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quarta-feira, 1 de julho de 2015

IMPÉRIO DA NEGLIGÊNCIA

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Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 30/06/2015 - A216

No dia 8 de outubro de 2013 o prefeito carioca Eduardo Paes comunicou à impressa o sumiço de seis vigas de aço, as quais foram furtadas de um terreno pertencente ao Governo do Estado do Rio de Janeiro – cada uma delas com 40 metros de comprimento e 20 toneladas de peso. Movimentar objetos tão grandiosos exige uma complexa e demorada logística. Mas, por incrível que pareça ninguém viu nada. Ninguém viu as vigas sendo içadas por enormes guindastes, ninguém viu um trambolho monstruoso sendo transportado por caminhões possantes ao longo de várias ruas e avenidas. É como se um elefante visitasse o shopping sem ser notado. E até onde se tem notícia, as vigas não foram encontradas.

Esse caso das vigas é emblemático por descortinar uma espécie de universo paralelo, onde o crime se desenvolve num ritmo alucinante e num volume incomensurável. E tudo de modo sorrateiro e imperceptível. O Estado de Direito não consegue penetrar nessa dimensão alternativa, como se ela estivesse posicionada no extremo oposto da nossa galáxia. Por tal motivo ninguém é investigado nem punido. Seria um fenômeno explicado, talvez, pelos filósofos metafísicos ou pelos cientistas dedicados ao estudo da matemática quântica, em face da patente e ostensiva incapacidade das autoridades competentes de enxergar os delitos praticados por criminosos de grosso calibre. O cérebro dos agentes da lei está programado para detectar arruaceiros e ladrões de galinha (têje preso!). O juiz Sergio Moro quebrou esse paradigma ao prender políticos e grandes empresários; algo absolutamente inaceitável para alguns especialistas do Direito.

A operação Lava Jato comprovou a existência de um Estado dentro do Estado (enclave). O Brasil possui um Estado Criminoso dentro do Estado de Direito. É como se houvesse uma célula cancerígena para cada célula sadia (dois corpos ocupando o mesmo espaço). Assustadoramente, as investigações vêm desbaratando um colossal e ultra capilarizado esquema criminoso no universo do Poder Público. Os números monetários são descomunais e a quantidade de figurões citados nas investigações surpreendeu até o cidadão mais pessimista: uma patifaria elevada à enésima potência. Para completar o pacote de descalabro, os desdobramentos das investigações vêm colocando à prova o cinismo e a cara de pau daqueles que estão sempre amenizando os odores fétidos de cada um dos toletes atirados no ventilador. É um festival de discursos demagógicos e constrangedores – até a mandioca já entrou nos anais da nossa história política contemporânea. Essa patética situação só evidencia o grau de desespero para tentar distrair a população com fatos pitorescos.

Voltando ao resultado das investigações da Lava Jato, fica no ar uma pergunta: Como é que tanto dinheiro criminoso movimentado por tanta gente safada não foi detectado pelas autoridades competentes? Meses atrás, o comediante americano John Oliver, do programa televisivo Last Week Tonight, teceu severas críticas aos fatos levantados pela operação Lava Jato. Aos olhos dos ianques a história toda é pra lá de absurda; coisa de Coréia do Norte ou Estado Islâmico. Para eles, corrupção é colocar US$ 5.000,00 num envelope e entregar a alguém. Aqui no Brasil a cifra alcança a casa dos bilhões de reais. E tem mais. Toda essa dinheirama transita de mão em mão no mais completo anonimato. Ou seja, nenhum diretor de estatal nota o desfalque, o COAF não associa tais movimentações com lavagem de dinheiro e a Receita Federal não estranha a súbita e estratosférica elevação patrimonial de algumas pessoas. Outros fatos estapafúrdios complementam esse cenário escalafobético, tais quais: Jatinhos particulares viajam pra cima e pra baixo com pesados fardos de dinheiro vivo, valores dos contratos das obras governamentais são reajustados trocentas vezes, financiamento de campanhas políticas é corrupção legalizada, negociatas acontecem à luz do dia com cuecas tufadas de dólares etc., etc.

Pois é. A bandalheira corre solta e absolutamente despreocupada, como se tivesse plena certeza da inércia das autoridades. Dessa forma, há de se questionar: Afinal de contas, pra que serve a instituição policial? Pra que serve todo o caríssimo sistema judiciário? Qual é o papel dos Tribunais de Contas? O que faz o pessoal da Controladoria Geral da União? E as agências de controle governamental? Por que ninguém tomou uma atitude quando a manada de elefantes passeava pela praça de alimentação na hora do almoço?  

terça-feira, 14 de abril de 2015

SILÊNCIO DOS CULPADOS

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Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 14/04/2015 - A207
Artigos publicados

Avaliada em quase US$ 70 bilhões a Enron foi a sétima maior empresa americana. Mesmo assim, 24 dias foi tempo suficiente para sucumbir num turbulento processo falimentar, o qual reunia todos os ingredientes de um gigantesco escândalo administrativo. A maior contribuinte da campanha presidencial do então candidato George W. Bush deixou sem emprego cerca de vinte mil funcionários. E ainda causou um prejuízo aos fundos de pensão na ordem de US$ 2 bilhões. Pouco antes do naufrágio os seus diretores conseguiram embolsar US$ 1 bilhão. A história da Enron é a história da corrupção sinergética, onde todos ajudaram na construção da fraude. Todos que deveriam dizer NÃO aos esquemas se calaram porque havia muito dinheiro transitando na cadeia de interesses que orbitava a companhia. Todos se aproveitaram da situação porque eram partes interessadas na gestão fraudulenta, tais quais, corretores, financistas, especuladores, políticos e toda a nata de Wall Street. Até a revista Fortune afirmou que a Enron era a empresa mais inovadora da América. A coisa foi tão feia que o Nobel de economia Paul Krugman declarou que "nos próximos anos o escândalo da Enron, e não o 11 de setembro, será visto como o grande divisor de águas na história da sociedade dos Estados Unidos".

É muito difícil quebrar esquemas orquestrados por gente poderosa. Uma sardinha que ousa invadir o terreno dos tubarões é imediatamente destroçada. O ambiente social e institucional brasileiro é inteiramente dominado pela corrupção. Traduzindo, um ecossistema corrosivo que não apresenta nenhuma saída ou possibilidade de salvação (a não ser para aqueles que estão conseguindo fugir do Brasil). Os que ficam são obrigados a engolir uma tempestade de eventos ignóbeis a inundar o país com muita violência, impunidade, roubos e todo tipo de desgraça a contaminar o cidadão por inteiro. Os erros são volumosos e intermitentes. Na realidade, tudo está errado: a maluquice das leis, o império da impunidade, o aparelhamento do Estado, a parcialidade da mídia, as relações incestuosas entre o público e o privado, o cinismo dos discursos embusteiros, a corrupção sistêmica, o roubo descarado com toneladas de provas que dão em nada etc., etc.

Assim como no caso Enron, todo mundo sabe dos erros, mas todos se calam em nome do pragmatismo e dos interesses pessoais. Como disse Maquiavel, “àquele que fizer profissão de bondade é natural que se arruíne entre tantos que são maus”. Dessa forma, todos os espertos são engolidos pelo sistema, onde rapidamente aprendem o jogo das aparências e da desfaçatez. Seguir na contramão seria demonstrar falta de profissionalismo a comprometer seriamente as boas oportunidades financeiras que venham a surgir. O cara é bandido, mas é rico. O político é ladrão, mas construiu um hospital. O traficante é perigoso, mas encanta a mulherada com seu carrão...

Os fins justificam os meios, e ética não enche barriga. Quando esses conceitos se alastram de norte a sul ou se expandem na escala de milhões de cidadãos, chega-se por fim a uma sociedade alinhada com toda sorte de perversidades. Tanta deformidade moral é potencializada nos altos escalões da política, onde espetáculos grotescos se multiplicam aos borbotões. É nesse momento que se constata o quão baixo pode chegar o caráter do animal humano. Qualquer indivíduo minimamente decente ficaria enojado com o circo das CPI, onde nada se investiga e onde tudo ganha contornos de uma ridícula ópera bufa. Ou seja, todos sabem exatamente do ocorrido, mas ninguém é doido de fugir do script; as falas são ensaiadas e as atuações se desenvolvem de acordo com a etiqueta da conveniência. Ali, na reunião da CPI, todo mundo conhece o grau de bandidagem do colega, mas dificilmente alguém se arrisca a abrir o jogo, como fez o delator Paulo Roberto Costa.

Podemos dizer que o Juiz Sérgio Moro não é uma sardinha, mas é uma habilidosa piranha de dentes afiados o suficiente para morder o ponto fraco dos tubarões e ainda por cima conseguir sobreviver num ambiente onde os personagens graúdos das relações público privadas estão conectados por fortíssimos laços criminosos. Mais impressionante ainda é a coragem de desafiar um sistema onde a corrupção reina absoluta em todos os quadrantes da nação.

O esquema fraudulento da Enron só foi quebrado com a falência da empresa. Vamos rezar para que possamos subjugar a corrupção sem antes quebrar o Brasil. Talvez precisemos refletir sobre o nosso silêncio e o nosso grau de conivência nisso tudo.



terça-feira, 24 de março de 2015

CONDUTAS ANTAGÔNICAS

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Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 24/03/2015 - A205
Artigos publicados

O poeta austríaco Karl Kraus afirmou que o diabo é um otimista por achar que pode tornar as pessoas piores do que já são.

Na última sexta-feira a TV Globo exibiu uma cena emblemática na novela Babilônia. A invejosa Inês reencontra a “amiga” Beatriz depois de dez anos usufruindo de uma excelente condição social obtida à custa de um vídeo comprometedor da sua “querida amiga”. Agora, novamente a vilã volta à carga com a mesma chantagem. Em jogo, o risco de escândalo conjugal e talvez perda do comando de uma grande empreiteira. A reação da chantageada (outra bandida perigosa) foi surpreendente ao dizer: “– Minha querida Inês, eu admiro a sua coragem de me enfrentar, de guardar um vídeo por dez anos para me chantagear. Isso é um talento. E com uma habilidade dessa eu quero você a meu favor. E aqui, ao meu lado, o seu talento será muito bem aproveitado”. Fato subsequente, a chantagista invejosa acabou se transformando numa aliada e também numa peça fundamental de vários esquemas criminosos envolvendo fraudes em licitações com agentes públicos.

Quando se fala muito duma coisa é porque algo não cheira bem. Uma pessoa que fica o tempo todo dizendo que é honesta transmite aos demais uma impressão oposta. Não é de hoje que se ouve muito zunzunzum em torno da palavra ética. Ética pra cá, ética pra lá, ética nos negócios, ética nas relações profissionais etc., etc. Falar que existe ética na política é atiçar a ira dos deuses e assim correr o risco de ter a cabeça partida por um raio. Melhor não arriscar.

De fato, condutas éticas são mais visíveis no setor privado. E quem habita esse ecossistema precisa adotar determinadas posturas e ao mesmo tempo se acautelar quanto aos riscos de uma palavra mal colocada ou de algum fato desabonador que tenha o potencial de manchar a imagem de uma pessoa física ou jurídica. Claro, óbvio, nenhum diretor desejaria ter no seu quadro de pessoal alguém com perfil cleptomaníaco. Principalmente, gerenciando o setor financeiro ou o almoxarifado. As empresas não querem tarados que avancem sobre funcionárias nem também gente arrogante que carregue consigo o poder de gerar tensões e conflitos entre colegas de trabalho. Muito menos, empregados mentirosos e descarados. Não à toa, os programas de “compliance” estão contaminando o universo empresarial; sinal evidente do caráter destrutivo das condutas ruins ao patrimônio dos empregadores.

Agora, vamos para o outro lado da moeda. No setor público a coisa é completamente diferente. Por exemplo, um candidato ao posto de chefe de gabinete que na entrevista de emprego afirma não saber mentir é imediatamente descartado. Afinal de contas, onde já se viu alguém do primeiro escalão não dominar a arte da mentira. O ocupante dum cargo desse porte que não minta sem piscar seria um desastre a comprometer seriamente o mandato do chefe maior.

A ebulição dos últimos acontecimentos envolvendo o festival de escândalos do governo tem posto à prova o domínio da técnica do refolhamento. Parece até um exame vestibular. E o que temos visto é um show de cinismo brabo, violento, daqueles de arrepiar. Por exemplo, o ex-presidente da maior empresa do Brasil disse com todas as letras, na CPI da Petrobras, que era impossível detectar o roubo de bilhões de reais, mesmo que todos soubessem que havia uma quadrilha gigantesca de criminosos travestidos de funcionários da estatal. Com tanto descaramento, é claro que nenhuma empresa séria jamais contrataria alguém com um perfil tão fraudulento como o do senhor Gabrielli. Mas é exatamente esse o tipo de perfil desejado pelos políticos responsáveis pelas nomeações mais disputadas. Um nomeado sério e honesto causaria muita confusão. Resumo da ópera, não há espaço para inocentes nesse nível hierárquico, uma vez que profissionais de estômago fraco não aguentariam a podridão por muito tempo. Até a nossa presidente Dilma veio a público dar a entender que as investigações da Lava Jato foram patrocinadas pelo poder executivo. A chefa da nação disse ainda que o “ajuste fiscal” (elevação de impostos), o aumento da gasolina e o corte de benefícios sociais não trarão prejuízos aos cidadãos brasileiros. Do mesmo modo, afirmou que tudo de ruim que estamos experimentando é culpa da crise internacional; e em nenhum momento admitiu a responsabilidade do seu partido na ultra mega roubalheira da Petrobras. De acordo com suas palavras o Brasil está muito bem, obrigado. E a sua gestão, melhor ainda. Realmente, ela é muito boa em tentar cobrir fatos com palavras.




terça-feira, 3 de março de 2015

QUE ESPÉCIE DE GENTE SOMOS NÓS?

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Reginaldo de Oliveira

Publicado no Jornal do Commercio dia 03/03/2015 - A202
Artigos publicados

Dias atrás, um empresário manauara que possui empreendimentos nos EUA comentou com amigos que os americanos não compreendem a magnitude do escândalo da Operação Lava Jato, e, sobretudo, não conseguem acreditar nas cifras envolvidas. É surreal demais para eles. Principalmente, quando um único investigado recebeu na sua conta bancária o montante superior a meio bilhão de reais. O assunto corrupção remete os norte-americanos ao caso do governador de Illinois, Rod Blagojevich e o imbróglio em que se meteu por conta da acusação de TER TENTADO vender um cargo vago no Senado. O valor citado nessa história é de 150 mil dólares. Claro, óbvio, ele e o seu chefe de gabinete, John Harris, foram imediatamente presos. Preso e banido da vida pública. E solha só: POR TER TENTADO. Na cabeça do cidadão estadunidense a dinâmica dos acontecimentos funciona da seguinte forma: O castigo é consequência imediata do crime. Ponto final. Por isso é que a dinâmica dos fatos criminosos ocorridos no nosso maravilhoso Brasil é um troço absolutamente chocante e incompreensível; capaz de dá um nó na cabeça dos yankees. É mais ou menos como ir tomar uma cervejinha com alguém que acabou de matar seu filho. Nem Salvador Dalí seria capaz de imaginar uma cena dessas.

Pois é. Nós temos essa curiosa característica: Arrancam nosso couro, espicham e depois fazem forro de tamborim; roubam nossa casa, destroem nossas empresas, pisam na nossa dignidade, aniquilam o futuro do país, e, no final das contas, tudo bem!! Garantimos no pleito eleitoral mais quatro anos de estripulias aos nossos algozes. De fato, é um enredo louco demais para o estrangeiro digerir. Não à toa, o escritor Belmiro Castor afirmou que o Brasil não é para amadores. O famoso “jeitinho”, tão romantizado por artistas e filósofos, hoje, mostrou seu lado mais perverso. O rol de crimes hediondos investigados pela Operação Lava Jato nada mais é do que o jeitinho em grande escala. A natureza exata da propina bilionária é a mesma oferecida ao guarda de trânsito. Portanto, quem se safou da multa por meios propinolísticos poderia tranquilamente estar envolvido na Lava Jato se tivesse a mesma oportunidade dos investigados pela Polícia Federal. Tudo é uma questão de princípios, da formação do caráter do cidadão.

Em contraposição ao caso Blagojevich, aqui, no Brasil, o político, da noite para o dia, deixa seu modesto apartamento para ir morar num condomínio de luxo com iates, jatinho e toda uma gama de ostentação sem que isso provoque nenhum sentimento de indignação no povo. Na realidade, o único sentimento despertado é a inveja de quem não foi bem sucedido na carreira de criminoso corrupto. Ou seja, o cara se deu bem e eu não. Quem se movimenta no universo da vida pública, quem faz negócios com entes públicos, quem presta algum tipo de serviço, quem tem amigos nesse mundo ou então quem luta para conseguir alguma coisa, uma oportunidade de trabalho, uma vantagem etc., tem que endurecer o espírito, abandonar princípios, fazer vista grossa e focar no pragmatismo das suas ações e das suas crenças. Caso contrário, tudo fica muito difícil e todas as portas acabam se fechando. Afinal de contas, é preciso dançar conforme a música. A pergunta que fica no ar é se somos vitimas ou se somos cúmplices de todo esse sistema criminoso que tanto nos preocupa.

Todo esse conjunto de crenças e valores do povo brasileiro acaba definindo o estilo administrativo dos seus governantes. Afinal de contas, o detentor do poder é uma cria parida das entranhas do povo, e que, naturalmente, carrega consigo o DNA do seu genitor. E se a administração pública em todas as suas instâncias e esferas está mergulhada até o pescoço num mar de lama, é possível que também estejamos nesse mesmo lamaçal. Será que o nosso poético jeitinho ajudou a criar esse monstro que hoje tanto nos assusta?

Para o mal-estar de todos e infelicidade geral da nação, (os fatos estão aí, para comprovar), o governo sabe bem o que faz ao estabelecer loucas e estapafúrdias imposições ao povo. Isso, sem falar nas mentiras embusteiras ou nas manobras ostensivas para livrar bandidos da cadeia. Pois é. O governo, sabiamente, pinta e borda porque tem certeza de que nada do que fizer, por mais absurdo que seja, resultará em algum tipo de consequência mais grave. Ele conhece bem a espécie de gente sob seu comando. 



terça-feira, 23 de setembro de 2014

UMA GUERRA PERDIDA




















Reginaldo de Oliveira

Publicado no Jornal do Commercio dia 23/09/2014 - A184

Esse fato ocorreu agora, em agosto, na cidade de Belém. Numa investigação de rotina o gerente encontrou na internet o nome do seu melhor funcionário vinculado a um processo judicial tenebroso. Tratava-se de uma quadrilha especializada em plantar informantes nas empresas, os quais eram incumbidos de preparar o terreno para ações criminosas de alto impacto. Os detalhes do modus operandi do grupo criminoso estavam ricamente documentados no site do Tribunal de Justiça. A reação imediata foi de espanto e de incredulidade em vista da conduta impoluta da pessoa em questão. Cautelosamente, o gerente contratou um serviço profissional para apurar os fatos com mais precisão. O surpreendente resultado confirmou as suspeitas e assim o assunto foi levado a diretoria, que decidiu pelo imediato desligamento do investigado. No dia seguinte o gerente, sob a argumentação de redução do quadro de pessoal, demitiu o dito funcionário, que em seguida recolheu seus objetos pessoais no vestiário e foi embora. Não mais que meia hora depois a loja foi invadida por três homens fortemente armados, que foram direto para a sala do gerente. Por sorte, o gerente estava no depósito, que possui uma porta de ferro reforçada. O barulho e a gritaria vindos da loja levou o pessoal do depósito a fechar a tal porta e assim os bandidos não conseguiram matar gerente.

O Brasil é um país afeito a romantismos e a questões filosóficas de cunho duvidoso e pouco práticas. Nossas autoridades são tarimbadas na arte da embromação e ao mesmo tempo possuem extraordinárias habilidades prestidigitadoras para fugir de qualquer tipo de responsabilidade. Seus corpos ensaboados permitem escorregar com facilidade de situações constrangedoras como também escapar de cobranças inconvenientes. Dessa forma, os assuntos sérios e urgentes são ofuscados por temas secundários. Assim, todos os esforços da sociedade são concentrados na preservação do mico leão dourado ou na discussão sobre o aquecimento global. Vez por outra surge um escândalo ou algum caso pitoresco de repercussão nacional a preencher por completo todos os canais midiáticos. Por tudo isso é que enquanto as atenções estão focadas numa determinada questão rocambolesca, a segurança (insegurança) pública é jogada para escanteio, tornando-se assim um tema meramente burocrático. O importante (importantíssimo) é impedir que a carne da tartaruga seja saboreada na sua própria carapaça pelos caboclos ribeirinhos. O resto é o resto.

A Segurança Pública é o assunto mais urgente e mais crítico que temos no momento e que, portanto, deveria encabeçar a pauta das ações governamentais de todas as esferas públicas. As ações criminosas crescem numa escala assustadora e num ritmo alucinante, enquanto, do lado de cá, meio mundo de gente fica detido em debates filosófico sociais de graduação de pena ou ressocialização de delinquentes etc. Do lado de lá, os bandidos não filosofam; eles simplesmente atuam nos espaços criados pela própria sociedade. Não passa pela cabeça desse pessoal nenhum tipo de remorso ou piedade. Portanto, algo de prático e efetivo deve ser feito com máxima urgência. A política de Tolerância Zero do prefeito Rudolph Giuliani reduziu os assassinatos em 65% tornando Nova York a mais segura cidade dos Estados Unidos. Isso aconteceu porque a sociedade nova-iorquina não mais aguentou tanta bandalheira. Mas pelo visto, nós, brasileiros, estamos esperando o acontecimento de uma gigantesca catástrofe criminosa para deixar as filosofias de lado e tomar uma atitude definitiva.

Parece que todos os ventos sopram a favor da criminalidade: o cidadão comum (ao contrário dos americanos) não pode ter sequer um estilingue em casa. Quando uma pessoa é vítima de latrocínio, as autoridades logo dizem na frente das câmeras que a fatalidade foi decorrente da reação ao assalto, como se o culpado fosse o morto. Por mais esforços que a polícia empreenda no cumprimento do seu ofício, tudo é desmontado por ações subsequentes que redundam na soltura dos bandidos. E no final das contas a culpa é sempre da instituição policial. Isso, fora o descalabro instalado no sistema prisional com tudo quanto é tipo de ocorrência absurda sem que nenhum responsável seja identificado e efetivamente punido. Dessa forma, a mensagem captada pelos radares dos malfeitores é que o crime é, sim, um negócio promissor.

Apesar da chuva de críticas, a cidade maranhense de Bacabal foi uma das mais tranquilas na época em que o senador João Alberto era prefeito. Os bandidos sabiam como seriam tratados caso resolvessem fazer alguma graça. Da mesma forma, o estado do Maranhão passou por uma escarnecedora desinfecção quando o mesmo senador João Alberto assumiu interinamente o governo do estado (1990). A coisa foi muito, muito feia. A bagaceira foi violenta, mas a bandidagem fugiu às pressas do Maranhão.

Dias atrás, o Clube de Diretores Lojistas promoveu um evento para discutir a segurança pública com vários representantes da sociedade. E apesar do claro esforço e dedicação das autoridades policiais, ficou no ar uma sensação de que a guerra contra a criminalidade está perdida. Os bandidos já estabeleceram território. Eles fecham ruas com ônibus, planejam ações cinematográficas e somem sem deixar vestígios. Parece que a cada dia que passa tudo fica mais fácil para esse pessoal. E, como bem dito na reunião do CDL, a polícia não tem efetivo suficiente para colocar um homem em cada esquina da cidade. Sendo assim, uma improvável reversão do atual quadro de calamidade da segurança pública só será possível através de uma revisão completa dos conceitos e das políticas referentes ao assunto. A atual estrutura não tem condição alguma de impedir a escalada da violência. Dias piores virão.

facebook.com/doutorimposto

#segurançapública
#polícia
#violência


terça-feira, 5 de agosto de 2014

CORAGEM E OUSADIA DA SEMEF


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 05/08/2014 - A180

O sociólogo alemão Max Weber conferiu um significado solene ao termo burocracia, relacionando-a a uma estrutura organizacional pautada por regras claras, bem desenhadas e impessoais. Mas foram os franceses que imprimiram o tom pejorativo que estamos acostumados. O tecido usado para cobrir as escrivaninhas era chamado de “bure”, de onde derivou a palavra “bureau”, que acabou servindo para designar todo o escritório. Burocracia é resultado da junção de “bureau” com a palavra grega “krátos”, significando assim o poder dos funcionários do escritório. Nada mais apropriado para traduzir a realidade das repartições públicas brasileiras, onde o sadismo é a marca mais evidente da personalidade de alguns funcionários públicos. Para constatar essa afirmação, basta observar o prazer estampado no semblante desse pessoal quando indefere uma solicitação. Tal estado de glória é consequência direta dos efeitos inebriantes do poder do escritório correndo nas veias.

Se num lado da moeda acontece o esbaldamento e a esparramação da burocracia desenfreada, no outro lado os efeitos colaterais desses excessos desabam sem dó na cabeça do contribuinte, que lá debaixo dos escombros se debate com uma infinidade de certidões, autenticações, formulários, carimbos, assinaturas, petições, solicitações, procurações, filas, senhas, agendamentos, requerimentos etc., etc. É a burocracia pela burocracia, que, claro, alimenta uma corja de corruptos de tudo quanto é escalão. Ou seja, gestos negativos geralmente carregam uma intenção maliciosa, como se esperasse ouvir a famosa frase: “Tem outro jeito de se resolver isso?”.

O período mais negro da Secretaria Municipal de Finanças (SEMEF) aconteceu na gestão imediatamente anterior, onde, por conta do demoníaco iCad tudo quanto é processo foi travado, levando contadores e empresários à loucura. A coisa ficou tão desesperadora que grandes e tradicionais escritórios de contabilidade simplesmente deixaram de prestar qualquer tipo de serviço de abertura de empresas porque simplesmente ninguém conseguia absolutamente nada pelas vias convencionais. Há casos de peregrinações semanais a SEMEF que consumiu seis meses, onde a funcionária do órgão sempre dava a mesma justificativa de nunca haver fiscal disponível para inspecionar o endereço do empreendimento e assim o Alvará não era liberado (eu, Reginaldo, autor desse texto, passei por essa traumatizante experiência). O prazer da negação da funcionária da SEMEF era algo vibrante e acintoso. Essa relação entre a funcionária opressora e o contribuinte oprimido lembra bem o filme “A morte e a donzela”, visto que a atendente do órgão se revestia de um poder tão avassalador que podia fazer gato e sapato do pobre do contribuinte, o qual não tinha meios nenhum de se defender nem a quem reclamar. O próprio comandante do Implurb, Manoel Ribeiro, deixou o auditório da prefeitura lotado de contadores a ver navios, onde não compareceu para dar explicações sobre a balbúrdia que tinha tomado conta da prefeitura.

Depois de tanto a SEMEF moer a carne e triturar os ossos do contribuinte parece que finalmente a vantagem passou para o lado de quem utiliza os serviços do órgão. Seu atual secretário teve a coragem e a ousadia de virar o jogo dessa conflitante relação entre a prefeitura e a população manauara.

Na semana passada, começou a funcionar na SEMEF um sistema eletrônico de avaliação do serviço prestado ao público. Ao final de cada atendimento o contribuinte é convidado a atribuir nota à qualidade do serviço e em seguida dar outra nota ao tempo de espera. E faz isso numa maquininha que contém os botões “ótimo”, “bom”, “regular”, “ruim”. Desse modo, por mais garantida que seja a estabilidade do emprego do funcionário público, ninguém desejará ver seu nome numa lista negra. Se esse sistema for algo realmente sério e transparente, imagina-se que será possível identificar os funcionários corruptos e maliciosos, visto que são justamente esses os criadores de dificuldades. Aquelas pessoas acostumadas a levar porrada vão ter a oportunidade de ir à forra. Vamos torcer para que isso funcione e que o resultado dessa avaliação seja disponibilizado no site da SEMEF com os nomes e as notas dos atendentes. Se isso não acontecer, ficará evidenciado que tudo não passa de mais uma ação embusteira para enganar a população. Ou seja, sem transparência não pode haver confiança na seriedade daqueles que se dizem sérios. É esperar pra ver.



terça-feira, 25 de março de 2014

EMPIRISMO QUE SE BASTA


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 25/03/2014 - A163

Devemos perseverar como nação ou morreremos agarrados aos nossos próprios interesses. Essa frase está no mais recente “300”, superprodução do diretor israelense Noam Murro. O contexto da fala envolve uma circunstância de extrema pressão vivida pelo general Temístocles, dias antes da batalha de Salamina. Os acontecimentos subsequentes mostram o fantástico resultado de uma vitória improvável, cujo êxito foi consequência da firme determinação dos bravos guerreiros que estavam em número infinitamente menor que seus adversários. A implacável determinação do povo grego, de defender seu território e sua cultura, é apontada por alguns estudiosos como um grande exemplo de poder patriótico, o qual pode multiplicar a força de um exército e intimidar os adversários. Esse símbolo de coragem vem atravessando os séculos sem perder o vigor.

Pena que tanta bravura e determinação só aconteçam no cinema. Do lado de fora da sala de exibição a realidade é outra, com todo mundo circunscrito à região do próprio umbigo. As entidades representativas de classe existem, sim. Mas os associados são desprovidos da fibra que unia o antigo povo grego. Geralmente, o papel do associado é reclamar da associação a qual é filiado. Mesmo assim, há exceções. Os mototaxistas deram um show e uma lição de cidadania para o resto da sociedade quando foram pra frente da prefeitura e só saíram de lá depois que suas reivindicações foram atendidas. Recentemente, os lixeiros do Rio de Janeiro souberam agir em bloco para conseguir melhorias salariais.

Já, nas entidades mais sofisticadas e poderosas não se consegue enxergar a coragem e a determinação dos lixeiros e dos mototaxistas. O que se observa é uma gama de falatórios extensos e pouco produtivos. E para piorar, os diretores costumam se aproximar por demais daqueles a quem deveriam fazer certas exigências em prol dos interesses dos seus pares. Alguns desses dirigentes defendem a diplomacia como instrumento de negociação; outros, acreditam que faltam posicionamentos mais enérgicos e efetivos. Mais ainda, faltam resultados em áreas de extrema urgência e importância, como a fisco tributária.

Os empresários convivem diariamente com uma extensa lista de dificuldades relacionadas à pressão exercida pelos entes fazendários. As reclamações e discussões são inesgotáveis. Enquanto meio mundo de gente vive a se desdobrar em infindáveis reuniões sobre os excessos fiscais, o ente fazendário segue sua vida alheio aos debates e reclamações. Quando o confronto acontece, o objetivo das demandas meio que se perde devido a argumentações inconsistentes e desconhecimento da legislação tributária. Ou seja, quem cobra não sabe cobrar. Desse modo, o Fisco continua sua rotina e seus projetos de expansão e capilarização da arrecadação da forma que bem lhe aprouver.

É possível que os excessos do ente tributante sejam decorrentes da falta de diálogo com o contribuinte (tecnicamente mal preparado). A contribuição simbiótica do empresário esclarecido poderia melhorar a qualidade da gestão fiscal e também da arrecadação. Esse tipo de postura poderia ser adotado junto a várias esferas e instâncias do poder público, mediante um sistema de captação de demandas da sociedade com posterior análise e encaminhamento aos canais competentes, sejam eles assembleias estaduais, secretarias municipais, ministérios, prefeituras, congresso etc. Mas, claro, tais demandas seriam antes trabalhadas em profundidade por equipes tecnicamente bem preparadas.

O ideal é que as entidades representativas do poder econômico mantivessem centros de altos estudos sobre matérias tributárias, econômicas, mercadológicas, contábeis, jurídicas etc. Tais núcleos investigativos seriam compostos pelos melhores profissionais do país e até do exterior. As atribuições desses estudiosos seriam, por exemplo, dispor de posicionamentos e pareceres sobre as mais diversas demandas tributárias, cuja consistência e solidez técnica pudessem reduzir em muito, as possibilidades de contestação. Um grupo de estudos desse nível estaria preparado até mesmo para propor a reconstrução do nosso cipoal de normas tributárias. Atualmente, o poder executivo é quem toma iniciativa nas proposições dos assuntos mais diversos. E quase sempre sem a contribuição de representantes da sociedade organizada.

A realidade nossa de cada dia mostra que aquelas qualificações do gestor tão presentes nos livros de administração não são facilmente encontradas na maioria das empresas. Ou seja, habilidades essenciais como as relacionadas ao conhecimento contábil e tributário não são objeto de interesse dos empresários. Eles só se preocupam com o produzir, comprar, vender e receber. E muitos ainda se agarram ao empirismo, recusando-se assim a fazer um curso de alta gestão ou treinamento sobre uma matéria específica. A maioria entrega a contabilidade da sua empresa a um determinado profissional sem nunca validar a qualidade do serviço prestado ou avaliar a possibilidade de riscos fiscais e até mesmo riscos societários ou jurídicos. Por isso é que excelentes comerciantes têm seus argumentos desmontados nas reuniões com entes fazendários.



sexta-feira, 7 de março de 2014

A busca da excelência na gestão pública


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 07/03/2014 - A160

A mensagem que a administração pública transmite para a sociedade é muito ruim e o estereótipo do administrador público é pior ainda. Grandes escândalos envolvendo gente graúda e casos recorrentes de mau atendimento do pessoal operacional contribuem para a estigmatização de toda uma classe de pessoas. O pior é que as evidências ruins são sempre ostensivas, enquanto que as boas práticas e as boas condutas se mantêm na sombra da discrição. E mesmo quando tais virtudes se transformam em peças publicitárias elas acabam sendo interpretadas como discursos eleitoreiros. Ou seja, a maioria da população não acredita que o ente público seja capaz de atitudes grandiosas e dignas de respeito e admiração.

A administração municipal manauara possui no seu quadro de secretários um executivo de renome internacional que está revolucionando a secretaria de finanças. Ou seja, ele está trazendo todo um conjunto de práticas que são comuns somente nas administrações empresariais de referência. Isso é uma revolução porque evidencia a intenção do prefeito de colocar a profissionalização acima da politicagem. Por tal motivo é que esse marco deveria se transformar num farol a guiar outros gestores públicos para o caminho das boas práticas administrativas.

De forma geral, os grandes feitos da gestão pública são desenvolvidos pelos técnicos do nível intermediário, sendo que dificilmente o chefe do executivo promove mudanças capazes de conferir um alto grau de transparência à sua administração. Um bom exemplo foi a criação do SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal), fruto da iniciativa dos técnicos da Secretaria do Tesouro Nacional e do Serviço Federal de Processamento de Dados. Três décadas depois da sua criação, o SIAFI é hoje um modelo de controle respeitado mundialmente. Diversos modelos de gestão altamente eficientes foram desenvolvidos por outros entes públicos. Dentre os melhores, destaca-se o sistema integrado de gestão pública desenvolvido pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) denominado Urbem. Esse sistema se assemelha aos melhores ERP utilizados pelas empresas.

O Urbem é fruto do rico arsenal de conhecimento sobre gestão municipal da CNM, e seu desenvolvimento contou com uma equipe multidisciplinar formada por profissionais de primeira linha, cerca de 50 colaboradores. Seu poder de fogo é capaz de revolucionar as estruturas de quem se dispuser a adotá-lo como ferramenta de gestão pública. Apesar do custo astronômico do seu desenvolvimento, a CNM disponibiliza essa poderosa ferramenta de forma gratuita aos municípios. Na realidade, o lançamento oficial do projeto aqui no Amazonas está previsto para o fim desse semestre. Por enquanto, o formato atualizado do Urbem está sendo implantado na cidade de Presidente Figueiredo, cuja localidade reuniu condições adequadas para servir de projeto piloto. O propósito é apresentar aos gestores dos demais municípios amazonenses os resultados obtidos em Presidente Figueiredo. Por enquanto, está sendo feita uma campanha de divulgação. Na última semana de fevereiro o representante da Associação Amazonense de Municípios (AAM), senhor Kleberson Silva, fez duas apresentações do Urbem nas cidades de Silves e Itapiranga, onde surpreendeu os ouvintes com tantos benefícios que o sistema oferece.

O presidente da AAM, senhor Antonio Iran, está engajado na luta pela modernização da gestão pública dos municípios amazonenses, mesmo sabendo que a tarefa será trabalhosa. O grande empecilho está no nosso limitado serviço de internet. Outras limitações são menores, mas ainda assim desafiadoras, como estrutura de informática, treinamento de pessoal e o choque no modelo de contabilidade, que deverá ser negociado com os atuais prestadores de serviços contábeis. Mesmo assim, é bom ressaltar que há no interior do estado um grande contingente de profissionais gabaritados; todos eles ansiosos para melhorar a qualidade do seu trabalho. Talvez esse pessoal gabaritado facilite o processo de implantação do Urbem. Engana-se quem acha que o funcionalismo do interior é feito somente de pessoas medianas.

Dizem uns que os Estados Unidos da América são um grande país, não tanto devido ao seu poderio econômico ou militar, mas porque é uma nação bem administrada. E lá, o funcionário público é tão valorizado quanto a nação e o capital.



quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

TEMPESTADE À VISTA


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 25/02/2014 - A159

“O Presidente é um criminoso. Fez da Ucrânia um país de corrupção e de terror. Os mais pobres não têm qualquer possibilidade de ganhar um salário decente, e os homens de negócios honestos, que trabalharam e se esforçaram, são vítimas de extorsão permanente por parte de funcionários e amigos do regime. Vivemos num regime feudal. Mas as pessoas têm uma mentalidade aberta e não querem mais viver no feudalismo.” Essa é a declaração de uma cidadã ucraniana publicada na edição on-line do jornal português Público sábado passado. A reportagem foi produzida pelo jornalista Paulo Moura.

A estabilidade política ucraniana está se esfarelando como um castelo de areia à beira mar. O que a princípio era um protesto contrário à influência russa no país, acabou se degenerando em violentas reações de amotinados quando o movimento fez explodir a revolta contida no peito do povo contra os abusos do governo. Por enquanto não se percebe nenhum sinal de desfecho pacífico, visto que a população está decidida a mudar radicalmente o sistema corrupto opressor. Algo semelhante está acontecendo na Venezuela, onde também ocorrem violentos embates entre tropas oficiais, milícias e grupos civis contrários aos desmandos do presidente Nicolás Maduro.

Pois é. Chega o momento em que basta uma faísca para que a revolução seja desencadeada. Nós também tivemos nosso momento ucraniano; felizmente, sem as mortes ocorridas em Kiev. Lá, como cá, o estopim da crise em nada tinha a ver com o verdadeiro cerne da questão. É bom lembrar que a nossa situação ainda não foi pacificada, visto que os protestos nunca cessaram. Outro fato a se considerar é que os ucranianos estão conseguindo fazer mudanças profundas no país, enquanto que todo aquele nosso alvoroço de junho passado sequer arranhou as impávidas e colossais estruturas da corrupção governamental que continuam mais fortes do que nunca. Se não fôssemos um país de mentalidade tão atrasada, o movimento de junho teria se transformado numa verdadeira revolução. 

O cinismo aqui é tão ostensivo que ainda hoje persiste no Supremo a interminável discussão do mensalão. Se houvesse um grau mínimo de seriedade no nosso sistema judicial esse assunto estaria sepultado há muitos anos com todo mundo preso. Preso de verdade. Aqui, todos os esforços são empreendidos para fazer reinar um permanente estado de impunidade, justamente para que essa famigerada impunidade tanto esteja disponível ao menor infrator “apreendido” diversas vezes, quanto ao grande tubarão da política que compra metade do congresso. Melhor dizendo, o congresso inteiro. Recentemente, uma corte norte americana condenou uma freira de 84 anos de idade a 35 meses de prisão por ter pichado as paredes de um prédio público (prisão de verdade). Dias atrás, a polícia paulista teve muito trabalho para despejar cerca de 3.000 pessoas que ocupavam 960 apartamentos do programa Minha Casa, Minha Vida. O episódio ficou marcado pela destruição de várias unidades pelos invasores. Ou seja, virou moda por aqui incendiar ônibus e cometer depredações sem que o poder público nada venha fazendo para identificar e punir exemplarmente cada um dos arruaceiros. Estabeleceu-se no país um clima de impunidade tão adensado que qualquer pessoa se sente autorizada a partir pra quebradeira.

Talvez essa seja a tática do governo: deixar rolar. Basta lembrar que todo aquele furdunço de junho passado explodiu depois que o governador Geraldo Alckmin mandou a polícia baixar o cacete nos primeiros manifestantes. Claro, deve ter se arrependido amargamente.

A onda de protestos ainda não acabou; junho ainda não acabou. E não acabou porque ainda há muito combustível para ser incendiado. Ou seja, o país está um caos; os desmandos da administração pública ficam cada vez mais ostensivos. A violência cresce num ritmo apavorante, a impunidade ganha musculatura e a corrupção desenfreada afronta todo dia o homem honesto.

Pois é. O governo não está fazendo nada para evitar uma revolução tão avassaladora quanto o terremoto de Kiev. O governo não muda e ao que tudo indica está pagando pra ver. Junho de 2013 entrou nas nossas vidas e não mais vai sair. O processo foi desencadeado. Como bem dito na bela canção “Wind Of Change”, o vento da mudança sopra diretamente na face do tempo, como uma tempestade a tocar o sino da liberdade.



terça-feira, 14 de janeiro de 2014

CAIXA DE PANDORA



















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 14/01/2014 - A153

Os parasitas instalados no trato intestinal do indivíduo lombriguento consomem os nutrientes ingeridos pelo hospedeiro de tal forma que no início da hospedagem não provocam tantos incômodos, mas com o passar do tempo o estado de saúde do enfermo vai sendo comprometido ao ponto de não conseguir mais ficar de pé. O motivo do agravamento da doença é a expansão da população de vermes devoradores de todos os recursos alimentícios. O estado terminal da enfermidade costuma ser pavoroso, caso não seja administrada nenhuma medicação. Por conseguinte, o corpo apodrece com lombrigas saindo por tudo quanto orifício. Parece que esse estado pavoroso começou a desabrochar no Maranhão, visto que a quantidade gases fedorentos é tão densa e volumosa que atravessou os oceanos, chegando assim às narinas dos organismos internacionais de direitos humanos. Já os nossos políticos não se incomodaram tanto porque o pântano em que habitam junto com os caranguejos, sapos e lesmas é tão ou mais nojento.

Os eventos que estão se desenvolvendo na terra dos marimbondos de fogo é mais do que um sintoma de uma grave crise institucional (talvez até um apodrecimento do tecido social). É um alerta para a nação brasileira sobre o efeito nefasto da corrupção sistêmica. Há meio século no poder, a dinastia Sarney conseguiu manter o corpo maranhense acomodado enquanto sugava o sangue da vassalagem. O problema é que a expansão da população de ávidos corruptos chegou ao limite extremo do suportável com a corrupção consumindo tudo e a todos. Consequentemente, a administração pública perdeu as estribeiras numa espécie de orgia ensandecida que jogou para o alto todos os pudores, não restando assim uma só gota de decência.  

O Maranhão é um estado abandonado pelo poder público, com muitas quebradeiras de coco babaçu que passam o dia inteiro trabalhando duro para a noitinha conseguir comprar alguns gramas de açúcar e poucas colheres de óleo e talvez um pouco de café, para repetir tudo no dia seguinte. Certa vez, um homem viajando de ônibus numa estrada esburacada ouviu uma criança dizer: “Mamãe, já chegamos no Maranhão. Olha só as taperinhas!!”. No período eleitoral os comícios se apresentam como uma rara oportunidade de diversão, onde o povo se embriaga com o belo e desconexo palavreado dos candidatos de sempre. O orgulho dos moradores das taperinhas é ter a foto da governadora pendurada na sala.

No Maranhão, como em outros estados da federação, governar é distribuir o mundaréu de aliados políticos nos diversos escalões dos órgãos públicos. Por exemplo, coloca-se um garoto bundão na vice-presidência de uma importante autarquia. Afinal de contas, para que serve mesmo os órgãos públicos, senão para pendurar um monte de tapados nos seus infinitos cabides? Assim, gente que nunca pescou se transforma em ministro da pesca. Depois de empossado, o novo gestor que não sabe bulhufas da sua pasta vai deixando a coisa acontecer por conta própria; seus subordinados vão fazendo de conta que estão trabalhando e o usuário do serviço público acaba aprendendo que tudo só funciona na base da propina. Se ninguém está cuidando de nada e se tudo está entregue às moscas, consequentemente algo ruim acaba se instalando. Ou seja, a inércia das autoridades aduba o terreno onde prolifera todo tipo de desvio criminoso.

A inércia e o descaso do governo maranhense diante de tantas advertências do Conselho Nacional de Justiça só foram quebrados depois dos clamores oriundos do exterior. E mesmo assim, muitos dias se passaram até que uma resposta destemperada fosse proferida. O falatório tosco da governadora ecoou país afora como uma constrangedora e grotesca ópera bufa, ficando evidente a péssima qualidade do seu staff. Ficou evidente também o constrangimento do ministro Cardozo, cuja expressão assustada não escapou da mira dos fotógrafos. A repercussão negativa das atitudes da senhora Sarney parece ter provocado algum tipo de reflexão, visto que posteriormente a televisão mostrou um ambiente mais equilibrado nas imagens de outra reunião de autoridades para discutir a crise do sistema carcerário de pedrinhas.

A desordem instalada no feudo dos Sarney deveria servir de alerta para todos aqueles que não desejam ver esfarelar as estruturas sociais do seu estado. É preciso que os diversos atores sociais e suas respectivas entidades de classe se mobilizem para evitar o fenômeno do maranhencimento social. O recrudescimento da violência é o sinal mais ostensivo da incompetência governamental e do fortalecimento da corrupção. Ou seja, quanto mais violenta mais corrupta é uma sociedade.


terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O ANO DAS INSURGÊNCIAS



















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 24/12/2013 - A150

2013 será para sempre lembrado como o ano em que o gigante pela própria natureza despertou do berço esplêndido. O Brasil tem hoje outra cara e outra mentalidade. Toda aquela efervescência de junho passado não se dissipou como fumaça ao vento. Pelo contrário, a onda de vigorosos protestos foi forte o suficiente para marcar a alma do povo brasileiro, e enérgica o bastante para influenciar as decisões dos detentores do poder. Na realidade, o Brasil estava no caminho da revolucionária onda de choque desencadeada na Líbia pelo desempregado Mohammed Bouazizi, que se imolou em ato desesperado contra as injustiças do seu governo. Desde então esse terremoto sacudiu meio mundo até chegar aqui, abalando as nossas estruturas sociais. O fenômeno da agitação popular provou que o cidadão brasileiro não é tão domesticado como muitos julgavam, e que, quando foi chamado ele se apresentou à responsabilidade de defender seu país. E o que mais assustou a politicada corrupta foi a força avassaladora das ruas e dos movimentos convulsivos a promover muito barulho e depredação. E o pior, parece que ainda está por vir, visto que 2014 é um ano de copa do mundo e de eleições, onde a massa populacional impedida de participar da festa por conta dos altos preços dos ingressos ficará ainda mais revoltada ao saber que a causa do péssimo serviço de transporte, saúde, educação etc., está no dinheiro desviado para a construção de arenas e estádios Brasil afora.

Um fato curioso a se observar é que no mês que eclodiu a onda de protestos foi também a data que entrou em vigor a lei da conscientização tributária (Lei 12.741/2012), a qual obriga o comerciante a informar ao consumidor o peso da carga tributária embutida nos produtos e serviços. Sabemos que o motivo principal das insurgências foram os tais vinte centavos, mas essa coincidência não deixa de ser perturbadora. Outro fenômeno curioso é que o governo, no mês dos protestos, resolveu adiar por um ano a obrigatoriedade das disposições da Lei 12.741, como se quisesse contar com o desleixo e a desorganização da classe comerciante para manter o povo na ignorância tributária. Só, que várias empresas não atenderam ao governo e dessa forma, fazem questão de informar a carga tributária embutida nos produtos que oferece aos seus consumidores. Aqueles que ainda se esquivam de adotar tal procedimento não percebem que isso é uma das maiores armas de combate à espoliação desmedida do ente tributante. E também pode vir a ser um dos mais potentes instrumentos de controle social, visto que um povo esclarecido é o pior dos pesadelos que um político pode experimentar.

Mesmo com pouca informação boa parte da sociedade já sabe que a dinheirama desperdiçada pela incompetência e pela corrupção do governo sai do seu bolso. E justamente aquele dinheirinho que falta para comprar o leite das crianças é o mesmo que está servindo de estofamento das cuecas dos corruptos. É esse estado de descaramento da nossa classe política que precisa ser combatido com informação e esclarecimento do trabalhador a quem tudo é negado.

Os governos das várias esferas começam a perceber o estado crescente de insatisfação e revolta que incha no peito da população massacrada de tantos impostos e péssimos serviços. Por isso, alguns comandantes do poder público já estão adotando cuidado redobrado nas nomeações para cargos relevantes da administração pública ao empossar gestores habilitados. Um bom termômetro dessa postura administrativa é a pesquisa do IBOPE (13/12/2013) que avaliou o Governador Omar Aziz como o melhor do Brasil, enquanto que no outro extremo ficou o governo potiguar de Rosalba Ciarlini. Ou seja, o povo está mais atento às ações dos seus governantes.

O povo aprendeu e tomou gosto pelos protestos. Agora, por tudo se faz um protesto. E é bom que esse comportamento torne-se uma prática corriqueira. A população brasileira acordará no dia primeiro do próximo ano mais consciente do seu papel social. A favor das mudanças positivas está o imenso contingente de cidadãos conectados no Facebook e nas notícias que pipocam na internet. Na contramão desse processo ainda continuam mergulhados nas escuras profundezas da ignorância a gigantesca massa de miseráveis esquecida pelo mundo e amparada pelos programas sociais do governo. Tais pessoas irão votar em quem lhes deu um pouco de alento. 



terça-feira, 1 de outubro de 2013

É PRECISO IR ALÉM DO DISCURSO


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 01/10/2013 - A140

O tempestuoso Odorico Paraguaçu, personagem caricato e realista criado pelo iluminado Dias Gomes, é a representação fidedigna do político brasileiro. Através do filme O Bem Amado é possível enxergar os bastidores rocambolescos da administração pública. O aspecto mais curioso do filme está na forma habilidosa que prefeito esgrime seu vocabulário enrolativo, o que lhe permite contornar situações complicadas que ele mesmo cria – tudo é resolvido no gogó.

Há um exercício de observação superinteressante de se fazer, que é simplesmente assistir aos discursos dos nossos honoráveis homens públicos. Impressiona constatar inacreditáveis verossimilhanças em todo o desenrolar das suas peças de oratória; também, há paralelos nos gestos, nas expressões e até no figurino. Parece que todo mundo veio da mesma escola de arte embromática. Assim, o tempo passa, novas gerações chegam e tudo continua como dantes. Ou seja, ninguém apresenta algo inédito e revolucionário como, por exemplo, um discurso honesto.

Pois é, a nossa amada e idolatrada presidenta, egressa da mesma escola do prefeito Odorico, inutilmente, tentou convencer um grupo de homens de negócios a investir altíssimas quantias de dinheiro em projetos de grande envergadura aqui no Brasil. Esse fato ocorreu na semana passada em Nova York, num evento promovido pelo banco de investimentos Goldman Sachs. Na ocasião, ficou evidente que o maior receio dos investidores está na insegurança jurídica encravada no instável ambiente de negócios brasileiro.

De acordo com os cânones preestabelecidos, entende-se que a segurança jurídica deve existir para que a justiça, finalidade maior do Direito, se concretize. Ou seja, o Direito deve garantir que as relações sociais sejam pautadas na certeza das consequências dos atos praticados.

Como foi amplamente noticiado pela imprensa, a presidente Dilma assegurou para os investidores que não há risco de insegurança jurídica no Brasil. De acordo com o Diário Catarinense, as garantias verbais não foram suficientes para convencer os investidores, os quais saíram do evento com as mesmas incertezas que carregavam ao entrar. Pois é. A lábia odoriqueira não colou. Teria sido aconselhável que algum assessor lembrasse a presidente que ela não estava na cidade de Sucupira, e que para convencer uma plateia esclarecida, talvez fosse recomendado adotar um tom mais sério ao discurso.

Como é possível alguém afirmar que não existe insegurança jurídica no Brasil, se esse é o nosso maior e mais ostensivo problema? É tão imenso que, como a grande muralha da China, pode ser avistado do espaço. E a prova mais contundente dessa ostensividade está sendo diariamente jogada na nossa cara, que é o escandaloso processo do mensalão, o qual foi destinado à eternidade pelos embargos infringentes. O que dizer então dos super salários do Senado? O que dizer do campo minado que se tornou a legislação tributária? O que dizer da estratosférica arrecadação de impostos que ninguém sabe pra onde vai o dinheiro? O que dizer da sensação de impunidade que sufoca e humilha o povo? Cadê a concretização da justiça?

Até a publicação britânica, “The Economist”, fez, na semana passada, severas críticas ao governo Dilma, além de ter afirmado que a corrupção brasileira é um câncer sem controle. Por essas e outras podemos concluir que a imagem do país lá fora é enegrecida por conta de tantos desmandos promovidos pelo poder público. Dessa forma, o governo bem que poderia aproveitar a experiência constrangedora do momento para rever suas políticas e suas ações administrativas. Não adianta tapar o sol com a peneira; é preciso ir além do discurso. O povo daqui e de fora precisa avistar algum sinal positivo de que o governo está realmente disposto a adotar uma postura minimamente séria naquilo que faz.