por que os funcionários públicos se consideram empregados dos seus chefes e não da sociedade que de fato paga seus salários? Por que os cidadãos brasileiros se comportam como tutelados e não como senhores, em seus contatos com as repartições públicas? O que fazer diante do péssimo tratamento que o cidadão recebe dos órgãos públicos?

As respostas a esses embaraçosos questionamentos estão no modelo de democracia participativa dos EUA, que favorece o accountability”, justamente porque desde muito cedo define o papel do cidadão como algo muito mais amplo do que a mera participação no processo eleitoral. Nos EUA, tal qual acontece em outras sociedades amadurecidas, existem inúmeras organizações, através das quais a opinião do cidadão se faz ouvir e por cujo intermédio os descontentamentos são processados. São associações de pais e professores, associações de consumidores, comitês de vizinhança, associações profissionais, sindicatos, comunidades eclesiais etc. Tais associações servem também de foro onde as necessidades do cidadão são discutidas, consolidadas, traduzidas em demandas e canalizadas para os órgãos públicos.

Assim, é natural que a burocracia oficial dos EUA se preocupe com o accountability” perante o público. E também é natural que o tema accountability” seja discutido nas escolas, visto que isso cria condições para o fortalecimento do ideal de cidadania e ao mesmo tempo coíbe a prática descarada dos desmandos da administração pública, tão comuns no Brasil. Dessa forma, e com uma massa populacional organizada e esclarecida, os funcionários públicos norte americanos são muito, mas muito cautelosos nas suas condutas pessoais e profissionais. Assim, somente entendendo esse processo de interatividade entre a sociedade organizada e o poder público é que se alcança o real significado do accountability”, que é o pleno senso de responsabilidade do poder público frente ao verdadeiro patrão, que é toda a sociedade.

Aqui no Brasil, ocorre o fenômeno da fragmentação e pulverização da consciência de cidadania, onde o ator social sofre sozinho e reclama sozinho. Assim, somos um gigantesco contingente de soldados que em vez de se organizar em batalhões para combater em bloco, prefere imaginar lutas individualizadas contra a mão pesada do sistema opressor. Dessa forma, as vozes isoladas nunca são ouvidas. Aqui, quem se organiza e briga pelos seus direitos são os camelôs, os mototaxistas e os sem-terra. E por incrível que possa parecer, os camelôs conseguem impor aos governos e à sociedade um estado de absoluta ilegalidade, uma espécie de enclave onde compram e vendem sem nota fiscal de tal modo que não são incomodados pelo Fisco nem por órgãos reguladores, como acontece nas empresas formalizadas. E tudo creditado ao poder da luta organizada. Essas classes sociais bem que poderiam dar umas aulas aos empresários, professores, alunos, profissionais liberais etc. Outra coisa organizada é o crime, que cada vez mais cresce em ousadia, impondo um crescente estado de terror enquanto a deficiência da polícia fica cada vez mais ostensiva. Dessa forma, conclui-se que levaremos décadas ou talvez séculos para sentirmos na carne o pleno significado do accountability”.




terça-feira, 5 de março de 2013

PARAÍSO DA PERMISSIVIDADE

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 05/03/2013 - A112
Artigos publicados

O fenômeno cinematográfico “Lincoln”, do diretor Steven Spilberg, vende para o mundo a grandiosidade do homem, do mito, que é considerado pelos norte-americanos como o “pai da nação”. De fato, o protagonista é simplesmente brilhante nas estratégias políticas, visto que sua habilidade para conquistar corações e mentes levou alguns críticos a qualificá-lo como um manipulador maquiavélico. De qualquer forma, ninguém nega sua eloquente oratória, tanto que seu famoso Discurso de Gettysburg, de 1853, tornou-se um símbolo icônico dos deveres do seu povo. A interpretação brilhante do ator Daniel Day-Lewis mostra o esforço sobre-humano do presidente Lincoln para costurar uma engenhosa e complexa articulação com a finalidade de harmonizar interesses e correntes absolutamente heterogêneas e assim salvar a nação do cisma geográfico. Ou seja, Abraham Lincoln liderou o país de forma bem-sucedida durante a maior crise interna da história americana.

O filme “Tudo pelo Poder”, do diretor George Clooney, mostra os bastidores da campanha presidencial à Casa Branca. É interessante observar nessa produção hollywoodiana o processo de construção da imagem do homem público, o qual deve ser revestido do mais brilhante e sublime verniz democrático. O candidato é indefectível nos modos, na elegância, na erudição; mas principalmente é convincente na probidade e na conduta imaculada. Por conta desse obrigatório e frágil equilíbrio moral, uma fortuita infidelidade conjugal concentra o devastador potencial de destruir uma carreira política construída como muito sacrifício.

Em várias nações, principalmente nas saxônicas, a conduta do homem público é uma fortaleza que deve se manter inexpugnável, onde não se tolera desvios nem nebulosidades. Um bom exemplo é a queda do diretor da CIA (David Petraeus) devido a um caso extraconjugal. Outro exemplo foi o envolvimento do governador do estado de Nova York (Eliot Spitzer) com prostitutas que lhe custou o mandato. Pode-se também citar o emblemático caso da queda da vice do Primeiro Ministro da Suécia que comprou chocolate com cartão corporativo.

Por aqui, em terras tupiniquins, onde nossos aborígenes ensinaram os colonizadores a tomar banho e cuidar da própria higiene, vivemos o paraíso da permissividade. Aqui não existe essa coisa de eloquência, de grandeza, de nobreza de espírito. Aqui não fazemos rodeios nem nos preocupamos com protocolos ou com ideários pomposos. Tanto, que na cerimônia de posse presidencial o povaréu se chafurdou no espelho d’água em frente ao Congresso. Reputação e conduta são concepções extremamente rarefeitas que passam ao largo das preocupações dos nossos homens públicos. Afinal de contas, o povo não consegue processar conceitos tão sofisticados; o povo só quer saber de futebol e mulher pelada.

Assim, parece que nada, absolutamente nada é capaz de arranhar a imagem das raposas da política. Arnaldo Jabor até cunhou o termo “político teflon”, onde nada gruda. De tal modo como acontece entre os detentos das penitenciárias, o único desvio imperdoável é a traição dos pares. Isso sim, pode custar o mandato e resultar em inelegibilidade. Fora isso, tudo é relevável, tudo é contornável, tudo é esquecível. Ou seja, o político pode mostrar as nádegas para a delegada, pode ser um notório pedófilo, pode espancar a esposa, pode ser condenado pelo STF, pode assassinar uma pessoa em frente às câmeras, pode viver na esbórnia, pode desvirginar um monte de ribeirinhas e pode quebrar compromissos institucionais sem o menor pudor, como fez dias atrás o honorável presidente do Implurb, senhor Roberto Moita, que não compareceu a uma reunião agendada com representantes do Conselho Regional de Contabilidade e do Sindicado das Empresas de Serviços Contábeis, ficando a comitiva a ver navios.

Os nossos valores políticos em nada se compara aos dos saxônicos (não que eles sejam perfeitos). Nossa política é marcada pelo populismo rasteiro, por homens toscos e por repetitivos discursos impregnados de clichês. Toda nossa decepção nos permite imaginar que nunca tivemos nem jamais teremos um político da magnitude do presidente Lincoln. A aridez moral que impera no insalubre ambiente político brasileiro não permite a sobrevivência de ideários nobres de retidão moral. O mundo real da política é povoado por gente preocupada, sim, mas com, e somente com o seu bolso. Também, nossos políticos são profundamente dedicados à arte da interpretação teatral. Ou seja, árdua e intensivamente treinam-se expressões, tom de voz, gesticulações, posturas e também se estuda palavreados floridos e convincentes. Tudo feito com o objetivo de ludibriar o povo e assim prosseguir cometendo toda sorte de impropérios.




terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O sino e o Deputado Marcelo Ramos

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 26/02/2013 - A111
Artigos publicados

A população de ratos começou a diminuir num ritmo acelerado, significando assim que o apetite do tirânico gato, excelentíssimo senhor Tom, havia aumentado substantivamente. Por conta dessa temeridade, os ratos resolveram se reunir numa assembleia para encontrar uma solução para o problema, visto que se nada fosse feito, toda a comunidade corria risco de extinção. Num debate acalorado de proposições daqui e dali, o cidadão rato, senhor Mickey, propôs o seguinte: – Sugiro que seja colocado um sino no pescoço do gato. Assim, seria possível perceber sua aproximação e fugir antes de ser devorado. A reação de todos foi espantosa frente a uma ideia tão brilhante e por isso começaram a comemorar e agradecer o senhor Mickey pela oportuna sugestão. Só que no meio de tanta festividade o senhor Jerry comentou em voz alta: – De fato, a proposta é excelente, mas... quem vai colocar o sino no pescoço do gato?

Na semana passada ocorreu na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas uma Audiência Pública promovida pelo Deputado Marcelo Ramos, a qual foi marcada pela presença de representantes de várias entidades, imprensa e demais interessados no assunto, que foi o aumento da alíquota do ICMS da gasolina e de itens da cesta básica. O alvo da artilharia pesada foi o Secretário de Fazenda do Estado do Amazonas, senhor Afonso Lobo, que naquele momento foi imolado em holocausto por simbolizar todos os pecados do executivo estadual.

O Deputado Marcelo Ramos iniciou sua fala informando que na data de 21 de dezembro de 2012, último dia de sessão legislativa, chegou à ALEAM um projeto de lei encaminhado pelo governo do Amazonas aumentando a alíquota do ICMS sobre a gasolina e sobre a cesta básica. Nesse mesmo dia houve votação e aprovação do tal projeto de lei. O Deputado enfatizou que o dito projeto de lei, que alterou parte essencial da nossa política tributária de ICMS, foi aprovado sem nenhum debate prévio, sem diálogo, sem nenhum trabalho de convencimento e sem nenhuma explicação dos motivos que justificasse algo tão absurdo e tão desproporcional. Segundo palavras do parlamentar, e por conta da LC 112/2012, o estado do Amazonas tem hoje uma política de ICMS em que café paga mais imposto do que cigarro e leite paga mais imposto do que isqueiro. Portanto, convivemos com uma política tributária às avessas, o que contraria frontalmente o princípio da seletividade.

O secretário Lobo expôs numa argumentação técnica e objetiva os motivos da majoração tributária do ICMS. A causa maior foi uma expressiva perda de arrecadação que precisava ser compensada para que o governo estadual pudesse administrar os gigantescos números do seu orçamento.

O Deputado Marcelo Ramos contra-argumentou que o mesmo estado que diz está perdendo em arrecadação e que por isso mesmo aumenta a carga tributária da cesta básica e da gasolina, é o mesmo que havia encaminhado na semana anterior um projeto de lei criando 95 cargos comissionados. Concluiu então o Deputado que esse estado não está tão pobre assim, visto haver espaço no orçamento para a criação de 95 cargos comissionados, significando, dessa forma, que tem dinheiro sobrando. A conclusão desse raciocínio é que o real foco do problema orçamentário é o altíssimo custo da máquina pública do governo do estado do Amazonas.

O Deputado Luiz Castro contribuiu com o providencial argumento: “A Alemanha toda possui 2.000 cargos comissionados em todas as suas esferas de governo. O governo brasileiro, quando FHC passou a batuta para o Lula, tinha 1.400 cargos comissionados e hoje já tem mais de 4.000. O governo do amazonas possui mais de 4.000 cargos comissionados. Ou seja, mais do que o dobro do governo da Alemanha, e já alcançou o governo brasileiro. Isso, sem contar as OSCIP, que estão muito presentes na administração estadual como uma terceirização disfarçada. Nós temos, portanto, um problema terrível de gestão de pessoal que onera o estado com uma quantidade imensa de cargos improdutivos, ocupados, via de regra, por lideranças políticas do interior, como ex-prefeitos, como ex-candidatos, que não trabalham (com raras exceções), mas que recebem uma boa quantia de dinheiro todo mês”. Luiz Castro questionou que é preciso debater as prioridades na política pública de educação, de saúde, de gestão de pessoal do estado etc.; questionou também o motivo de haver TANTOS cargos comissionados e TANTAS assessorias de pessoas remuneradas sem trabalhar. E quando há um problema de arrecadação para sustentar TANTOS gastos desnecessários o governo desconta sua inaptidão na cesta básica, na gasolina etc. Concluiu o Deputado que a inversão de prioridades era muito clara em face de um governo onde o orçamento da Secretaria de Cultura é superior ao da Secretaria de Produção. O parlamentar chegou até a sugerir que o Ministério Público interferisse no assunto.

Foi possível perceber no evento acima mencionado o claro e inequívoco poder do exercício da cidadania. Ali, as posições se confrontaram, se colidiram; e as faíscas resultantes de tantos atritos foram suficientes para inflamar ânimos e iluminar questões normalmente mantidas nas sombras da ignorância social. O Deputado Marcelo Ramos não somente sugeriu, mas também se dispôs a correr o risco de colocar o sino no pescoço do gato. E fez mais do que isso. Da mesma forma, expôs as entranhas apodrecidas dos equívocos e das ingerências do executivo estadual, de tal forma que algumas pessoas ficaram incomodadas devido ao fedor exalado da fricção de réplicas e tréplicas dos debatedores. Constrangedoramente, ficou evidenciada a incompetência de vários ocupantes de cargos públicos, cujas decisões gerenciais impactam sobremaneira toda a sociedade amazonense. É como se tivéssemos um escoteiro-mirim pilotando nosso transatlântico, sinal da necessidade de uma urgente e efetiva melhoria da administração pública estadual. Outra constatação lamentável foi a certeza de que o órgão legislativo estadual é um departamento do poder executivo, onde os excelentíssimos senhores deputados só fazem o que o governador manda. E no tempo que o governador determina.

Resguardadas as incongruências, foi concretizado ali, na ALEAM, o ato de cidadania que algumas entidades representativas da nossa região teimam em manter restrito a discussões improdutivas e longe dos ouvidos do poder executivo local. Ou seja, muito se discute em salas fechadas sobre a tirania fiscal que sufoca o empresariado, mas como ninguém quer se indispor com os figurões da política, a coisa é inflamada e logo em seguida arrefecida sem que nada de prático aconteça.

Parabéns ao Deputado Marcelo Ramos. Sua iniciativa serviu para refletirmos que muitos dos desmandos políticos podem ser confrontados com ações inteligentes, objetivas e eficazes; dentro do mais autêntico e legítimo exercício democrático. Que venham mais Audiências Públicas combinadas com ações de cobranças e avaliações de resultados.