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terça-feira, 31 de outubro de 2017

ESQUIZOFRENIA MORAL



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  31 / 10 / 2017 - A 311

Uma pesquisa da ONG Transparência Internacional, feita em 20 países da América Latina, expôs um quadro galopante de corrupção e uma crescente desconfiança dos cidadãos em relação aos seus políticos. Entre as pessoas entrevistadas, a grande maioria (70%) acredita que os cidadãos possam ter um papel relevante na luta contra a corrupção, especialmente no Brasil (83%). Mas quando perguntados sobre a prática de algum ato delituoso, 51% dos mexicanos e 46% dos dominicanos admitiram ter pagado propina, enquanto somente 11% dos brasileiros subornaram algum agente público. Tais números indicam que a corrupção no México é cinco vezes maior do que a brasileira (yo no creo).

O gritante cenário de roubalheira descortinado pela mídia evidencia uma completa imersão da nossa sociedade na putrefata lama da corrupção. Somos um paciente terminal com chance zero de tratamento convencional. É bom lembrar que os corruptos foram paridos das massas; são frutos da árvore social chamada Brasil. E, como disse o Mestre dos mestres, não pode a árvore boa dar maus frutos. Ou seja, a corrupção é um mal social. Daí, que, muitos brasileiros acreditam que vários comportamentos obscenos não são classificáveis na categoria de atos delituosos. Corrupto, portanto, são os outros.

O tradicional chefe de família é aquele que mantém uma postura impecável de provedor e de pai amoroso, que engravida a sua secretária e depois patrocina um aborto para manter a harmonia familiar. O palestrante que encanta sua plateia com um belo discurso ecológico descarta a latinha de refrigerante na via pública. A apresentadora de TV que só fala em saúde e boa alimentação é acometida de câncer pelo hábito de fumar muito. O jovem aristocrata que mostra o branquelo traseiro para a delegada é fragorosamente conduzido ao congresso nacional pelos braços do povo. O político espancador da esposa é adorado por muitas mulheres devotas que mantém a fotografia do agressor colada na parede da sala. O chefe maior do Detran é campeão de infrações de trânsito. A beata que vive na igreja inferniza a vizinhança com fofocas e rabugices.

A mãe exibe com orgulho a bela casa construída com muito suor e dinheiro que o filho surrupiou do patrão. A esposa fica eufórica quando o marido chega com mercadorias saqueadas duma carga acidentada. O empresário religioso e próspero, ergueu seu patrimônio com monumentais desvios que fazia quando trabalhava no setor de compras duma grande indústria. Por outro lado, o diretor dessa grande indústria comemora o fechamento dum contrato milionário envolvendo produtos superfaturados para diversas prefeituras etc., etc. São essas, exatamente, as pessoas convictas da sua impoluta conduta moral; elas não encontram nos seus atos obscenos nenhum motivo de constrangimento ou de reprovação. Tudo acontece de modo absolutamente “NORMAL”. São essas, as pessoas que elegem os Eduardo Cunha e Sérgio Cabral da vida. O político astuto e bandido conhece muito bem o seu público. Por isso sempre ganha qualquer pleito. Ele não precisa se fazer de bonzinho; nas entrelinhas do discurso demagógico, ele se comunica com a alma deformada dos eleitores. Daí, que, de nada adianta afastar os políticos ruins se o eleitor continua o mesmo.

Para a desgraça da nação, essa dita “normalidade” é levada para o universo da administração pública.

Primeira e única regra: Política é Roubalheira. Ponto final. Por que os políticos se matam uns aos outros? A briga é por orçamentos bem gordos. A disputa maior é pelas pastas de grande volume orçamentário. Quanto maior o orçamento, maior a roubalheira. A roubalheira não é, absolutamente, um ato vergonhoso; é a prática “NORMAL” da administração pública. Quem não entra no esquema, vê o colega do lado enriquecer, ter uma vida opulenta e morrer aos 90 anos de idade sem nunca ter problemas judiciais. Roubar é o melhor negócio no Brasil porque todo o sistema jurídico institucional foi meticulosamente construído para apoiar o ladrão. O problema é que, no jogo da bandidagem, poucos ganham enquanto a maioria perde. Será que essa dita maioria vai continuar engolindo sapo? E se todo mundo passar a roubar, o que vai sobrar? 





terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A MORTE DA POLÍTICA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 13 / 12 / 2016 - A277

A mãe já idosa morava com seu único filho numa modesta propriedade rural. Eis que depois duma noite chuvosa ela estranha o fato do filho não ter levantado da cama. Por fim, descobre, perplexa, que ele estava morto. O desespero tomou conta da casa, visto que tudo perdera o sentido de existir. Não havia, portanto, qualquer alternativa de dar continuidade à rotina tranquila e acolhedora ao lado de alguém tão atento e cuidadoso. O senso de negação da realidade era tamanho que a atônita senhora quis acreditar que tudo aquilo era apenas um sono pesado. Por isso, não tomou nenhuma providência quanto aos rituais de sepultamento. A presença do corpo inerte reforçava aquela situação esquizofrênica. A coisa funcionou mais ou menos nos primeiros dias. Depois disso o corpo foi se deformando de modo que o clima de negação se transformou num pesadelo aterrorizante.

A tão badalada e temida delação do fim do mundo acabou por confirmar sua fama. Os primeiros depoimentos esquadrinham a dinâmica das relações criminosas que há entre o público e o privado. Impressiona, nesse caso, o espanto que ainda causou numa população já tão escandalizada pela farta e intermitente sequência de denúncias envolvendo todas as colorações partidárias. O que ficou claro, claríssimo, é que TUDO o que se refere ao poder público é completamente dominado pela corrupção. A impressão é de que nada se salva. Claro, óbvio, essa constatação é injusta com muitas pessoas que lutam pela qualidade dos serviços públicos. Mesmo assim, as profundas ramificações de agentes maliciosos nos assuntos de Estado e o recorrente repertório de ações criminosas nos levam a um PADRÃO de comportamento bem definido e acabado. O pior de tudo é que esse dito padrão é sistêmico e orientador de todo o funcionamento das ações públicas, com peso maior no modelo político estabelecido no país. Como teria dito o atual presidente, “a política tem dessas coisas”. Tal afirmação é a síntese daquilo que mais tememos admitir: Nosso sistema político morreu e mesmo assim estamos sem saber o que fazer com o cadáver. O defunto está lá, na cama, enrijecido e amarelado. Mas, atônitos pelo impacto da cruel realidade, tentamos acreditar que tudo ficará bem. Insistimos no discurso de que é preciso acreditar nas instituições. Místicos, iogues e monges tibetanos são desafiados a construir essa alquimia psicológica.

A política está mortinha da silva. A pergunta que fica é a seguinte: O que faremos com o corpo? O que virá depois? O que temos de alternativa?

A delação da Odebrecht mostra que cada gesto do ocupante dum cargo político é inteiramente movido pela corrupção. A corrupção é responsável pelo movimento de cada um dos 650 músculos do deputado, do senador, do governador etc. A corrupção substitui a glicose nos processos metabólicos da fisiologia do político. Ou seja, ele só se mexe a toque de propina. Sem dinheiro sujo o político não vota. A propina é a força propulsora da energia política. Quanto mais dinheiro, mais entusiasmo e mais disposição para varar noites em votações importantes para o país. Quanto maior é a propina, mais autêntica é a honestidade do político. A firmeza no olhar e a convicção de nobres ideais é diretamente proporcional aos depósitos existentes em paraísos fiscais. Se o político é acanhado, fica evidente sua condição de mocinha debutante. Mas, à medida que o patrimônio cresce, a voz engrossa e o peito tufa sob ternos luxuosos e bem cortados.

O fato é que a coisa avacalhou dum jeito tal que está todo mundo desorientado. O cenário é muito preocupante porque a confiança da população é simplesmente zero. Ninguém em sã consciência acredita em mais nada nesse país. Há poucos dias presenciamos ao vivo e em cores a queda da mais alta Corte, que tombou pela espada do senador Calheiros. Agora, ninguém mais se vê obrigado a cumprir decisão judicial, uma vez que o STF estabeleceu jurisprudência nesse sentido. Ninguém acreditava na política e, agora, também, ficou claro que os três poderes da república são uniformes no seu funcionamento disfuncional. Ou seja, o dito PADRÃO vale pra todo mundo.

Voltemos à pergunta de antes: O que vamos fazer com o cadáver? Daqui a pouco ele vai começar a feder e por fim vai espocar de podre. O abacaxi espinhoso está em nossas mãos para ser descascado. O modo de fazer isso, talvez nos obrigue a passar por um doloroso processo de amadurecimento civilizatório. Queira Deus, consigamos fazer a travessia sem traumas irreparáveis. 




segunda-feira, 14 de novembro de 2016

PERVERSIDADE DOS REGIMES ESPECIAIS


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 15 / 11 / 2016 - A274

A crise financeira que assola as contas do Rio de Janeiro adquire contornos trágicos, com possibilidade dos servidores públicos ficarem sem salário nos últimos cinco meses de 2017. As medidas corretivas contemplam aumento de desconto previdenciário e majoração da alíquota do ICMS, que já é a maior do país. Ou seja, a população fluminense está sendo convidada a pagar o prejuízo causado por anos de desmando administrativo (como de praxe). O bode expiatório é sacrificado aos deuses enquanto o governo segue limpinho na sua gastança desenfreada. Meses atrás, o governador interino ficou numa saia justa por causa duma licitação de valor astronômico para bancar um rega-bofe escandaloso. Tudo foi cancelado porque a imprensa caiu de pau no assunto. A culpa oficial de tantos problemas está na queda de arrecadação, principalmente dos royalties. Mas também, vale ressaltar que cerca de R$ 200 bilhões foram sangrados do erário na forma de incentivos fiscais. Não fosse essa exacerbada política de regimes especiais o quadro geral do Rio de Janeiro estaria bem mais equilibrado.

A guerra fiscal joga as unidades federativas numa arena de disputas sangrentas, onde é impossível sair incólume. Alguém sempre paga o pato. Toda vez que se coloca mais dinheiro num bolso, o outro fica prejudicado. Quando um, ganha, o outro perde. (a matemática é insofismável). Mesmo assim, os regimes especiais são exaustivamente utilizados como política de desenvolvimento regional – não se trilha rotas alternativas ou não se sabe fazer outra coisa. O mexe remexe normativo para legalizar tantos solavancos tributários cria um buraco no orçamento, que é tapado pelo sacrifício dos mais fracos. O alvo preferencial é sempre o mais pobre, que já sofre horrores com o mais escarnecedor sistema regressivo do mundo. O rico não padece tanto porque quanto maior é a renda, menor é a carga relativa. Daí, o conceito da regressividade.

A progressividade no Brasil é um tabu difícil de quebrar porque o legislador se recusa a mexer no bolso do rico. Temos uma das menores taxações nominais sobre renda e patrimônio. Por exemplo, o governo francês abocanha 60% duma herança enquanto que o estado do Amazonas cobra 2% somente. Já, a cesta básica amazonense é a mais taxada do país. Isto é, todos os outros Estados possuem tributação reduzida para a cesta básica, menos o Amazonas. O pobre que se dane. Essa é a mensagem irradiada pelo poder público. Meses atrás, foi noticiado na internet que 45% dos rendimentos da família do ex-presidente Bill Clinton foram convertidos em impostos, enquanto que a nossa Lavagem Oficial da Repatriação foi beneficiada com alíquota de 15%. Por aqui, a sonegação de grande escala é premiada por leis boazinhas ou por reiterados programas de parcelamento, deixando o contribuinte honesto com cara de palhaço.

No paraíso da Zona Franca de Manaus vivem os empreendimentos geradores de empregos que, por tabela, alimentam uma infinidade de pequenos negócios. No frigir dos ovos, tudo gera renda e desenvolvimento. Mas, como não existe almoço grátis, alguém precisa suportar as agruras do inferno fiscal para manter o equilíbrio de forças. Aqui, percebe-se claramente uma brutal diferença entre dois polos econômicos: Indústria e Comércio. Enquanto o primeiro se comporta como um bebê chorão e mimado, o outro é tratado como bastardo. Os agentes governamentais formam uma blindagem em torno da ZFM, estando sempre de prontidão para embalar a criança. A Sefaz, por exemplo, atende imediatamente qualquer solicitação da FIEAM para discutir aspectos normativos ou procedimentos técnicos legais. Enquanto isso, o Conselho Regional de Contabilidade aguarda resposta para uma solicitação de esclarecimento protocolada dia 16 de janeiro de 2016. As insistentes cobranças de audiência não amoleceram o coração do órgão fazendário. Está pendente também um pleito acordado em reunião com o Governador para conferências mensais com a classe contábil das empresas comerciais. Toda essa marginalização acontece de modo grosseiro e ostensivo, quase um acinte.

A conta contábil Renúncias Fiscais não foi aberta ao TCE. A figura jurídica do Sigilo Fiscal é um instrumento utilizado para esconder o jogo de desigualdades e de injustiças tributárias. Tudo é feito para que institutos de pesquisas não consigam construir um panorama abrangente do sistema fiscal brasileiro. A ideia é que um não saiba o que o outro está ganhando. E tudo fica camuflado no pântano sombrio dos acordos de gabinete (feitos com os amigos do rei). Por outro lado, esse sistema perverso não é frontalmente combatido porque muita gente, lá no seu íntimo, quer mesmo é tirar proveito da situação. Cada um corre pra garantir o seu lado. O resultado está aí, na forma da tragédia fluminense, que pode ser o prenúncio duma onda a varrer o país inteiro. Quem sabe, talvez, lá debaixo dos escombros alguém possa enxergar o óbvio.









quarta-feira, 26 de outubro de 2016

É HORA DO TRABALHO SÉRIO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 26 / 10 / 2016 - A272
Artigos publicados

O Brasil é o país do discurso. Reuniões e conferências são marcadas pela disputa de quem fala mais bonito. Depois que a festa acaba os assuntos discutidos e os compromissos firmados perdem substância até cair no esquecimento. Por exemplo, impressiona a gigantesca quantidade de debates relacionados à reforma tributária sem que nenhum órgão fazendário tenha movido uma palha para racionalizar suas normatizações ensandecidas. Em vez disso, a coisa toda só piora com o passar do tempo. E o fato mais curioso dessa história é que o próprio Fisco se faz presente nesses ditos encontros.

É bom lembrar que nenhum desarranjo institucional perdura sem a cumplicidade de grupos com extensa capilarização social. A própria corrupção é o exemplo mais ostensivo. Ela se mantém pujante e enraizada porque, no fundo, a maioria esmagadora apoia esse sistema (de uma forma ou de outra). Isso acontece quando os interesses pessoais são colocados acima de qualquer outra questão moral. O funcionário da loja passa informações vitais para um grupo criminoso praticar um assalto que culmina na morte do patrão. A polícia faz uma investigação meia boca porque o caso não repercute na mídia. Por conseguinte, o agente provocador da tragédia segue sua vida na mais absoluta normalidade. Por outro lado, um grupo de grandes empresários apoia a reeleição dum político envolto em crimes pavorosos, mesmo cientes do esperado desastre social provocado pela votação. O que importa mesmo são os ganhos imediatos e pessoais. O resto que se dane.

Impunidade, foro privilegiado, regalias, gastos públicos astronômicos; tudo isso só existe pela cumplicidade de segmentos da sociedade. O motivo está nas relações espúrias e incestuosas entre o público e o privado, bem como na expectativa de ganhos ou vantagens futuras. Ninguém tem coragem de dizer NÃO (não à corrupção, não à bandalheira, não à demagogia, não ao descaramento etc.). E assim seguimos afundando na lama da degradação institucional, com escândalos sistemáticos pipocando intermitentemente nos diversos canais midiáticos.

Pois é. Acontece que nos últimos tempos os efeitos perversos desse sistema doentio se intensificaram de tal modo que o alagamento deixou de ficar restrito ao porão do navio. O temor geral é de que todos morram afogados. A cada dia que passa as circunstâncias evidenciam um absoluto descabimento de práticas condenáveis. A corrupção se transformou num monstro incontrolável, e, por tal motivo, o grande contingente de cúmplices e avalistas está aos poucos percebendo que é hora do trabalho sério. É hora de dizer não quando o momento for de dizer não. É hora de cobrar seriedade no trato da coisa pública. É hora de construir uma força nacional suficientemente grandiosa para esmagar os joguetes e as manobras sofismáticas de agentes maliciosos que infernizam a vida das empresas e o cotidiano do cidadão comum.

A reforma tributária é perfeitamente viável, desde que se mobilize um exército de profissionais e técnicos capazes de destrinchar a maçaroca de normatizações e, a partir desse trabalho, propor modificações oportunas. A pressão sobre os congressistas deveria sair das mãos do poder executivo e passar para o controle do eleitor. Os empresários podem, perfeitamente, capitanear esse movimento. Basta haver união e coragem para encarar o desafio. A briga também deve contemplar o combate aos desmandos das regalias e da bandalheira generalizada dos salários e das vantagens astronômicas de agentes públicos. É bom lembrar que TODOS os pilares da nossa gestão pública estão corroídos pelo cupim da ineficiência e do descaso. Para completar o pacote de desgraças, o Poder Judiciário vive embrulhado em graves suspeitas de venda de sentenças. Quando, em 500 anos, um juiz resolveu fazer o seu trabalho direito, a nação foi sacudida pela Operação Lava Jato. Imagine então se cada magistrado desse país fizesse metade do trabalho do sr. Sérgio Moro!! Se isso acontecesse, noventa por cento dos nossos problemas seriam solucionados.

Parafraseando o lendário General Temístocles, “devemos perseverar como nação ou morreremos agarrados aos nossos próprios interesses”. A lei da esperteza e do jeitinho, que leva um, a passar a perna no outro, só fortalece o Estado Bandido. A Alemanha se reergueu a partir dos escombros da guerra para chegar ao topo do mundo. Será que fez isso se comportando como os brasileiros?!! Com certeza, NÃO. E ainda nos deu uma aula de organização na copa do mundo, mostrando que o resultado vem a partir do trabalho conjunto, e não do egoísmo ou do discurso demagógico. 








terça-feira, 18 de outubro de 2016

MODELO FISCAL EM CONSTANTE EVOLUÇÃO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18 / 10 / 2016 - A270

A mitológica figura do guarda-livros foi extinta, mas seus despojos ainda não estão plenamente fossilizados. Muitos continuam acreditando que a função do Contador é catalisar as ações mirabolantes da administração de modo que tudo fique bonitinho aos olhos das agências reguladoras governamentais. O Contador seria um alquimista – no seu escritório, várias bruxarias são desenvolvidas a partir da papelada recebida dos clientes.

Ainda é muito comum o seguinte procedimento: A empresa segue o mês juntando numa caixa toda a documentação contábil, fiscal, trabalhistas etc., que posteriormente é despachada para o escritório de contabilidade. Chegando ao seu destino, o pacote passa por uma garimpagem a fim de serem formatadas as estruturas de registro e de controle exigidos por lei. Isso significa que os processos ocorridos no período podem ser interpretados erroneamente, uma vez que o Contador não estava presente em cada evento ou fato administrativo. O Sistema Contábil é o mais prejudicado por esse modelo, visto que a qualidade dos registros está vinculada à intenção existente por trás de cada evento patrimonial. Por exemplo, uma sala comercial adquirida para ser posteriormente comercializada não pode ser registrada nas contas de Ativo Fixo e sim no grupo de Investimentos, já que o bem comprado era objeto de especulação imobiliária.

A evolução dos mecanismos de controle fiscal jogou um balde de água fria nesse modelo anacrônico de serviços contábeis. Até mesmo porque ao longo de décadas a nossa contabilidade sempre foi tratada como um mal necessário. O Contador era visto como uma figura exótica, paga pra fazer lá não se sabe o quê. Os vários livros e documentos produzidos tinham um só destino: a Fiscalização. Pra gestão da empresa ou pra alavancar os negócios, o Contador não contribuía com nada. O aperto dos Entes Fazendários passou a dificultar em muito a tal alquimia fiscal e contábil. Os feitiços foram diminuindo, diminuindo, até que hoje muitos registros são relatos fidedignos de operações reais.

Lamentavelmente, a realidade do nosso sistema tributário é pavorosa. Antes, muita gente não se dava conta disso porque tudo era “ajeitado”. Agora, é preciso observar as maluquices normativas das nossas leis transloucadas. Ou seja, qualquer pisada de bola é fatal. Meses atrás, um satélite da Honda foi autuado pela SEFAZ em 700 mil reais por causa dum ÚNICO erro em meio à montanha de normas rigorosamente observadas. Isso mostra o quão ingrata é a profissão de Contador. Um erro em duzentos mil acertos pode destruir negócios e empregos, mas o agente fiscalizador tem plena autonomia para se chafurdar nas normas legais ou violar o ordenamento jurídico ou achacar ou fazer cobranças indevidas que ninguém é responsabilizado. Temos um dos ambientes de negócios mais arriscados do mundo. Os grandes investidores internacionais só aportam por aqui depois de conseguir vantagens absurdas, como é o caso dos juros criminosos do cartão de crédito ou vastos incentivos fiscais para conglomerados econômicos. Claro, óbvio, quem paga a conta de tantas benesses aos estrangeiros são as empresas brasileiras.

Por conta dos riscos fiscais, as empresas já estão capacitando seus funcionários para interpretar as particularidades dos documentos fiscais e, com isso, alimentando o sistema de estoque em conformidade com a situação tributária específica de cada item do DANFE ou do arquivo XML. Tal procedimento encurta em muito o tempo de análise no escritório de contabilidade. Também, promove uma drástica diminuição de riscos de penalidades aplicadas por agentes fazendários.  Esse modelo está transformando Contadores em Gestores de Processos Empresariais, ao passo que o cumprimento de obrigações relacionadas ao SPED está aprimorando a qualidade do Controle Interno dos Clientes.

Agora, mais um avanço tecnológico está em curso. Antes, o objetivo da capacitação dos clientes era receber os registros das mercadorias organizados de modo que houvesse pouquíssimos problemas de validação no PVA. O novo desafio é receber os arquivos já validados pelo PVA do SPED. Para tanto, mais investimentos devem ser despendidos na capacitação de Almoxarifes, Faturistas e até mesmo o pessoal de Vendas e do Financeiro. Tal modelo de gestão administrativa envolve também o SPED Contábil. O fato é que estamos caminhando para a extinção do papel na prestação de serviços contábeis.









terça-feira, 11 de outubro de 2016

ESTEREÓTIPO DO POLÍTICO BRASILEIRO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 11 / 10 / 2016 - A269

Eventos depreciativos relatados na minissérie Justiça, da Rede Globo, mexeram com os brios de policiais do Rio de Janeiro que protestaram contra a emissora. Reações semelhantes acontecem em outras classes de profissionais quando se sentem ofendidas. Enquanto a Globo retratou um policial vingativo que esconde drogas no quintal da vizinha, outras produções achincalham sem dó nem piedade a politicada em geral. Novelas, filmes, livros, humorísticos e até a internet costumam descrever o político como a pior das criaturas presentes na face da terra. Nenhum outro animal consegue ser tão destrutivo. Nem terroristas, nem tigres famintos, nem uma nuvem de gafanhotos, nem o mosquito da dengue. Nada se compara à devastação provocada pelo Homo Polítikus, que destrói a saúde pública, mata empregos, aniquila a economia do país etc. Interessante, é que, no caso do policial, o alvo dos autores foi um aspecto específico do caráter humano. Mas quando se trata do político, o esculacho é total. Os personagens asquerosos são de todo ardilosos e repulsivos, como se fossem deformidades da natureza, já que não possuem nenhum tipo de empatia ou senso moral. Resumindo, nada de bom pode ser aproveitado. O pior de tudo é que, quanto mais se bate nessa tecla, mais enojada fica a população com todo o sistema. Principalmente, quando os políticos da ficção teimam em figurar nos telejornais algemados ou envolvidos em coisas muito mais pavorosas. Como resultado, em algumas grandes regiões do país, mais da metade dos votantes anulou sua escolha ou simplesmente se absteve.

Notícias alardeadas de políticos envolvidos em crimes de corrupção, homicídios, milícias, tráfico e demais práticas hediondas não incomodam em nada os respectivos partidos dos denunciados. Raríssimamente se vê um partido defendendo seus membros ou pedindo desculpas na TV. Mais raro ainda é haver expulsão de elementos ruins dos seus quadros quando as denúncias envolvem muito dinheiro. Tanta desfaçatez silenciosa evidencia um clima de anuência e alinhamento com práticas insólitas das mais variadas. Qualquer pessoa que se deter um pouco na observação de alguns movimentos dos partidos políticos vai perceber um forte cheiro de enxofre no ar.

Os partidos não punem e seus membros se recolhem nas suas tocas esperando a poeira baixar. Tudo fica quieto. Até o vento para de soprar. Enquanto isso, os programas humorísticos e as novelas estraçalham a imagem do político, mas ninguém ousa levantar a voz para defender o colega. Nenhum sindicato ou associação de políticos vem a público dizer que seus membros são injustiçados por segmentos da sociedade que atacam a conduta de homens puros de coração e de honestidade incontestável. Por esses dias a declaração do Lula se transformou na maior piada do país porque ele teve a cara de pau de dizer que o político é honesto. Essa declaração aniquilou o que restava do PT. Ou seja, quem quiser ser achincalhado e por a carreira política em risco é só falar em honestidade na frente das câmeras.

O fato é que as vísceras putrefatas do sistema político estão expostas ao sol do meio dia. E, lamentavelmente, a maioria da politicada não se deu conta disso. As criaturas continuam nos mesmíssimos esquemas de sempre, explorando exaustivamente tudo e a todos, como uma praga de gafanhotos a devastar uma plantação inteira. O recado das urnas não foi suficiente porque o vício da corrupção é muito mais forte. No Brasil, o súbito aumento do patrimônio em 50 vezes não é alvo de suspeitas e sim, da inveja de quem não teve estômago para roubar.

O sistema predatório da nossa política saqueia o país há muito tempo, alimentando grupos de influência e cooptando meio mundo de instituições para se alinharem a projetos de poder partidários. A face mais ostensiva dessa prática se revelou no processo do impeachment, onde o esquema foi cuidadosamente costurado por uma infinidade de mãos habilidosas e maquiavélicas. O choque titânico de quem queria entrar com quem não queria sair produziu raios, trovões e abalos sísmicos na crosta terrestre. No final, um grupo foi decapitado e o outro assumiu o trono. A pergunta que fica é a seguinte: Por que as batalhas são tão vorazes e sangrentas? Por que tantos morrem e matam? A resposta está na Operação Lava Jato. Ou seja, a vez de um passou e agora é a vez do outro mamar nas tetas cheias de dinheiro. Daqui a alguns anos testemunharemos escândalos ainda maiores. É sempre assim. Essa é a sina do povo brasileiro.





quinta-feira, 8 de setembro de 2016

SISTEMA MUITO ELÁSTICO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 9 / 9 / 2016 - A266
Artigos publicados

O cargo de vereadora na cidade de Dracena foi conquistado com apenas um voto pela candidata Aline de Oliveira. Esse é apenas um exemplo de como funciona o nosso conturbado ambiente legal. Desde o agitado escândalo do Mensalão, passando pelo rebuliço da Lava-Jato e agora com a farsa do Impeachment, o país vem aos poucos enxergando cada uma das facetas que compõem o nosso sistema político e, de quebra, o enrosco normativo de um sistema jurídico entulhado de gambiarras e altamente vulnerável aos interesses daqueles que se colocam acima da lei. Na verdade, já de muito tempo estamos vivenciando uma permanente convulsão interpretativa da legislação por causa de disputas políticas. Toda essa beligerância irresponsável aprofunda o nosso agudo quadro de insegurança jurídica, e consequentemente quebra as pernas dos agentes econômicos. Efeito imediato de tantos desmandos: investimentos congelados, desemprego em alta, arrecadação em baixa, degradação social etc.

Quando todo mundo aguardava o desfecho do impeachment para respirar uma atmosfera mais aliviada de poluentes ideológicos, eis que os senadores resolveram costurar um acordão na frente das câmeras de TV, de tal sorte que a Constituição Federal ficou posicionada dois níveis abaixo do Regulamento Interno do Senado. Daí, que, discussões sobre isso e aquilo, certo e errado, legal e ilegal, polarizaram debates inflamados de gente que pouco se importa com a estabilidade do país.

Na época do escândalo do Mensalão, os famosos Embargos Infringentes, escarafunchados nos subterrâneos interpretativos do STF, confirmaram a tese espantosa de que tudo pode ser ajustado às conveniências do momento. A elasticidade do sistema é tamanha que nada é o que parece ser. Em outras palavras, no Brasil, a lei é feita para os outros. Até mesmo a teledramaturgia corrobora com essa lamentável constatação. Na minissérie Justiça, uma renomada professora de Direito é totalmente descrente do sistema. Produções desse tipo deixam o telespectador ainda mais amargurado e desesperançado.

Temos agora uma nova palavra de grande impacto semântico, que é FATIAMENTO. O tal fatiamento da votação no Senado criou um esdruxulo imbróglio jurídico que agravou ainda mais o já elevado nível de incerteza quanto à solidez das nossas instituições. Representantes políticos de todos os matizes enlouqueceram depois do histórico 31 de agosto, adicionando mais demandas judiciais à já abarrotada Corte Suprema. O pior de tudo é que o chafurdo legal, temperado com diversas manobras espúrias, fragilizaram por demais a imagem do STF. A inquietação de diversos setores da sociedade é intensificada pelo excesso de manifestações públicas de Ministros do Judiciário, de tal modo que suas opiniões pessoais são transformadas em fofocas de comadres por grande parte da mídia sectária.

É justamente nesse cenário desolador que se encontra o setor produtivo. As empresas estão atoladas no ardiloso pântano de regulamentações desencontradas, e, dessa forma, sujeitas a todo tipo de intempéries e humores dos agentes públicos. Qualquer pessoa minimamente esclarecida sabe muito bem que lei nenhuma merece confiança e que, por isso mesmo, teme ser envolvida em alguma demanda judicial. Dentre tantas regulamentações, as normas tributário/fiscais são as mais perigosas. O monumental agigantamento de obrigações superpostas e repetitivas gera uma burocracia indecifrável, que no final das contas, confere superpoderes ao Fisco. Esse perverso sistema inviabiliza qualquer tipo de medida profilática que possa manter o patrimônio a salvo das investidas de agentes maliciosos.

A legislação tributária é uma cria do nosso conturbado ambiente legal. Daí, que nenhuma regra possui clareza suficiente para esgotamento das dúvidas relacionadas à operacionalização do texto normativo. De certa forma, o empresariado tem sua parcela de culpa na criação desse monstrengo por ter deixado a coisa chegar nesse ponto. Essa mesma classe empresarial pode exigir racionalidade e clareza dos legisladores tributários. Basta tomar uma atitude coordenada entre todas as entidades representativas do setor produtivo. 





terça-feira, 30 de agosto de 2016

NOVOS IMPOSTOS PARA NOVOS CORRUPTOS


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 30 / 8 / 2016 - A265

A presidente Dilma cercada de ratos estampou as páginas do New York Times. A charge evidencia o fato de que sua conduta é a menos delituosa de todos, visto que a maioria dos senadores está envolvida em processos judiciais, e os demais são suspeitos de deslizes morais e legais. A fala destemperada da senadora Gleisi Hoffmann escancarou a grave crise moral do nosso sistema político ao desqualificar seus colegas congressistas.

O Brasil inteiro está em compasso de espera, por conta do tumultuado julgamento que irá consolidar o atual presidente Temer no comando do país. Os agentes econômicos aguardam uma definição do cenário político para reativar projetos de investimentos e de geração de empregos. Para tanto, faz-se necessário o afastamento do PT e a subsequente correção de tantos desmandos administrativos perpetrados pela gestão lulopetista. O problema está no modus operandi, no caminho escamoteado que os adversários estão trilhando para chegar ao objetivo final de derrubar uma presidente escolhida pela maioria da população. O PMDB sabe que esse é o único jeito de estar na presidência da república. Paralelamente, grandes esforços são empreendidos na tentativa de inviabilizar o retorno do Lula em 2018. Na percepção de expressiva parcela da população carente, Lula foi o único político que ajudou os pobres. Sendo assim, nenhuma outra figura pública reúne predicados suficientes para causar o arrebatamento das massas. Daí, a raiva que muitos têm do PT. Motivo: ninguém mais consegue chegar ao coração do pobre.

O jornal El País afirmou que o julgamento é uma farsa, uma vez que a condenação já foi decidida previamente. Isso significa que o ritual do impeachment é puro teatro pra inglês ver – uma maneira de justificar para o mundo que o poder não foi tomado na mão grande. Novamente, a conduta dos senadores foi questionada. Na verdade, toda a imprensa internacional continua batendo na mesma tecla. Isto é, como pode um monte de gente atolada até o pescoço em acusações de crimes gravíssimos, condenar alguém por um erro infinitamente menor? Nesse sentido, a senadora Gleisi Hoffmann está coberta de razão.

O processo de acomodação da nova estrutura de governo vai resultar num aumento das práticas corruptas. É fato notório que o novo governo está promovendo uma faxina geral nos cargos de diversos escalões da gestão federal. Ou seja, um batalhão de gente está saindo e outro grande contingente de ávidos servidores está chegando com uma sede monumental de dinheiro e de poder. Como aconteceu nos primeiros tempos da era petista, toda a massa de nomeados carrega uma ansiedade virulenta de fazer e acontecer. O resultado desse destempero é um aumento convulsivo nas práticas delituosas. Por isso é que o ministro Henrique Meirelles vem reiterando seus alertas para o aumento dos impostos, justamente para cobrir os desvios já previstos pelo novo governo.

Engana-se a pessoa que inocentemente acredita na redução do nível de roubalheira no país. Todo o estardalhaço da Operação Lava Jato não é capaz de inibir a vontade louca de roubar. Basta dá uma olhada no conteúdo das campanhas políticas veiculadas na televisão. Impressiona o fato de ninguém apresentar uma proposta nova; todo mundo repete o batido e surrado discurso dos políticos de outrora. A diferença está na quantidade de eleitores que consegue enxergar o lado demagógico do palavreado fatigante dos candidatos. A corrupção não diminui porque o ato de roubar ainda é um excelente negócio – mesmo com a pressão da Polícia Federal. As penas ainda são pontuais e muito suaves. O próprio sistema jurídico permite que o ladrão se defenda com o dinheiro roubado. Esse mesmo sistema não quer saber da origem do patrimônio dos investigados e, de certa forma, o mega ultra super bandido é tratado como celebridade e ainda é alvo de respeito e admiração daqueles que invejam a conta bancária do criminoso. Por mais esquisito que possa parecer, é assim que a coisa funciona no Brasil.

Por conta de tantas deformações morais e legais que consome o país, é de fundamental importância lutar pela aprovação do projeto do Ministério Público DEZ MEDIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO. Por enquanto, único instrumento capaz de frear a sanha delituosa de políticos e de outros agentes criminosos. O congresso e outras forças sobrenaturais estão fazendo uma pressão enorme para derrubar esse projeto do MP. Muita gente grande vem combatendo ferozmente cada uma dessas medidas moralizadoras da gestão pública. Claro, óbvio, a intenção dos bandidos é preservar a estrutura corruptiva enraizada no coração da república brasileira. As forças são poderosas, mas a vontade popular sempre prevalece. Falta a nós, justamente a manifestação dessa dita vontade. 





terça-feira, 28 de junho de 2016

NO PAÍS DAS MARAVILHAS TRIBUTÁRIAS

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 28 / 6 / 2016 - A257

Depois de um ano economizando os trocados do lanche e o dinheirinho do cinema eis que chega o grande dia. O filho todo ansioso acompanha o pai na gloriosa missão de comprar o tão desejado videogame. Preço: R$ 280,00. Quando o pai chega ao caixa para efetuar o pagamento é impactado pela imagem dum taciturno elemento de olhar congelante postado atrás da funcionária da loja. Como já era conhecedor do esquema, o pai entrega R$ 280,00 para a moça do caixa e logo em seguida retira do bolso mais R$ 720,00 que imediatamente é puxado pelo sujeito mal-encarado. Os compradores voltam felizes para casa, mas ao mesmo tempo refletindo sobre o destino da maior parte do dinheiro gasto na operação. À noite o pai teve um pesadelo. Sonhou com um homem gordo, de olhar esbugalhado comendo e comendo sem parar, morando numa hiper ultra mega mansão cheia de vinte carros, trinta faxineiras, quarenta mordomos, cinquenta motoristas etc. Lá, pelas tantas, um mensageiro adentra a mansão portando um envelope a ser entregue ao gordão. Na sequência, o zoiudo abre o dito envelope, retira o pacotinho de 720 reais e o coloca no bolso. O pai acorda todo suado e gritando ladrão, ladrão, ladrããooooo....!!!

Pela manhã, a esposa preocupada com o rebuliço da noite anterior, pergunta ao marido o motivo de tanta gritaria. Quando ele expressa sua indignação com o imposto pago pelo videogame, ela pede calma e o lembra da compra do carro da família. Para retirar o veículo da loja foi preciso, antes, ir até a secretaria de fazenda para pagar o imposto de R$ 17.600,00. Só com o comprovante desse pagamento foi possível ir pra casa dirigindo após o desembolso de mais R$ 22.400,00 pela efetiva aquisição do carro. Talvez o motivo do pesadelo estivesse na visão do imposto corporificado numa figura humana asquerosa, concluiu a esposa.

Nesse país, os tributos eram pagos dessa forma: Qualquer aquisição obrigava o consumidor a fazer dois pagamentos – um, para o vendedor e outro para o Fiscal do Governo. Ninguém escapava da implacável vigilância. Essa prática draconiana causava certo constrangimento na prestação de alguns serviços. Por exemplo, a garota de programa era obrigada a atender seu cliente sob os olhares pecaminosos do Fiscal, que logo depois embolsava a parte monetária do ato carnal. Nesse caso, o Governo fornecia luvas ao funcionário público e ainda pagava adicional de insalubridade. A presença do agente arrecadador era necessária em cada operação comercial, uma vez que o Fisco não confiava na honestidade do contribuinte. Ou seja, qualquer vacilo e a sonegação era certa.

Nesse país surreal, a taxação sobre consumo era escorchante. O Governo ficava com 57% da gasolina consumida, bebia 46% do refrigerante, confiscava 43% do sabão em pó, embolsava 45% da conta de energia elétrica, surrupiava 60% do fogão micro-ondas, se embriagava com 56% da cerveja, se embelezava com 70% da maquiagem e fumava 90% do cigarro. Em meio a tanto imposto, milagrosamente, o tambaqui escapava do bombardeio tributário. Só que nesse dia, o comprador do videogame ainda atordoado com o pesadelo da noite anterior, pediu para o pescador cortar o peixe em pedaços para facilitar o preparo. Só que, na hora de pagar, lá estava o Fiscal da Sefaz exigindo 5% de ICMS porque o inciso X do parágrafo 5 do artigo 2 diz que a isenção só vale para peixe inteiro e sem vísceras.

O tempo foi passando, o modelo tributário foi cansando e revoltando a população. O problema não era tanto o tamanho da mordida. A reclamação estava na destinação do dinheiro arrecadado. O povo acabou sabendo que o presidente afastado do Congresso consumia meio milhão de reais com mordomias diversas. A população soube também que havia juízes recebendo mais de R$ 100.000,00 de salário, fora algumas indenizações de R$ 300.000,00. Até garçom de senador ganhava o equivalente ao salário de dez professores. Tinha ainda licitação para compra de lagosta e prataria destinadas à sede do Governo no valor de R$ 5.000.000,00. Mas a grande descoberta veio com o desequilíbrio contributivo. Os mais ricos do país não pagavam imposto sobre dividendos. Os conglomerados econômicos eram cheios de desonerações fiscais e a taxação sobre grandes heranças era de 2%, enquanto que na França, 60%.

Para conter o iminente levante da indignação social o Governo aboliu os Fiscais, substituindo-os por um sistema chamado SPED, que tinha a mesma eficiência fiscalizatória. Em seguida, convocou todos os pacientes de hospitais psiquiátricos para reescrever a legislação tributária, de modo que ninguém pudesse entender uma só palavra. Quanto aos impostos, estes foram escondidos dentro das mercadorias. A partir dessa reformulação administrativa o videogame passou a custar R$ 1.000,00 e o carro R$ 40.000,00. Só quem sabia da engenhosa artimanha eram os Contadores, sobre os quais o Fisco cuidou de jogar toda a culpa pela desordem tributária. O pior é que os empresários engoliram a isca, passando a reclamar sempre do Contador e nunca do Governo.


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terça-feira, 21 de junho de 2016

TIRIRICA PRESIDENTE


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 21 / 6 / 2016 - A256

Seu Cândido fumou a vida inteira sem que tal hábito comprometesse suas atividades rotineiras. Sempre bem humorado e disposto, eis que lá pelos 50 anos de idade começaram a surgir vários problemas de saúde, como indisposição crônica, tosse persistente, cefaleia, gastrite etc. Tempos depois veio uma bronquite, uma úlcera e um agressivo câncer de pulmão. Parece que tudo aconteceu ao mesmo tempo. Aquele homem forte e dinâmico estava na lona. Tantos desatinos poderiam ter sido evitados, mesmo porque amigos e familiares não cansavam de alertar o Seu Cândido para os riscos do cigarro.

Pois é. O cigarro do brasileiro é a corrupção. Depois de décadas queimando uma tragada atrás da outra, eis que as consequências dessa prática corriqueira explodiram numa interminável sucessão de escândalos cabeludos e aterradores. Nesse momento estamos na UTI, acometidos de uma metástase cancerígena. A gravidade do momento é tamanha que muito se diz ser a maior crise da nossa história. Não é pra menos. A corrupção, tolerada, escamoteada, tergiversada, vinha de longa data se expandindo e contaminando todas as células do poder público, sendo que nos últimos tempos a coisa ganhou uma aceleração desembestada, como um agressivo câncer terminal. O governo interino, que poderia acenar para uma moralização administrativa, chegou cercado de denunciados em irregularidades diversas, mostrando assim que o combate à corrupção não é um assunto prioritário. Dessa forma, fica a impressão de que as forças políticas insistem na manutenção do velho modelo que encheu o bolso de muita gente com dinheiro sujo.

Fato venério (como diria Paulinho Gogó), ninguém quer seriedade no trato da coisa pública; ninguém quer desgrudar a boca da teta, mesmo com a vaca cambaleando. Um bom exemplo é a modificação do projeto que limitava a influência política nas diretorias de estatais. Outra situação absurda: Assistimos de camarote à feroz resistência dos parlamentares ao projeto do Ministério Público “Dez Medidas Contra a Corrupção”. Impressiona o descaramento desse pessoal: O mundo desabando sobre suas cabeças e mesmo assim os dentes das criaturas hediondas se mantêm cravados no osso da bandalheira. Se fizermos um exercício de abstração, iremos concluir que roubo e política representam um único corpo, com quatro braços, duas cabeças e um só estômago. Impossível separar uma coisa da outra.

Por que os políticos são radicalmente contra o projeto do Ministério Público? A resposta está na proposta apresentada ao Congresso Nacional: 1 Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação; 2 Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos; 3 Aumento das penas e crime hediondo para corrupção de altos valores; 4 Aumento da eficiência e da justiça dos recursos no processo penal; 5 Celeridade nas ações de improbidade administrativa; 6 Reforma no sistema de prescrição penal; 7 Ajustes nas nulidades penais; 8 Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa dois; 9 Prisão preventiva para evitar a dissipação do dinheiro desviado; 10 Recuperação do lucro derivado do crime. Sabemos todos nós que o plantel atual de políticos não vai aprovar nenhuma dessas medidas. Sabemos também que o universo político vai se unir para derrubar todas essas propostas. Daí, que aqueles movimentos organizados que saíram às ruas para impichar a Dilma bem que poderiam peitar os opositores do Ministério Público. Talvez essa possa ser a maior luta da nossa história.

Dia 17, último, na solenidade de posse da nova diretoria da ACA, o prefeito discorreu sobre sua gestão e suas batalhas em defesa dos interesses da capital amazonense. Por breves momentos, a plateia foi envolvida e arrebatada pela consistente apresentação de tantas realizações da atual gestão. Fato indiscutível, o chefe do executivo municipal é um homem erudito e um grande líder. Foi gratificante a sensação de ver um gestor público prestando contas na frente da sua grande equipe de auxiliares. Pena que logo depois nos lembramos do estado terminal do corpo político. Pena que estamos tão escaldados. Não fosse isso, poderíamos ter ido embora carregando o sentimento de que não existe corrupção na nossa cidade.

Em meio ao mar de lama que borbulha nos canais midiáticos fica a dúvida: Em quem confiar? Em quem votar? O castelo de cartas desabou totalmente, não sobrando nada que possa ser aproveitado. Nenhum discurso, por mais belo que seja, é capaz de afastar a nuvem negra que paira sobre nossas cabeças. A coisa tá tão feia que o Deputado Tiririca seria eleito presidente do Brasil se assim o quisesse. Mesmo porque, corre na internet a notícia da expulsão com empurrões e xingamentos de um operador do petrolão que queria trocar seu apoio por uma mala de dinheiro. Esse fato é único em toda a história do Brasil: um político sem etiqueta de preço pendurada no pescoço. Só por isso a população votaria em massa no Tiririca. Afinal de contas, político honesto é a raridade da excepcionalidade. 



terça-feira, 3 de maio de 2016

ST REQUER ATENÇÃO ESPECIAL


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 3 / 5 / 2016 - A252

As mudanças ocorridas nas regras da substituição tributária do ICMS merecem atenção especial pelo rebuliço delas decorrente. A principal modificação está na troca do código NCM pelo CEST nos processos de enquadramento de produtos nesse regime tributário. O código NCM sempre foi um constante gerador de conflitos por causa da sua limitada capacidade de absorção da quantidade infinita de mercadorias existente no país. O Convênio 92 de 2015, que criou o CEST, organizou uma série de produtos em segmentos econômicos, reduzindo drasticamente as possibilidades de interpretações subjetivas. O problema é que a migração de um sistema para o outro requer uma cuidadosa interferência nas configurações dos cadastros de produtos. E isso é muito trabalhoso, tanto para as pequenas quanto para as grandes empresas. Tais dificuldades se estendem para as secretarias de fazenda estaduais, que também estão obrigadas a reconfigurar seus mecanismos lógicos de cobrança do ICMS ST.

A SEFAZ AM, como sempre, saiu na frente dos outros estados, ajustando sua legislação, mas ainda tropeçando em alguns aspectos conceituais das novas regras. Ao que parece, teremos que percorrer um longo caminho até a consolidação das regras promovidas pelo dito Convênio 92. De qualquer forma, o comerciante precisa ficar atento às cobranças de ICMS lançadas no seu Domicílio Tributário Eletrônico (DTE), uma vez que todas as Resoluções GSEFAZ vigentes até o final de 2015 foram revogadas. As doze novas Resoluções criadas especialmente para o atendimento do Convênio 92 acabaram por misturar Resoluções com Convênios com Protocolos. Coisa que não existia anteriormente. Daí, o cuidado redobrado com possibilidades de excesso de tributação. Mesmo porque, a nossa SEFAZ é viciada em cobranças indevidas.

O que mais chamou atenção do contribuinte foi o drástico enxugamento do Anexo II pelo Anexo II-A, que ficou resumido a 28 itens. Até o ano passado, tínhamos 59 itens de categorização de produtos numa estrutura inchada, mas razoavelmente lógica, visto que cada item estava vinculado a dispositivos complementares das regras de enquadramento e cálculo das mercadorias sujeitas ao sistema ST. Eram 40 Protocolos e Convênios descritos nessa dita estrutura, complementados pelas Resoluções GSefaz. Protocolos, Convênios e Resoluções estavam cada um no seu quadrado, não invadindo o terreno do vizinho. Daí, o baixo risco de dupla tributação. O Anexo II-A suscitou uma série de dúvidas por quebrar esse ordenamento jurisdicional, uma vez que vários produtos listados nas novas Resoluções também constam em Protocolos e Convênios, tais quais bebidas, álcool combustível, cimento, tintas, tubos, pneus, telhas, chaves etc.

Da mencionada lista de 40 Protocolos e Convênios, sobreviveu apenas o Protocolo 41. Os itens 8, 9, 10, 22, 23, 24 e 26 ficaram órfãos. Ou seja, sem nenhum dispositivo normativo vinculado, tal qual havia até ano passado. Em consulta a SEFAZ, descobriu-se que tais dispositivos normativos vinculantes existem. Apenas não foram publicados oficialmente. E que, na realidade, são os mesmos de sempre. Mesmo assim, há de se reconhecer o empenho da nossa SEFAZ na tarefa de ajustamento normativo, fato singular se considerarmos o país como um todo.

De qualquer modo, é bom ficarmos cientes de que estamos numa travessia rumo ao novo modelo de cobrança de substituição tributária do ICMS. Daqui até a conclusão desse processo, teremos remexida uma infinidade de disposições normativas desse sistema. Enquanto isso, segue a prática da utilização do código NCM no processo de notificação via Domicílio Tributário Eletrônico. Na esteira, seguem juntos os velhos e persistentes conflitos resultantes das limitações desse dito código. Por exemplo, o NCM 21069090 consta no item 16 da Resolução 30 com MVA de 50% e também consta no item 115 da Resolução 41 com MVA de 100%. Há casos semelhantes com os NCM 69120000, 39241000, 22029000, 19019090 etc. Isso significa que a SEFAZ está constantemente efetuando cobranças indevidas por causa dos conflitos que ela mesma criou. E claro, como todos nós sabemos, o valor cobrado é sempre o maior, cabendo ao contribuinte a tarefa de fazer os questionamentos pertinentes. Alguns contribuintes são cuidadosos na análise das suas notificações, mas meio mundo de gente só paga e paga. Paga tudo que cai no DTE sem analisar nada. E claro, paga além do devido.