segunda-feira, 26 de setembro de 2011

ELO DE CONEXÃO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 27/09/2011
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Tal como o Bioquímico, o Contador é um profissional que os leigos sabem da sua existência, mas não têm noção exata do que faz. Os menos desatentos imaginam que o profissional da contabilidade lida com impostos; outros acham que o setor de contábil é o local onde ficam arquivados documentos importantes da empresa. O mais curioso é observar empresários com visão completamente equivocada das atividades e funções do Contabilista, o que dificulta o tão fundamental e imprescindível diálogo que deve haver entre cliente e prestador de serviços contábeis.

Poder-se-ia afirmar que o Contador é o médico que fica o tempo todo com o dedo no pulso da organização, monitorando e cuidando da saúde patrimonial dos mais diversos tipos de entidade. Constitui prerrogativas desse profissional, proporcionar ao Administrador uma visão panorâmica dos processos patrimoniais que se desenvolvem no negócio como um todo. Também, demonstrar os mecanismos e fluxos operacionais que ocorrem em toda estrutura organizacional. É predominantemente, uma função de assessoria e suporte ao tomador de decisão.

O profissional contabilista é ainda o profissional diretamente responsável pela sustentação e existência do Estado. É ele que providencia o combustível que faz a máquina social se movimentar, visto que é o interpretador e operador da legislação tributária – os tributos que o governo arrecada passam pelas suas mãos. E vez por outra faz o papel de marisco quando o mar resolve brigar com a montanha. Ou seja, é ele que leva sopapos quando as empresas resolvem brigar com o Fisco por conta da legislação maluca e injusta desse nosso país completamente contaminado por deformidades tributárias.

Muitos tentam imiscuir-se na seara contábil, mas nenhum outro conhece os fenômenos patrimoniais melhor que o Contador. Por décadas essa tão importante profissão foi massacrada e desmoralizada pela nossa onipotente Receita Federal do Brasil, que por conta da sua voracidade tributária, atropelou os princípios contábeis obrigando o profissional contabilista a construir estruturas de registro patrimonial totalmente aleijadas. Tudo em nome de uma objetividade que uniformizava os processos operacionais das empresas. Como exemplo, as taxas de depreciação do Ativo Fixo eram únicas para todo mundo. Assim, um caminhão que já havia sido consumido nos registros contábeis continuava rodando a pleno vapor. Por isso é que os empresários viam a contabilidade como uma piada e os contadores como um mal necessário.

A Lei 11.638/2007 veio com o propósito de moralizar a ciência contábil e inaugurar a era da subjetividade responsável. A partir dessa lei, finalmente, o contador pôde utilizar plenamente a técnica contábil para evidenciar os processos patrimoniais nos relatórios financeiros da forma como eles acontecem, sem que nenhum agente insidioso possa interferir ou deformar a realidade dos fatos. Agora, sim, existe ambiente propício para um bom e produtivo diálogo entre Contador e Administrador. Os dois podem sentar-se à mesa e trabalhar uma ampla gama de métodos de controle e de produção de informações de qualidade que criem um ambiente propício para que as decisões sejam as melhores possíveis. Enfim, muitas organizações padecem de sérias enfermidades com o médico dentro de casa.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

REFORMANDO PARADIGMAS

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 20/09/2011
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Os paradigmas funcionam como presídios fortemente guarnecidos. Escapar deles exige astúcia, audácia e uma grande vontade de mudar de vida. Devido às suas características desafiadoras, muitos tentam, mas poucos conseguem atingir os objetivos pretendidos. Assim é a rotina diária de uma variada gama de empresários que sentem e sabem que precisam fazer mudanças substanciais na gestão dos negócios. Agora, mais do que nunca, está se buscando a profissionalização dos processos em face da crescente complexidade do ambiente empresarial e pressão dos controles governamentais. As velhas e eficientes práticas lá do passado cada vez mais se mostram inviáveis à medida que trilhamos o caminho da modernidade.

Não à toa, observa-se ampla movimentação na cúpula administrativa de empresas que estão acordando para uma realidade ameaçadora e ao mesmo tempo repleta de oportunidades para aqueles que saírem na frente. A organização dos processos entrou assim na ordem do dia e encabeçou a pauta de prioridades administrativas. A pressão que o gestor recebe do mercado e do governo é automaticamente transferida para seu “staff”. Dessa forma, profissionais medianos e resultados medíocres não estão sendo mais deglutidos com facilidade. Poder-se-ia até classificar tais fenômenos como uma espécie de revolução organizacional em vista do imenso esforço que está sendo exigido daqueles que precisam tomar decisões acertadas.

Mais do que nunca, os recursos humanos estão se mostrando mais importantes do que os recursos financeiros e materiais. Quem não puder pagar o preço dos melhores profissionais terá que encontrar meios de qualificar seu quadro funcional. Esse processo de qualificação, obviamente, deve começar pelo topo da pirâmide e escorrer hierarquia abaixo. Caso contrário, de nada adiantará contratar um funcionário de alto nível, com idéias e propostas que não serão compreendidas nem aceitas. Como é sabido e notório, chefes de primeira contratam pessoas de primeira; chefes de segunda contratam gente de terceira.

Outro aspecto a ser considerado tem a ver com a renúncia aos vícios, jeitinhos e improvisos tão entranhados numa expressiva parcela do nosso empresariado. Os acostumados aos tradicionais métodos heterodoxos de conduzir uma série de assuntos administrativos e tributários estão gradualmente percebendo que o caminho mais seguro é pavimentado pela legalidade e profissionalização. Quem quer crescer e conferir perenidade aos negócios precisa observar mais atentamente alguns casos empresariais de sucesso; fazer o tão famoso “benchmarking”. Só assim poderá descobrir que as empresas realmente bem sucedidas não funcionam na base do improviso.

Uma coisa é certa. Todo o peso da responsabilidade pelo zelo e resguardo do patrimônio de uma empresa recai sobre os ombros do administrador. É ele o único culpado por eventual abalo ou desmonte do negócio. Daí, que os turrões e arrogantes encontrarão cada vez menos espaço no mercado em vista do processo de seleção natural que poupará somente as espécies adaptadas aos novos tempos. Por isso não há como fugir da responsabilidade de encarar os fantasmas e paradigmas. Se os grilhões dos paradigmas parecerem fortes demais para serem rompidos, não custará nada ampliar a capacidade de ouvir e refletir sobre as propostas de colaboradores que estão próximos e dispostos a ajudar. Uma boa dose de humildade e sensatez é muito útil nos momentos de aflição.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

GOVERNANÇA TRIBUTÁRIA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 13/09/2011
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Estamos tão acostumados ao nosso ordenamento social que até esquecemos de refletir sobre sua estrutura e funcionalidade. Falta-nos a conscientização mais aprofundada da dinâmica que impulsiona uma série de atividades à nossa volta e, principalmente, o que dá sustentação a esse sistema, tal qual seja, os impostos. As justificativas morais para o Estado abocanhar expressiva fatia da riqueza produzida pelo cidadão é objeto de complexas e variadas teorias filosóficas. Enquanto o pensador norte-americano Robert Nozick rejeitava a idéia da entrega de parte do patrimônio pessoal aos menos favorecidos através dos tributos, o seu contemporâneo e compatriota John Rawls pregava a justiça distributiva.

O fato é que os impostos estão aí, fortemente entranhados na cultura mundial. Mesmo assim, nós, brasileiros, fazemos um grande esforço para ignorá-los. E não só isso. Costumamos nos valer de tudo quanto é artimanha rocambolesca para fugir deles. Prova disso são as práticas agressivas de planejamento tributário tão orgulhosamente ostentado por empresas que pagam pouco ou nenhum imposto. Tais práticas fomentam um ambiente de perversidade para os negócios e faz do Brasil o paraíso das deformidades tributárias, onde impera a lei do mais esperto.

O papel da empresa como agente social é um conceito que gradualmente ganha escala e influencia a reputação de corporações que procuram transmitir ao mercado a mensagem de que são eticamente corretas no âmbito tributário. A governança tributária está alicerçada nesse conceito e passou a se desenvolver com intensidade a partir dos escândalos das gigantes norte-americanas no início da década passada, Enron e WorldCom, que provocaram imensos prejuízos ao enganar o mercado com demonstrações contábeis fraudulentas. A partir de então governos e diversas entidades começaram a desenvolver mecanismos de controle que pudesse evitar estragos de grandes proporções em suas respectivas economias. O exemplo mais significativo desse movimento foi a edição da Sarbanes-Oxley americana, que passou a exigir um complexo e rigoroso controle dos processos internos das empresas que negociam ações em bolsa de valores nos EUA.

De forma menos incisiva, mas de grande importância para a cultura empresarial e contábil brasileira, a Lei 11.638/2007 trouxe para o nosso ambiente de negócios um modo novo e libertário de interpretar as operações empresariais, cujo foco é a qualidade da informação e segurança na condução da gestão. Assim, e de forma espontânea, uma gama de empresas passou a adotar práticas voltadas para a transparência das informações que prestam aos acionistas e demais “stakeholders”

A governança tributária compreende todo um conjunto de procedimentos baseados na expertise desenvolvida na gestão de assuntos fisco/tributários, tais como o domínio e aplicação adequada da legislação pertinente e formação de equipe de profissionais altamente qualificados. Abrange também a adoção de normas focadas na dinâmica e volubilidade das características semânticas do conjunto de leis que regem os tributos – tudo pautado em rígidos princípios éticos. Para alcançar tais padrões os profissionais precisam queimar as pestanas até definir o correto enquadramento legal das operações mercantis.

Os tributos são necessários e virtuosos na sua essência. Basta observar o exemplo escandinavo da sua aplicação e gerenciamento. A ojeriza que temos aos impostos talvez seja fruto da construção tortuosa da nação brasileira, a qual foi temperada com espoliação, derrama, corrupção, esperteza etc., o que acabou nos tornando cúmplices de tudo quanto é bandalheira que existe por aí.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

PROPOFOL

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM em 09/08/2011
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O cidadão norte-americano é um ferrenho defensor do seu território. Tanto, que não pensa duas vezes antes de dar um tiro naquele que ousar invadir os seus domínios. É assim com sua casa, seus familiares, seu país. Por aqui, em terras tupiniquins, a coisa é bem diferente. Agimos como se nada fosse nosso. Nossas propriedades podem ser invadidas a qualquer momento sem que tenhamos o direito de defender aquilo que trabalhamos duro para construir. O pior de tudo é que os invasores até recebem incentivos do governo – algo inimaginável nos Estados Unidos.

Onde estarão as raízes do nosso comportamento pacífico letárgico passivo? Será que carregamos na nossa genética a marca do colonizador explorador que veio de Portugal com a finalidade específica de arrancar daqui o que pudesse para depois retornar ao velho mundo? Ou será que existe algum elemento maquiavélico que é injetado diariamente na veia do povo brasileiro para mantê-lo em alto grau de resignação a tudo de mal que lhe acontece?

Há pouco tempo testemunhamos a histórica queda do ditador egípcio Hosni Mubarak, que agora está sendo julgado pelos seus desmandos no poder. Somos testemunhas também de várias outras rebeliões mundo afora de gente que reage violentamente às agressões e desmandos dos seus governos, saindo às ruas para protestar com todas as forças de que dispõem. Por esse motivo, os governantes de muitos países são extremamente cautelosos com a coisa pública, visto que seus cidadãos não toleram incompetência e corrupção. No Brasil, o descaramento, desmandos, corrupção, são pragas de extensa vascularização no tecido social. Parece que todo gesto, toda assinatura, toda palavra provinda do ente público carrega algum tipo de contaminação. Sendo assim, por gerações e gerações essas deformidades vêm sendo catalisadas pela química social até ganhar ares de normalidade.

A bandalheira política se transformou numa riquíssima fonte de piadas jocosas que divertem os incautos e enriquecem humoristas e corruptos, deixando o espectador espoliado e risonho. Na realidade, o humor político tão alastrado e prolífico é um dos mais poderosos anestésicos que o cidadão pode experimentar, visto que seus efeitos entorpecentes impedem a percepção das chibatadas que constantemente lhe arrancam o couro. Poder-se-ia dizer que os humoristas até deveriam ser remunerados pelos políticos em vista do imensurável serviço que prestam a esse pessoal; considerando que enquanto o povo se diverte a bandalheira corre livre, leve e solta. O mais impressionante é que todas as artimanhas ignóbeis possuem um jargão humorístico. Assim, para cada situação embaraçosa que por vacilo o político desonesto se envolver, ele terá ao seu dispor um leque de opção de argumentos cínicos para se “defender”, como se houvesse uma espécie de manual do descarado inescrupuloso. O humorista procura transportar o arsenal de bandalheiras para suas charges e espetáculos teatrais. Dessa forma, o cidadão acaba inconscientemente achando tudo naturalmente engraçado. E como diz o velho ditado, “brincando, brincando o gato comeu o rato”.

A bandalheira política deveria ser sempre motivo de indignação e não de piada. Interessante, é que não se vê humorista fazendo piada com ações de estupradores e estripadores. Talvez, pelo horror que isso causaria ao público. A corrupção e os desmandos políticos são de uma perversidade visceral. Por esse motivo deveriam provocar vômitos e não risadas.





terça-feira, 2 de agosto de 2011

INSENSATEZ DESNUDADA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM em 02/08/2011
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Aventurar-se nos labirintos da alma de uma nação com o propósito de dissecar hábitos e costumes é uma tarefa arriscada e extenuante. Exige um hercúleo estado de lucidez e desprendimento para obter visualização panorâmica do objeto de estudo. E o autor deve se policiar a fim de que os próprios valores não comprometam a coesão da obra. A Rede Globo de Televisão possui uma longa lista de novelas acentuadamente temperadas com questões morais, onde temas relacionados à cidadania, preconceito, comportamento etc., são gradualmente desfiados com o objetivo de facilitar a digestão do telespectador.

Exibida no final dos anos 80, a novela Vale Tudo mostrou a cara do Brasil, suas idiossincrasias, seus dilemas morais, sua imatura cidadania. Na época, as feridas do desregramento ético da nossa sociedade foram expostas sem o menor pudor. A empáfia da empresária Odete Roitman ilustrava muito bem o universo da elite burguesa que ainda carregava o ranço aristocrático do século XIX. A atriz Glória Pires interpretou brilhantemente a maquiavélica Maria de Fátima, que passava por cima de todo mundo para levar vantagem em tudo que fizesse – era a personificação da “Lei de Gerson”. Lamentavelmente, a mensagem deixada com a “banana” que o inescrupuloso Marco Aurélio deu ao fugir do país foi de que o Brasil simplesmente não tinha jeito.

A novela Insensato Coração faz uma conexão e um comparativo de dois momentos históricos com sua irmã gêmea Vale tudo. A diferença é que dessa vez há espaço para reforço de valores éticos e morais. O clamor da faxineira Haidê para colocar sua prole nos trilhos da honestidade já não soa como um discurso quixotesco, ao contrário do correto Ivan Meireles, de Vale Tudo, que na época era tido como um ingênuo deslocado da realidade. A intenção dos autores de Vale Tudo era justamente questionar se valia a pena ser honesto no Brasil dos anos 80. A mensagem de agora é que a coisa não está tão esculhambada como antes, visto que o cidadão brasileiro começou a ver gente poderosa ir para a cadeia, mesmo que seja libertada no dia seguinte. Essa mensagem é muito bem ilustrada na cena da atual novela em que o banqueiro Cortez repete o antológico gesto da “banana”, só que com resultado bem diferente: o figurão foi preso e condenado – algo impensável há vinte anos.

De lá para cá uma coisa não mudou um milímetro. A absoluta certeza da impunidade continua solidamente incrustada na consciência de corruptos e facínoras das mais variadas cepas. O banqueiro Cortez é absolutamente convencido de que pode fazer tudo com todos, seja através de medidas convencionais ou criminosas. Por mais chocante que sejam as atitudes desse bandido do colarinho branco, os personagens da vida real são muito piores. Prova disso é a sucessão de escândalos que abarrota os noticiários dia após dia.

Outros personagens de Insensato Coração podem ser classificados como arquétipos na medida em que retratam comportamentos sufocados pela hipocrisia do falso moralismo; mostram o que há debaixo da casca polida normalmente apresentada nas relações sociais: A mãe protetora e carinhosa rouba as jóias da prima; a diretora moralista da Liga das Famílias Cariocas tem um caso extraconjugal; a mocinha ingênua e injustiçada se revela uma exímia mentirosa; a perua ambiciosa pouco se importa com o dinheiro sujo do marido canalha. Será que tudo isso só acontece na televisão ou a novela desnuda as imposturas acobertadas pelo fino traquejo social?

domingo, 24 de julho de 2011

INÉRCIA DOS RESIGNADOS

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM em 26/07/2011
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O historiador britânico John Dalberg-Acton imortalizou a frase “o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Também disse que a autoridade política estraga as relações interpessoais. De modo geral, as massas são dominadas pelo ideário de que o detentor do poder é naturalmente distinto dos demais, sendo merecedor de todas as reverências, privilégios e imunidades. E apesar de vivermos sob a égide do Estado de Direito, a cristalização de tal ideário dificulta a compreensão de que os detentores do poder são acima de tudo servidores públicos. Outro grave equívoco é considerar poder e corrupção indissociável um do outro, concepção que muitos políticos procuram subliminarmente ou escancaradamente transmitir aos cidadãos. Ou seja, “é impossível governar sem roubar”.

Menos grave, mas igualmente perversa é a lesão do patrimônio público ocasionada por desastrosas decisões gerenciais. Entram na lista gastos exorbitantes com obras inacabadas, inchaço da folha de pagamento via multiplicação de órgãos entupidos de funcionários, aumentos abusivos da remuneração do alto escalão, criação de uma infinidade de onerosos benefícios para figurões do poder, contratação de prestadores de serviços desnecessários, agigantamento da máquina administrativa etc. Qualquer pessoa dotada de bom senso sabe que essas práticas destruiriam uma empresa privada em poucos dias. Todos nós sabemos também que assim como ocorre na empresa privada, o órgão público gerencia recursos, que nada mais é do que executar fielmente um planejamento orçamentário bem elaborado.

A pesquisa da ONG Transparência Brasil aponta dados estarrecedores de gastos em todas as esferas do governo. Demonstra, por exemplo, que o orçamento do congresso brasileiro equivale a 83% do orçamento do congresso norte-americano, sendo que o PIB deles é cinco vezes maior. Na Espanha, um país de primeiro mundo, o custo é doze vezes menor que o brasileiro. Esse estado de coisas repercute em tudo quanto é órgão público brasileiro e é o retrato sem retoques do descalabro da nossa gestão pública, onde orçamentos gigantescos são colocados nas mãos de incompetentes e inescrupulosos de toda laia.

Do lado de cá o cidadão assiste resignadamente a esse festival de despautérios. Não deveria ser assim. Felizmente, a internet e as outras mídias têm contribuído para o aclaramento de muitas consciências. Blogs pipocam por todo lado denunciando, questionando e propondo novas formas de pensar. A novela Insensato Coração, da Rede Globo, tem remexido profundamente em algumas distorções éticas enraizadas na alma brasileira, onde fica evidente a extrema dificuldade de mudar um pau que nasceu torto. O grande desafio é construir o paradigma de que a mudança deve acontecer primeiramente em cada cidadão para daí ocorrer uma mudança na sociedade. Isso, porque muitos que reclamam da corrupção são os mesmos que dão propina para o guarda de trânsito. Por esse motivo o corrupto conta com a anuência daqueles que fariam o mesmo se tivessem a mesma oportunidade. E assim a corrupção e os desmandos seguem firme no nosso país.

É necessário que alguma coisa consistente aconteça, nem que seja na novela. O Brasil precisa de pessoas corajosas, como o juiz italiano Francesco Borrelli, que comandou nos anos 90 a “operação mãos limpas”. Nesses dias, a presidenta Dilma foi publicamente ameaçada por alguns políticos da base aliada em razão da faxina no Ministério dos Transportes. Será que nunca iremos reagir às bofetadas que recebemos diariamente?
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terça-feira, 12 de julho de 2011

O EXERCÍCIO DA TOLERÂNCIA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM 12/07/2011
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A formação do tecido social se desenvolve a partir das células familiares, cujas características individuais são determinantes para definição do grau de civilidade de um povo. Essa dita civilidade é caracterizada pelas relações interpessoais, as quais só se sustentam quando são estabelecidos níveis razoáveis de respeito mútuo. Num estágio elevado de padrões de convivência são adotados comportamentos mais sofisticados, como cordialidade e empatia. Benevolência, clemência e compaixão são sinônimos de humanidade; valores imprescindíveis no nosso mundo tão consumido pelo hedonismo e pelo egoísmo, onde há muito tempo a ambição desmedida alcançou o posto mais alto das qualidades exigidas de um cidadão respeitável. Para legitimar tal despudor é utilizada uma grossa camada de verniz que atende pelo nome de ética profissional.

Teóricos dos mais diversos quadrantes estão permanentemente formulando complexas teorias para tornar digeríveis alguns comportamentos ardilosos. Surgem assim os derivativos éticos que se adaptam ao gosto do freguês, subproduto do cinismo social. Criam-se, dessa forma, trilhas sinuosas em meio ao pântano apodrecido das ignomínias e do mau-caratismo. Como exemplo ostensivo dessa prática, vez por outra somos surpreendidos por decisões judiciais absurdas que escandalizam e chocam a sociedade, mas que são tomadas em estrita obediência às leis. Ou então são jogados na nossa cara fatos terríveis de improbidade na administração pública, que vai em cima, vai em baixo, vai prum lado, vai pro outro, e no final tudo acaba em pizza. O cidadão de caráter pendular acaba facilmente sendo arrebatado pelo mau exemplo.

Com fica então o papel dos formadores dos novos cidadãos, os quais irão substituir nossos contemporâneos atores sociais? O que dizer para os filhos, o que ensinar aos alunos? Vamos afirmar uma coisa e fazer outra ou vamos escancarar de vez o falso moralismo e forjar um contingente de arrivistas sociais? Essas questões devem forçar a nossa abstração para refletirmos sobre os nossos valores, algo extremamente importante quando nos deparamos com incômodos dilemas. De certo, a boa e velha educação, aquela que nossos avós preceituavam, continua sendo o melhor remédio para tornar um cidadão digno e respeitável. Sendo assim, não devemos abdicar nem por um momento das regras básicas de convivência e respeito ao próximo como se fossem cláusulas pétreas. Sem isso, veremos a intolerância resultar em violência e esgarçamento do tecido social.

A semana que passou foi marcada pela reação vigorosa do cidadão manauara ao comportamento de um homem que expôs a face sombria do seu caráter ao publicar no periódico goianiense Diário da Manhã um texto que desfia um rol de grosseiras e gratuitas ofensas às pessoas da nossa região. A metralhadora giratória do senhor Eugenio Santana atacou o nosso rio, nossas ruas, nossa culinária, nosso clima, nossos hábitos, nossos urubus, nossas prostitutas, nossos cães etc. Uma investida de tamanha ferocidade nos faz perguntar o seguinte: Que tipo de formação teve esse homem para agir dessa maneira? Que tipo de família o criou? Que tipo de lições recebeu dos pais? Que tipo de legado moral deixará para os filhos? Tal comportamento agressivo é uma erva daninha que envenena as relações humanas e compromete o esforço de tantos que dedicam sua vida à construção de um mundo melhor.