Publicado no Jornal do Commercio em 14/05/2009 = A009
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Imaginemos um mundo em que todos os sapatos tivessem um único número, que todas as roupas fossem da cor azul, que as pessoas comessem somente arroz com macarrão ou que houvesse um só canal de televisão. Não, esse mundo não é a China de Mao Tsé-Tung.
Já não é de hoje que os contadores se veem às voltas com questionamentos desconcertantes de administradores sobre interpretações de fatos contábeis. Em resposta, o profissional da contabilidade costuma redarguir com as normas reguladoras da profissão e com a legislação tributária. Por mais sólidos que sejam os argumentos, os mesmos não conseguem dissuadir o gestor, que gostaria de ver o desempenho da estrutura do seu negócio fielmente retratado em demonstrativos contábeis. Conflito maior ainda acontece na cabeça de um executivo vindo do exterior para administrar uma subsidiária de uma multinacional em terras brasileiras.
O mundo do engessamento não está na China. Está aqui mesmo, na contabilidade brasileira tradicional. Sabe Deus quando os contadores perderam o rumo e foram obrigados a caminhar na estrada pavimentada pelo fisco. A objetividade dos critérios de tributação estabelecida pelo fisco lhe proporcionou meios de encurralar o contribuinte e garantir o abastecimento do erário, mas isso redundou num conceito de uniformidade o qual foi absorvido pelas escriturações contábeis das organizações. É óbvio que tal uniformidade não existe visto que nenhuma empresa é igual à outra e o prejuízo decorrente dessa prática foi debitado na conta da informação do valor real da companhia. É importante lembrar que uma infinidade de fatores contribui para o resultado de uma organização econômica, sendo que o papel da contabilidade é evidenciar as consequências de todo um conjunto de processos econômicos na forma de registros compreensíveis aos administradores e demais interessados - evidenciar o valor real de uma empresa.
A batalha para separar o pernicioso agente fiscal do ideário contábil vem de muitos anos através do trabalho de vários contadores e administradores, os quais se insurgiram contra a ordem estabelecida. Desenvolveram complexos modelos que permitiram a produção de informações societárias realísticas sem deixar de lado o atendimento de normas tributárias. Uma das consequências foi a grande quantidade de ajustes no Lalur.
O advento da Lei 11.638/2007 inaugurou uma era de subjetividade responsável, demolindo formalismos e libertando a contabilidade do engessamento fiscal e tecnicista. Esse admirável mundo novo contábil amplia espaço para ponderações das mais diversas formas e nos convida a uma espécie de ecumenismo envolvendo contadores, economistas, administradores etc. Respiremos fundo e apertemos o cinto porque iniciamos uma viagem de manobras vertiginosas. À nossa frente um horizonte de profundas mudanças no ambiente empresarial; mudanças substanciais, mudanças impactantes, mudanças de comportamento, mudanças de atitude etc. É uma mudança que está fazendo com que os contadores revejam tudo que aprenderam até então.
A densidade da Lei 11.638/2007 vem provocando muitos desdobramentos devido ao fato de ter trazido para a nossa realidade toda uma estrutura conceitual das normas internacionais de contabilidade, cujo cerne está calcado no princípio da essência sobre a forma. O foco é direcionado para a segurança na condução da gestão e para as características qualitativas da informação contábil. Expressões como AVP, DFC, DVA, IFRS, Valor Justo, Convergência Internacional, Demonstrações Comparativas, Análise de Riscos, Ajuste de Avaliação Patrimonial, Teste de Recuperabilidade, Vida Útil Econômica etc., terão que ser digeridas e catalisadas tanto por contadores como administradores.
Quem ficou numa sinuca de bico foi o fisco que terá que encontrar uma saída para essa situação embaraçosa. No momento, estamos sob a égide do RTT. Ou seja, tudo dantes até que a RFB se pronuncie sobre o assunto. Se administradores e contadores estão sendo obrigados a repensar seus métodos de trabalho, o fisco mais ainda. É uma missão quase que impossível em vista da grandiosidade e complexidade da legislação tributária das diversas esferas do governo, que nos últimos 20 anos editou mais de 240.000 normas tributárias, sendo que somente 7% desse total estão em vigor.
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