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domingo, 26 de abril de 2020

ALMA BANDIDA



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  28 / 04 / 2020 - A399

Dona Fran é uma simpática costureira que atende seus clientes com um belo sorriso no rosto. Certa vez, eu levei uma calça para embainhar. Enquanto concluía o serviço, ela fez um comentário emblemático. Disse que um catador de recicláveis colocava areia nas latinhas amassadas para aumentar o peso e assim ganhar um pouco mais de dinheiro. Dona Fran discorria sobre essa história com desenvoltura e certa admiração pela ideia genial do catador.

Se quiser conhecer a alma de um país, basta prestar atenção nos seus políticos. O sistema político sintetiza o caráter de uma nação. E o motivo é bem simples. Os piores políticos brasileiros, por exemplo, não vieram do planeta marte nem das profundezas do inferno; eles foram paridos das massas. O voto representa um alinhamento de caráter com o votado. O político eleito, portanto, está em perfeita sintonia com os valores daqueles que o elegeram. Trocando em miúdos, cada eleitor faria exatamente aquilo o empossado faz. É claro e óbvio que o seu João das couves ou o pastor da igreja não seriam capazes de abominações características do universo político. Será mesmo?

Será que alguém que coloca areia nas latinhas também seria capaz de grandes desvios, se tivesse oportunidade? Será que a Dona Fran seguiria na mesma linha? Pois é. Quem reclama da corrupção desenfreada é gente que acha normal, a prática de “pequenos deslizes” (ou grandes). É mais ou menos assim: O macaco que segue atrás, debocha do rabo do macaco que vai na frente. É muito estranho, acompanharmos décadas e mais décadas de protestos contra a corrupção enquanto o sistema corrupto ganhou musculatura nesse mesmo período. Pesa aqui o velho ditado: Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento. Essa pantomima ignóbil ficou ainda mais evidente no episódio rocambolesco da demissão do senhor Sérgio Moro.

Os partidários do presidente apoiaram incondicionalmente tudo que ele fez, ao mesmo tempo em que desqualificaram o ministro, que agora é um bandido. No fundo, todos sabem quem está mentindo. Mas o que pesa na balança é o pragmatismo, que não deixa espaço para outro tipo de conduta moral. Na visão dos apoiadores ardorosos, o presidente pode tranquilamente interferir nos inquéritos da Polícia Federal (ele pode tudo). Ele pode demitir quem quiser, a qualquer instante, principalmente quem investiga seus amigos e familiares. Isso é perfeitamente normal. Também é normal, um patrão habituado a demitir funcionários aleatoriamente, como se fosse uma roleta russa. É claro que isso é insano e condenável numa empresa. É claro que isso joga rapidamente a empresa no precipício. Mas para os bolsonarianos tudo é perfeitamente normal.

O mosaico de personalidades tortuosas é o laboratório perfeito do político desonesto. A arte da política se traduz num profundo conhecimento da alma do eleitor. O político moderno não precisa envidar grandes esforços para convencer ninguém sobre contos de fadas. O político sabe que seu eleitor tem uma alma bandida. Mesmo porque, a sociedade está mais descarada; as pessoas estão abandonando os estereótipos romantizados e assumindo um comportamento pragmático. Afinal de contas, o mundo é dos espertos. E no jogo da esperteza vale tudo. Quem ainda insiste na profissão de bondade aprende no BBB que é preciso mentir, trapacear, agredir e passar por cima dos brothers para ganhar o jogo. O pior de tudo é que desse caldo de ignomínias nascem as escolhas dos políticos que conduzem o destino da nação. Portanto, o nosso sistema político seguirá imutável e o noticiário continuará entupido de manchetes tenebrosas.

Tempos atrás, o maior empresário do comércio local disse que entrar na política é entrar na lama. Daí, que pessoas cuidadosas e honestas fogem da política partidária, restando aos facínoras a tarefa de ocupar os espaços abandonados pelos cidadãos honrados. O Juiz Sérgio Moro saiu do governo porque se manteve fiel aos seus princípios. Os políticos e seus agregados sabem que discurso é apenas um meio de conquistar o poder. As regras vigentes nos bastidores são bem diferentes daquilo que é dito nos palanques. Todo mundo sabe disso. O Juiz cometeu o grave erro de atuar nos bastidores da mesma forma que age publicamente. Os partidários do presidente não toleram isso. Ou seja, o ex-ministro deveria ter se ajustado aos esquemas políticos. Quem não se ajusta, não sobrevive em canto nenhum. Curta e siga @doutorimposto



































quarta-feira, 21 de novembro de 2018

UMA NOVA ORDEM TRIBUTÁRIA



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  21 / 11 / 2018 - A347

O comércio tem um espírito livre e pulsante; sua dinâmica propulsora construiu civilizações ao longo dos séculos. Por isso é tão difícil interferir drasticamente nas relações de troca. Mesmo porque, cedo ou tarde o animal furioso vai arrebentar o cercado. As nações mais desenvolvidas são justamente aquelas que adotam políticas de livre mercado. Isto é, quanto mais desprendimento, melhores são os resultados econômicos que beneficiam o trabalho e o empreendedorismo. A compreensão de todo esse processo é fundamental para adoção de mecanismos regulatórios, principalmente os de natureza tributária. Por exemplo, a nação mais rica do planeta é, talvez, a que pratica a taxação mais simples e enxuta sobre bens de consumo. Nos EUA, indústrias e atacadistas concentram energias na produção e na distribuição. Por isso, os agentes econômicos são ágeis e poderosos, uma vez que estão livres do espírito maligno grudado no cangote 24 por dia. Por outro lado, as empresas brasileiras são atormentadas pela assombração tributária que tira o sono e desperdiça a energia vital e necessária à condução dos negócios. Vivemos num país surreal que penaliza o mérito criativo e vangloria a mediocridade burocrática. Não à toa, todo jovem só quer saber de trabalhar numa repartição pública cheia de feriados e de licenças remuneradas.

Quem quiser saber o que é perseguição terrorista praticada pelo Estado Brasileiro é só empregar milhares de pessoas numa grande corporação. Os urubus dos órgãos regulatórios tem como causa primária dificultar tudo que for possível dificultar. A comprovação de tal assertiva pode ser encontrada nas mais de cinco milhões de normas legais publicadas nos últimos 30 anos. Quando se trata de regras tributárias, o volume chega perto de 370 mil, sendo que 95% dessa maçaroca já foram revogadas. Consulte o site do IBPT e você irá descobrir que vive num ambiente semelhante ao do filme Matrix.

O ente fazendário criou uma teia de aço eletrificada em torno das relações comerciais, de modo que o ambiente de negócios se transformou num campo minado. Dessa forma, não há quem consiga perder uma perna ou morrer estraçalhado pela ação da Sefaz. A única saída que muitas pessoas encontram para não fechar suas empresas é ignorar as 370 mil normas tributárias e trabalhar sabendo que a qualquer momento a Sefaz pode confiscar seu patrimônio e demitir seus funcionários. A verdade verdadeira é que NINGUÉM consegue cumprir a legislação tributária. NINGUÉM. A Sefaz sabe disso porque foi ela quem construiu uma legislação que sempre empurra o contribuinte para a clandestinidade. Dessa artimanha diabólica nasceu o paradigma de que todo empresário é sonegador e bandido. Os auditores fiscais enxergam a empresa dessa forma. Lamentavelmente, enquanto o empreendedorismo é fomentado nos EUA, por aqui, ele é ferozmente combatido pelos funcionários públicos.

Por conta desse sistema doentio é que precisamos criar uma nova ordem tributária que deixe o empreendedor trabalhar. Mesmo porque, Sefaz e Receita Federal têm plena consciência de que é impossível operacionalizar o insano regramento de minúcias exageradas.

Quando percorrer as áreas de intensa atividade comercial, você vai concluir que não é possível classificar uma gama de itens negociados em regramentos de NCM, CST, CFOP, alíquota, diferimento etc. O colossal volume de controles fiscais acaba tendo como objetivo principal, o de entupir as repartições públicas de funcionários debruçados sobre uma burocracia infernal que não gera benefícios para o país. A burocracia é fechada em si mesma.

Portanto, é preciso limpar o terreno e começar do zero. É necessário criar uma legislação enxuta e um tipo unificado de tributação sobre mercadorias que aconteça numa única fase da cadeia de produção/distribuição, e que não esteja de modo algum sujeita a variações alucinadas. As poucas exceções seriam voltadas para o tratamento diferenciado de alimentos e medicamentos. Mas, como é sabido e notório, os entes fazendários são radicalmente contra qualquer tipo de redução da burocracia porque isso prejudicaria os grandes esquemas de corrupção. E também, a objetividade normativa acabaria com aquele poder divino que os agentes públicos acreditam possuir. Curta siga @doutorimposto












terça-feira, 18 de setembro de 2018

REDE DE VIZINHOS PROTEGIDOS



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  18 / 9 / 2018 - A342

A causa maior do progresso de um povo não está tanto na questão econômica, mas sim, na organização da vida social. Os Estados Unidos desde sempre conservaram viva a chama da ordem civilizatória e da união de forças em torno dos seus valores mais preciosos. O americano não é o tipo de gente habituada a reclamar, reclamar, reclamar de tudo sem fazer nada. Eles partem imediatamente para a ação quando se sentem ameaçados. É muito comum nos filmes hollywoodianos a cena de pessoas levando um bolo ou uma torta para o novo vizinho. Por trás desse gesto prosaico está o esforço de preservação do espírito de comunidade que no final das contas visa reforçar o ideal de acolhimento e proteção. Outra característica marcante do americano está na confiança depositada na instituição policial, que é vista como um símbolo quase que sagrado. Na realidade, esse respeito se estende para o funcionalismo de modo geral.

Infelizmente, nós, brasileiros, estamos na contramão desse comportamento ianque. E, claro, obvio, a consequência do isolamento se traduz numa sociedade fragilizada e entregue por completo nas mãos da bandidagem. Somos um povo que só sabe reclamar, reclamar, reclamar e mais nada. Não conhecemos o vizinho, não integramos o clube da associação de moradores, não participamos das reuniões de condomínio, nunca assistimos a uma sessão da câmara de vereadores ou assembleia legislativa, não lembramos sequer em quem votamos na última eleição.

Por conta desse permanente estado de insatisfação com tudo que gira ao seu redor, o cidadão brasileiro acaba por hostilizar todo o universo público, incluindo a instituição policial. Uma série de casos entristecedores invadem os noticiários com reportagens extremamente danosas à imagem da instituição policial. O pior, é que muitas matérias jornalísticas transmitem uma clara intenção de enxovalhar o sistema de segurança pública, reforçando assim a desconfiança já presente nos lares brasileiros de que polícia e bandido se equivalem.

Por sorte, esse quadro desolador vem se modificando em várias regiões do país. Muitas pessoas encontraram na organização social e na parceria com a Polícia Militar, a solução para os seus problemas de segurança. O estado de Minas Gerais é o grande paradigma quando o assunto é combate a ações criminosas que atormentam o sossego das famílias.

O grande trunfo na vitória contra a invasão de residências está na Rede de Vizinhos Protegidos, que vem apresentando resultados espetaculares em locais como o Bairro Bandeirantes, que está localizado na capital mineira. A representante da associação de moradores disse que as famílias aprenderam a conhecer o vizinho por meio do trabalho da Polícia Militar mineira. Ou seja, a RVP resgatou o sentimento de comunidade, comum no passado, mas que foi abandonado pela modernidade. Hoje, toda movimentação suspeita no Bairro Bandeirantes é monitorada por uma rede de informantes atentos que não deixam nada passar em branco. Há diversos casos de abordagem policial que ocorreu minutos após o evento delituoso. A coisa é tão eficiente que um ladrão chegou a comentar que o bairro era mal assombrado.

A cidade de Manaus embarcou nessa experiência vitoriosa. A RVP já está funcionando plenamente no Bairro Versalhes, que no primeiro ano do projeto conseguiu reduzir pela metade o número de roubos e furtos. Ou seja, os moradores estão integrados via whatsapp com um policial que participa do grupo. Desse modo, toda movimentação suspeita é compartilhada no grupo que imediatamente aciona uma viatura policial, a qual verifica a ocorrência em poucos minutos.

Na semana passada houve uma reunião no Conjunto Augusto Montenegro para exposição do projeto RVP, o qual foi brilhantemente apresentado pelo Tenente Celso Neto e pelo Capitão Fernando Nogueira. No evento, foram abordados os detalhes da RVP e também uma série de conceitos importantes sobre o espírito de comunidade. As próximas reuniões irão tratar dos aspectos práticos de implantação do projeto, como por exemplo, cadastramento dos vizinhos nos grupos de whatsapp, definição das regras de conduta, policial de contato etc. Curta e siga @doutorimposto.





terça-feira, 4 de setembro de 2018

PÂNTANO TRIBUTÁRIO



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  4 / 9 / 2018 - A341

Mais uma vez, a polêmica tributária dos dividendos ganha espaço na mídia nacional. O presidenciável Ciro Gomes vem batendo nessa tecla. Anos atrás, o então ministro Joaquim Levy atiçou gasolina numa chama que estava quase apagada, quando disse que no Brasil se paga pouco imposto. Claro, óbvio, tal posicionamento causou espanto em face do acachapante peso da carga tributária. Ele se referia à isenção dos dividendos que faz a alegria dos magnatas tupiniquins, coisa que, além do Brasil, só acontece na Estônia (países da OCDE).

Estudos do IPEA em conjunto com a Receita Federal, apontam uma carga sobre rendas, lucros e ganhos de capital na casa de 6,9% do total, contra 11,5% na média da OCDE. A tributação total brasileira (empresa mais acionista) varia de 16,33% a 19,53% do faturamento no regime do lucro presumido, ou de 4,5% a 16,85% se estiver no regime do Simples. Nos países da OCDE, a média taxativa total sobre o lucro atinge 43,1%.

A baixa tributação da renda brasileira é compensada na pesadíssima taxação do consumo. Enquanto que nos Estados Unidos o percentual médio é de 4,5%, por aqui, esse mesmo encargo passa de 900% em cigarros e produtos cosméticos, sendo que, em média, metade do que consumimos é imposto. Até o modo de o brasileiro ser informado da taxação traz consigo uma manha trapaceira. Isso acontece porque o americano faz uma relação percentual entre produto e imposto (um, separado do outro). Já, em terras tupiniquins, o consumidor faz uma relação da parte com o todo (um, somado com o outro), que transmite a falsa informação de que a média geral é de 50% quando na realidade é de 100%. Aliás, malandragem é o nome daquele vírus instalado nas células nervosas do legislador brasileiro. Todos os malandros dos morros cariocas seriam facilmente engolidos por qualquer pessoa que trabalha na elaboração de normas fiscais.

Nossa estrutura legislativa é abarrotada de políticos ricos e devedores de gratidão a poderosos empresários. O Congresso tem uma histórica resistência para corrigir as injustiças do nosso pervertido sistema tributário. O exemplo máximo está no tal imposto sobre grandes fortunas, que há 30 anos aguarda regulamentação. Outro exemplo da interferência dos ricos no poder legislativo está na tributação de heranças, que na França pode chegar a 60% enquanto que no estado do Amazonas é fixado em 2%.

Enquanto o patrimônio e a renda dos milionários estão protegidos pela bondade oficial, a dupla dinâmica Sefaz/RFB baixa o cacete na tributação da gasolina, da energia elétrica, do telefone e de outros produtos consumidos pela população. 100% dos esforços de todas as equipes legislativas são concentrados no consumo. Todo o universo governamental desaba sobre o pobre do consumidor que já ganha uma merreca e ainda por cima tem metade do seu parco rendimento confiscado pelos agentes fazendários. Tantos despautérios normativos evidenciam a existência de uma grave doença social que está matando o país por inteiro (ricos e pobres). A vizinha Venezuela tem nos mostrado que quando o país quebra, a desgraceira não poupa ninguém. O pior de tudo é que nós estamos na esteira dos desmandos chavistas, com risco de acelerar esse processo com a vitória do Lula.

O fato é que o conjunto da sociedade não pode deixar que o pior aconteça. Depois, não adianta chorar o leite derramado, como aconteceu com o incêndio do Museu Nacional. Aliás, essa tragédia histórica é uma gritante alegoria da nossa realidade institucional. Mesmo porque, o povo brasileiro costuma fazer tudo errado; ser negligente, alienado, irresponsável, imprudente e, depois que a casa cai, começa a chorar e a se fazer de vítima no programa da Fátima Bernardes. O que talvez esse povo precise, é de um incêndio social para acordarmos todos da letargia e da estupidez.

Voltando ao imbróglio tributário, qualquer modificação efetiva e substancial do nosso sistema tributário só acontecerá mediante o esforço conjunto de toda a sociedade, uma vez que o poder público jamais fará isso. A extinção da balbúrdia tributária iria prejudicar a esfomeada e gigantesca máquina burocrática que sustenta um vasto esquema de corrupção. Por trás de toda burocracia se esconde uma bandidagem. E quanto mais confusa é uma norma, maior é a pilantragem do órgão normatizador. Curta e siga @doutorimposto.





terça-feira, 20 de dezembro de 2016

LIDERANÇA SOLITÁRIA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 20 / 12 / 2016 - A278

Rafael Soares era o mais dedicado operário duma grande empresa. Atento e observador, achou por bem rifar entre os colegas um equipamento recém-chegado ao mercado. Surpreendentemente, o interesse geral cresceu tanto que vários outros sorteios foram acontecendo de modo tal que o fabricante do famoso equipamento lhe ofereceu uma concessão comercial. Em pouco tempo o antigo operário havia se transformado num empresário de sucesso. Era como se o homem tivesse trazido a Coca-Cola para o Brasil. Eram carretas e carretas de produtos chegando e logo sendo vendidas. Daí, que uma coisa foi puxando a outra, aumentando assim a variedade de mercadorias na sua loja. No afã de alcançar o máximo de consumidores possível veio então a ideia de expansão do negócio para vários estados da federação. E assim foi feito. O empreendimento subiu, subiu até que começou a engasgar. A parca experiência administrativa e a pouca habilidade para lidar com a burocracia empresarial atropelou o espírito empreendedor do senhor Rafael. Clientes não pagavam, filiais deviam muito à matriz, controles internos não funcionavam, faltavam procedimentos e políticas comerciais etc. Resumo da ópera, o melhor a fazer era liquidar tudo e viver do saldo patrimonial.

Eis que um estudante de contabilidade foi contratado para fazer um trabalho que ninguém sabia exatamente do que se tratava. O senhor Rafael expôs o quadro sintomático da empresa e pediu a esse contador que o ajudasse a salvar os negócios. O contador era um profissional experiente que havia ingressado tardiamente na universidade. Sua experiência em grandes empresas foi decisiva para redesenhar toda a estrutura empresarial. O trabalho foi feito a quatro mãos. Duas cabeças pensando harmoniosa e alinhadamente foram capazes de identificar e neutralizar as diversas falhas operacionais. E assim se seguiu um longo e intenso trabalho de correção de rumos. Por fim, na prática, uma nova empresa surgiu – mais profissional e mais estável. A empresa de hoje é líder em todos os mercados em que atua; possui um modelo de negócio admirado por clientes, fornecedores, funcionários etc. Enfim, um belo case empresarial.

É bom lembrar que nessa gloriosa trajetória houve um ponto de inflexão. Houve um momento em que a rota de declínio foi corrigida. Curiosamente, as soluções mais importantes não partiram do contador. Ele apenas ajudou o senhor Rafael no desenvolvimento dum raciocínio empresarial mais profissionalizado. Evidentemente, muitos detalhes técnicos concorreram para a formatação da nova cultura empresarial. Poder-se-ia dizer que uma boa conversa mudou tudo. Esse é o ponto.

A liderança é solitária. O brilhantismo do senhor Rafael era tolhido pela falta de interlocução. Ele não tinha com quem discutir assuntos estratégicos ou planejar em conjunto o passo a passo dos assuntos internos da sua empresa. Nenhum dos seus funcionários possuía maturidade pra esse tipo de coisa. Nem a firma de contabilidade responsável pela escrituração das suas contas tinha como prestar uma consultoria de gestão. E como o senhor Rafael era um homem simples e já tão escaldado pelas inúmeras traições de parceiros de negócios, ele precisava de alguém que fosse objetivo e que trabalhasse de modo simples e direto – sem floreios, sem ternos, sem rituais e sem perfumarias.

Quantos empresários, nesse momento, estão à deriva em algum aspecto do negócio? Trilhar uma mata fechada, sozinho e calado exige altos níveis de controle mental, além de esforço físico maior por não haver com quem dividir o exaustivo trabalho de desbastar o cipoal do caminho. Travar diálogos francos e abertos com um interlocutor altamente capacitado faz surgir um vasto horizonte de possibilidades. Além do mais, refletir e debater sobre os negócios, é um exercício indispensável para renovar as energias e conservar a chama acesa. Mesmo porque, tudo precisa ser renovado para manter a jovialidade.

Nesses nossos tempos de alta pressão governamental deve haver, no mínimo, um intenso diálogo contábil e fiscal. Pelo menos isso. Daí, que o interlocutor precisa não somente ter uma boa qualidade técnica, mas também a capacidade de traduzir para o cliente toda a intrincada burocracia normativa. Pesa nesse exercício uma boa didática e uma saudável relação de confiança. A informação é importante, o conhecimento é decisivo e o diálogo deve ser frequente.





terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A MORTE DA POLÍTICA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 13 / 12 / 2016 - A277

A mãe já idosa morava com seu único filho numa modesta propriedade rural. Eis que depois duma noite chuvosa ela estranha o fato do filho não ter levantado da cama. Por fim, descobre, perplexa, que ele estava morto. O desespero tomou conta da casa, visto que tudo perdera o sentido de existir. Não havia, portanto, qualquer alternativa de dar continuidade à rotina tranquila e acolhedora ao lado de alguém tão atento e cuidadoso. O senso de negação da realidade era tamanho que a atônita senhora quis acreditar que tudo aquilo era apenas um sono pesado. Por isso, não tomou nenhuma providência quanto aos rituais de sepultamento. A presença do corpo inerte reforçava aquela situação esquizofrênica. A coisa funcionou mais ou menos nos primeiros dias. Depois disso o corpo foi se deformando de modo que o clima de negação se transformou num pesadelo aterrorizante.

A tão badalada e temida delação do fim do mundo acabou por confirmar sua fama. Os primeiros depoimentos esquadrinham a dinâmica das relações criminosas que há entre o público e o privado. Impressiona, nesse caso, o espanto que ainda causou numa população já tão escandalizada pela farta e intermitente sequência de denúncias envolvendo todas as colorações partidárias. O que ficou claro, claríssimo, é que TUDO o que se refere ao poder público é completamente dominado pela corrupção. A impressão é de que nada se salva. Claro, óbvio, essa constatação é injusta com muitas pessoas que lutam pela qualidade dos serviços públicos. Mesmo assim, as profundas ramificações de agentes maliciosos nos assuntos de Estado e o recorrente repertório de ações criminosas nos levam a um PADRÃO de comportamento bem definido e acabado. O pior de tudo é que esse dito padrão é sistêmico e orientador de todo o funcionamento das ações públicas, com peso maior no modelo político estabelecido no país. Como teria dito o atual presidente, “a política tem dessas coisas”. Tal afirmação é a síntese daquilo que mais tememos admitir: Nosso sistema político morreu e mesmo assim estamos sem saber o que fazer com o cadáver. O defunto está lá, na cama, enrijecido e amarelado. Mas, atônitos pelo impacto da cruel realidade, tentamos acreditar que tudo ficará bem. Insistimos no discurso de que é preciso acreditar nas instituições. Místicos, iogues e monges tibetanos são desafiados a construir essa alquimia psicológica.

A política está mortinha da silva. A pergunta que fica é a seguinte: O que faremos com o corpo? O que virá depois? O que temos de alternativa?

A delação da Odebrecht mostra que cada gesto do ocupante dum cargo político é inteiramente movido pela corrupção. A corrupção é responsável pelo movimento de cada um dos 650 músculos do deputado, do senador, do governador etc. A corrupção substitui a glicose nos processos metabólicos da fisiologia do político. Ou seja, ele só se mexe a toque de propina. Sem dinheiro sujo o político não vota. A propina é a força propulsora da energia política. Quanto mais dinheiro, mais entusiasmo e mais disposição para varar noites em votações importantes para o país. Quanto maior é a propina, mais autêntica é a honestidade do político. A firmeza no olhar e a convicção de nobres ideais é diretamente proporcional aos depósitos existentes em paraísos fiscais. Se o político é acanhado, fica evidente sua condição de mocinha debutante. Mas, à medida que o patrimônio cresce, a voz engrossa e o peito tufa sob ternos luxuosos e bem cortados.

O fato é que a coisa avacalhou dum jeito tal que está todo mundo desorientado. O cenário é muito preocupante porque a confiança da população é simplesmente zero. Ninguém em sã consciência acredita em mais nada nesse país. Há poucos dias presenciamos ao vivo e em cores a queda da mais alta Corte, que tombou pela espada do senador Calheiros. Agora, ninguém mais se vê obrigado a cumprir decisão judicial, uma vez que o STF estabeleceu jurisprudência nesse sentido. Ninguém acreditava na política e, agora, também, ficou claro que os três poderes da república são uniformes no seu funcionamento disfuncional. Ou seja, o dito PADRÃO vale pra todo mundo.

Voltemos à pergunta de antes: O que vamos fazer com o cadáver? Daqui a pouco ele vai começar a feder e por fim vai espocar de podre. O abacaxi espinhoso está em nossas mãos para ser descascado. O modo de fazer isso, talvez nos obrigue a passar por um doloroso processo de amadurecimento civilizatório. Queira Deus, consigamos fazer a travessia sem traumas irreparáveis. 




terça-feira, 18 de outubro de 2016

MODELO FISCAL EM CONSTANTE EVOLUÇÃO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18 / 10 / 2016 - A270

A mitológica figura do guarda-livros foi extinta, mas seus despojos ainda não estão plenamente fossilizados. Muitos continuam acreditando que a função do Contador é catalisar as ações mirabolantes da administração de modo que tudo fique bonitinho aos olhos das agências reguladoras governamentais. O Contador seria um alquimista – no seu escritório, várias bruxarias são desenvolvidas a partir da papelada recebida dos clientes.

Ainda é muito comum o seguinte procedimento: A empresa segue o mês juntando numa caixa toda a documentação contábil, fiscal, trabalhistas etc., que posteriormente é despachada para o escritório de contabilidade. Chegando ao seu destino, o pacote passa por uma garimpagem a fim de serem formatadas as estruturas de registro e de controle exigidos por lei. Isso significa que os processos ocorridos no período podem ser interpretados erroneamente, uma vez que o Contador não estava presente em cada evento ou fato administrativo. O Sistema Contábil é o mais prejudicado por esse modelo, visto que a qualidade dos registros está vinculada à intenção existente por trás de cada evento patrimonial. Por exemplo, uma sala comercial adquirida para ser posteriormente comercializada não pode ser registrada nas contas de Ativo Fixo e sim no grupo de Investimentos, já que o bem comprado era objeto de especulação imobiliária.

A evolução dos mecanismos de controle fiscal jogou um balde de água fria nesse modelo anacrônico de serviços contábeis. Até mesmo porque ao longo de décadas a nossa contabilidade sempre foi tratada como um mal necessário. O Contador era visto como uma figura exótica, paga pra fazer lá não se sabe o quê. Os vários livros e documentos produzidos tinham um só destino: a Fiscalização. Pra gestão da empresa ou pra alavancar os negócios, o Contador não contribuía com nada. O aperto dos Entes Fazendários passou a dificultar em muito a tal alquimia fiscal e contábil. Os feitiços foram diminuindo, diminuindo, até que hoje muitos registros são relatos fidedignos de operações reais.

Lamentavelmente, a realidade do nosso sistema tributário é pavorosa. Antes, muita gente não se dava conta disso porque tudo era “ajeitado”. Agora, é preciso observar as maluquices normativas das nossas leis transloucadas. Ou seja, qualquer pisada de bola é fatal. Meses atrás, um satélite da Honda foi autuado pela SEFAZ em 700 mil reais por causa dum ÚNICO erro em meio à montanha de normas rigorosamente observadas. Isso mostra o quão ingrata é a profissão de Contador. Um erro em duzentos mil acertos pode destruir negócios e empregos, mas o agente fiscalizador tem plena autonomia para se chafurdar nas normas legais ou violar o ordenamento jurídico ou achacar ou fazer cobranças indevidas que ninguém é responsabilizado. Temos um dos ambientes de negócios mais arriscados do mundo. Os grandes investidores internacionais só aportam por aqui depois de conseguir vantagens absurdas, como é o caso dos juros criminosos do cartão de crédito ou vastos incentivos fiscais para conglomerados econômicos. Claro, óbvio, quem paga a conta de tantas benesses aos estrangeiros são as empresas brasileiras.

Por conta dos riscos fiscais, as empresas já estão capacitando seus funcionários para interpretar as particularidades dos documentos fiscais e, com isso, alimentando o sistema de estoque em conformidade com a situação tributária específica de cada item do DANFE ou do arquivo XML. Tal procedimento encurta em muito o tempo de análise no escritório de contabilidade. Também, promove uma drástica diminuição de riscos de penalidades aplicadas por agentes fazendários.  Esse modelo está transformando Contadores em Gestores de Processos Empresariais, ao passo que o cumprimento de obrigações relacionadas ao SPED está aprimorando a qualidade do Controle Interno dos Clientes.

Agora, mais um avanço tecnológico está em curso. Antes, o objetivo da capacitação dos clientes era receber os registros das mercadorias organizados de modo que houvesse pouquíssimos problemas de validação no PVA. O novo desafio é receber os arquivos já validados pelo PVA do SPED. Para tanto, mais investimentos devem ser despendidos na capacitação de Almoxarifes, Faturistas e até mesmo o pessoal de Vendas e do Financeiro. Tal modelo de gestão administrativa envolve também o SPED Contábil. O fato é que estamos caminhando para a extinção do papel na prestação de serviços contábeis.









terça-feira, 11 de outubro de 2016

ESTEREÓTIPO DO POLÍTICO BRASILEIRO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 11 / 10 / 2016 - A269

Eventos depreciativos relatados na minissérie Justiça, da Rede Globo, mexeram com os brios de policiais do Rio de Janeiro que protestaram contra a emissora. Reações semelhantes acontecem em outras classes de profissionais quando se sentem ofendidas. Enquanto a Globo retratou um policial vingativo que esconde drogas no quintal da vizinha, outras produções achincalham sem dó nem piedade a politicada em geral. Novelas, filmes, livros, humorísticos e até a internet costumam descrever o político como a pior das criaturas presentes na face da terra. Nenhum outro animal consegue ser tão destrutivo. Nem terroristas, nem tigres famintos, nem uma nuvem de gafanhotos, nem o mosquito da dengue. Nada se compara à devastação provocada pelo Homo Polítikus, que destrói a saúde pública, mata empregos, aniquila a economia do país etc. Interessante, é que, no caso do policial, o alvo dos autores foi um aspecto específico do caráter humano. Mas quando se trata do político, o esculacho é total. Os personagens asquerosos são de todo ardilosos e repulsivos, como se fossem deformidades da natureza, já que não possuem nenhum tipo de empatia ou senso moral. Resumindo, nada de bom pode ser aproveitado. O pior de tudo é que, quanto mais se bate nessa tecla, mais enojada fica a população com todo o sistema. Principalmente, quando os políticos da ficção teimam em figurar nos telejornais algemados ou envolvidos em coisas muito mais pavorosas. Como resultado, em algumas grandes regiões do país, mais da metade dos votantes anulou sua escolha ou simplesmente se absteve.

Notícias alardeadas de políticos envolvidos em crimes de corrupção, homicídios, milícias, tráfico e demais práticas hediondas não incomodam em nada os respectivos partidos dos denunciados. Raríssimamente se vê um partido defendendo seus membros ou pedindo desculpas na TV. Mais raro ainda é haver expulsão de elementos ruins dos seus quadros quando as denúncias envolvem muito dinheiro. Tanta desfaçatez silenciosa evidencia um clima de anuência e alinhamento com práticas insólitas das mais variadas. Qualquer pessoa que se deter um pouco na observação de alguns movimentos dos partidos políticos vai perceber um forte cheiro de enxofre no ar.

Os partidos não punem e seus membros se recolhem nas suas tocas esperando a poeira baixar. Tudo fica quieto. Até o vento para de soprar. Enquanto isso, os programas humorísticos e as novelas estraçalham a imagem do político, mas ninguém ousa levantar a voz para defender o colega. Nenhum sindicato ou associação de políticos vem a público dizer que seus membros são injustiçados por segmentos da sociedade que atacam a conduta de homens puros de coração e de honestidade incontestável. Por esses dias a declaração do Lula se transformou na maior piada do país porque ele teve a cara de pau de dizer que o político é honesto. Essa declaração aniquilou o que restava do PT. Ou seja, quem quiser ser achincalhado e por a carreira política em risco é só falar em honestidade na frente das câmeras.

O fato é que as vísceras putrefatas do sistema político estão expostas ao sol do meio dia. E, lamentavelmente, a maioria da politicada não se deu conta disso. As criaturas continuam nos mesmíssimos esquemas de sempre, explorando exaustivamente tudo e a todos, como uma praga de gafanhotos a devastar uma plantação inteira. O recado das urnas não foi suficiente porque o vício da corrupção é muito mais forte. No Brasil, o súbito aumento do patrimônio em 50 vezes não é alvo de suspeitas e sim, da inveja de quem não teve estômago para roubar.

O sistema predatório da nossa política saqueia o país há muito tempo, alimentando grupos de influência e cooptando meio mundo de instituições para se alinharem a projetos de poder partidários. A face mais ostensiva dessa prática se revelou no processo do impeachment, onde o esquema foi cuidadosamente costurado por uma infinidade de mãos habilidosas e maquiavélicas. O choque titânico de quem queria entrar com quem não queria sair produziu raios, trovões e abalos sísmicos na crosta terrestre. No final, um grupo foi decapitado e o outro assumiu o trono. A pergunta que fica é a seguinte: Por que as batalhas são tão vorazes e sangrentas? Por que tantos morrem e matam? A resposta está na Operação Lava Jato. Ou seja, a vez de um passou e agora é a vez do outro mamar nas tetas cheias de dinheiro. Daqui a alguns anos testemunharemos escândalos ainda maiores. É sempre assim. Essa é a sina do povo brasileiro.





terça-feira, 30 de agosto de 2016

NOVOS IMPOSTOS PARA NOVOS CORRUPTOS


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 30 / 8 / 2016 - A265

A presidente Dilma cercada de ratos estampou as páginas do New York Times. A charge evidencia o fato de que sua conduta é a menos delituosa de todos, visto que a maioria dos senadores está envolvida em processos judiciais, e os demais são suspeitos de deslizes morais e legais. A fala destemperada da senadora Gleisi Hoffmann escancarou a grave crise moral do nosso sistema político ao desqualificar seus colegas congressistas.

O Brasil inteiro está em compasso de espera, por conta do tumultuado julgamento que irá consolidar o atual presidente Temer no comando do país. Os agentes econômicos aguardam uma definição do cenário político para reativar projetos de investimentos e de geração de empregos. Para tanto, faz-se necessário o afastamento do PT e a subsequente correção de tantos desmandos administrativos perpetrados pela gestão lulopetista. O problema está no modus operandi, no caminho escamoteado que os adversários estão trilhando para chegar ao objetivo final de derrubar uma presidente escolhida pela maioria da população. O PMDB sabe que esse é o único jeito de estar na presidência da república. Paralelamente, grandes esforços são empreendidos na tentativa de inviabilizar o retorno do Lula em 2018. Na percepção de expressiva parcela da população carente, Lula foi o único político que ajudou os pobres. Sendo assim, nenhuma outra figura pública reúne predicados suficientes para causar o arrebatamento das massas. Daí, a raiva que muitos têm do PT. Motivo: ninguém mais consegue chegar ao coração do pobre.

O jornal El País afirmou que o julgamento é uma farsa, uma vez que a condenação já foi decidida previamente. Isso significa que o ritual do impeachment é puro teatro pra inglês ver – uma maneira de justificar para o mundo que o poder não foi tomado na mão grande. Novamente, a conduta dos senadores foi questionada. Na verdade, toda a imprensa internacional continua batendo na mesma tecla. Isto é, como pode um monte de gente atolada até o pescoço em acusações de crimes gravíssimos, condenar alguém por um erro infinitamente menor? Nesse sentido, a senadora Gleisi Hoffmann está coberta de razão.

O processo de acomodação da nova estrutura de governo vai resultar num aumento das práticas corruptas. É fato notório que o novo governo está promovendo uma faxina geral nos cargos de diversos escalões da gestão federal. Ou seja, um batalhão de gente está saindo e outro grande contingente de ávidos servidores está chegando com uma sede monumental de dinheiro e de poder. Como aconteceu nos primeiros tempos da era petista, toda a massa de nomeados carrega uma ansiedade virulenta de fazer e acontecer. O resultado desse destempero é um aumento convulsivo nas práticas delituosas. Por isso é que o ministro Henrique Meirelles vem reiterando seus alertas para o aumento dos impostos, justamente para cobrir os desvios já previstos pelo novo governo.

Engana-se a pessoa que inocentemente acredita na redução do nível de roubalheira no país. Todo o estardalhaço da Operação Lava Jato não é capaz de inibir a vontade louca de roubar. Basta dá uma olhada no conteúdo das campanhas políticas veiculadas na televisão. Impressiona o fato de ninguém apresentar uma proposta nova; todo mundo repete o batido e surrado discurso dos políticos de outrora. A diferença está na quantidade de eleitores que consegue enxergar o lado demagógico do palavreado fatigante dos candidatos. A corrupção não diminui porque o ato de roubar ainda é um excelente negócio – mesmo com a pressão da Polícia Federal. As penas ainda são pontuais e muito suaves. O próprio sistema jurídico permite que o ladrão se defenda com o dinheiro roubado. Esse mesmo sistema não quer saber da origem do patrimônio dos investigados e, de certa forma, o mega ultra super bandido é tratado como celebridade e ainda é alvo de respeito e admiração daqueles que invejam a conta bancária do criminoso. Por mais esquisito que possa parecer, é assim que a coisa funciona no Brasil.

Por conta de tantas deformações morais e legais que consome o país, é de fundamental importância lutar pela aprovação do projeto do Ministério Público DEZ MEDIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO. Por enquanto, único instrumento capaz de frear a sanha delituosa de políticos e de outros agentes criminosos. O congresso e outras forças sobrenaturais estão fazendo uma pressão enorme para derrubar esse projeto do MP. Muita gente grande vem combatendo ferozmente cada uma dessas medidas moralizadoras da gestão pública. Claro, óbvio, a intenção dos bandidos é preservar a estrutura corruptiva enraizada no coração da república brasileira. As forças são poderosas, mas a vontade popular sempre prevalece. Falta a nós, justamente a manifestação dessa dita vontade. 





terça-feira, 26 de julho de 2016

CRUZAMENTO DE INFORMAÇÕES FISCAIS

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 26 / 7 / 2016 - A260
Artigos publicados

O artigo 113 do Código Tributário Nacional contempla a figura da obrigação principal e também da obrigação acessória, tendo por objeto o pagamento do tributo, bem como as prestações legais de interesse da fiscalização. Não adianta bater no peito e dizer que recolheu os impostos direitinho, se não houver atenção diligente para com o entulho burocrático. É bom lembrar que a obrigação acessória se converte em obrigação principal pelo simples fato da sua inobservância (parágrafo terceiro do referido artigo).

O fato é que o lamaçal de redundantes obrigações acessórias vem promovendo uma onda de terror Brasil a fora. A cada dia que passa o governo cria uma nova maluquice com duzentas mil regras conectadas a um sem-número de mecanismos eletrônicos de controle. Não à toa, estudos do Banco Mundial revelaram que a nossa burocracia tributária consome 25 vezes mais tempo do que a burocracia inglesa. As consequências devastadoras desse paroxismo normativo se traduz na máquina super ultra gigantesca das agências fazendárias, entupidas de funcionários públicos até as tampas. É um monte de gente atordoada e enroscada num cipoal burocrático, onde ninguém sabe esclarecer todas as dúvidas do contribuinte. Na realidade, poucos deles se esforçam para prestar um bom serviço ao pagador de impostos.

Quem produz o texto legal deve morar numa zona remota do planeta, uma vez que esse pessoal não entende bulhufas da rotina de uma empresa. Esses óvnis nunca dirigiram um caminhão do sul até aqui, nunca trabalharam num almoxarifado, nunca venderam, nunca pagaram, nunca compraram, nunca ficaram perambulando nos órgãos de controle pra liberar uma carga retida. Essas criaturas bisonhas imaginam o ambiente operacional de um estabelecimento varejista e a partir dessa imagem fantasiosa criam diversas normas legais. Do lado de cá, aqueles que de fato estão na lida, vão se espantando e se assustando com bizarrices estapafúrdicas publicadas no Diário Oficial. A todo o momento alguém pergunta: “Quem diabo foi que inventou tanta asneira?”.

Pois é. A montanha de gente empilhada nos órgãos públicos precisa justificar sua contratação. Daí, que a burocracia tem que crescer alucinadamente para alimentar a indústria dos concursos públicos. Daqui a pouco esse monstro esfomeado vai devorar toda a riqueza gerada pelo setor produtivo. Ou seja, não demora muito e vamos trabalhar exclusivamente pra pagar imposto.

Voltando ao lamaçal de redundâncias burocráticas, vivemos atualmente o curioso fenômeno das denúncias espontâneas em larga escala. Antigamente, as coisas feias eram escondidas; hoje, todas as inconsistências são comunicadas ao Fisco nos seus mínimos detalhes. Pode-se afirmar que o Brasil inteirinho está com a ficha suja junto ao Fisco. É provável que NINGUÉM esteja atendendo a essas novas obrigações eletrônicas com erro zero. Nas palavras do ex-presidente da Associação Comercial de São Paulo, Rogério Amato, nenhum contador consegue dá segurança para seu cliente. Parte do motivo de tanta instabilidade reside na obrigação de enviar a mesma informação através de vários canais. Por exemplo, uma empresa amazonense disse para a Sefaz que vendeu R$ 107.162,40. Fez isso através da DAM. Acontece que no mesmo período emitiu R$ 538.879,15 de notas fiscais eletrônicas. Já no SPED Fiscal informou R$ 498.956,35. Outra empresa fez uma lambança ainda maior. No ano de 2013 ela emitiu R$ 2.482.451,00 de notas fiscais eletrônicas, mas declarou no DAS uma venda oficial de R$ 390.617,00. É bom lembrar que as empresas do Simples estão sendo monitoradas pela Sefaz através de análises trimestrais. Isto é, discrepâncias entre compras e vendas já estão gerando notificações imediatas.

No exemplo da empresa amazonense, a mesma informação chegou ao Fisco através da nota fiscal eletrônica, através do SPED Fiscal, através do SPED Contribuições, através da DAM, através do SPED Contábil e através da Escrituração Contábil Fiscal (ECF). Essa última substituiu a antiga Declaração de IRPJ. Um detalhe importante: Os bancos estão informando para o SPED a movimentação de duplicatas. Tal procedimento visa detectar divergências entre valores da nota fiscal e do boleto. Diversos outros instrumentos eletrônicos de controle estão interligados via sistema SPED, como a DIRF, DCTF, DIRPF, SEFIP, RAIS etc. Não demora muito e outros módulos serão operacionalizados, gerando mais burocracia e mais custo administrativo, tais quais: SPED Financeira, SPED Retenções, eSocial, Bloco K etc. Resumindo, tudo tá ligado com tudo, como se o SPED fosse um grande ERP. Isso significa que os contribuintes precisam melhorar suas estruturas de controle interno.

Em meio ao intenso bombardeio do governo surge a urgente necessidade de investimento em mecanismos de Contrainteligência Fiscal para escapar vivo de tantas e mirabolantes armadilhas. O Fisco não está brincando e o risco é real. Infelizmente, o contribuinte não tem saída. A não ser capacitar seu corpo funcional de modo a digerir todo esse universo de novos desafios burocráticos e tecnológicos. Fazer de qualquer jeito é que não dá mais.



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