domingo, 20 de novembro de 2011

TEATRO DOS DESENTENDIDOS

Reginaldo de Oliveira

Saber dissimular é o saber dos reis. Essa máxima foi sentenciada pelo maior manipulador político da história francesa. O Cardeal de Richelieu possuía uma incomum habilidade de se agregar ao mandatário do poder estabelecido. Primeiro, durante um evento pomposo, fisgou a rainha-mãe, Maria de Médici, com um eloquente elogio que deixou constrangido alguns membros da igreja, já que o merecedor de todas as honras era o menino rei Luis XIII. Um ano depois era nomeado secretário de Estado para assuntos estrangeiros, o que o fez penetrar no círculo íntimo do poder. Poder esse que estudou em profundidade como se dissecasse um sapo. O passo seguinte foi se aliar ao amante da rainha-mãe e assim explorar as fragilidades do homem que era então tido como o mais poderoso da França. Richelieu tratava o amante Concino Concini como se ele fosse o próprio rei. Poucos anos depois o crescido rei Luis XIII mandou matar Concini e prender muita gente importante. O religioso continuou ao lado de Maria de Médici que em retribuição convenceu o filho a nomeá-lo conselheiro do rei. Com a sua posição consolidada ao lado de Luis XIII, Richelieu abandonou a rainha-mãe e passou a manipular as ações do rei, moldando a França segundo sua visão.

O tal “saber dos reis” foi perdendo gradualmente a aura de nobreza até se transformar em pura cara-de-pau. Um exemplo retumbante é a recente reestréia da ópera-bufa “A Bola da Vez”, agora protagonizada pelo ministro Carlos Lupi; uma tragicomédia de vários atos que ainda não acabou. A cena mais hilária aconteceu quando o ministro tentou lembrar o nome do abnegado empresário Adair Meira, o qual providenciou uma aeronave para ser utilizada pelo próprio ministro em compromissos de agenda oficial do Ministério do Trabalho no Maranhão. Foi visível a inabilidade da encenação do esquecimento, como se o eminente político tivesse faltado a algumas aulas da escola de arte dramática.

Os “esclarecimentos” prestados pelo ministro a um grupo de parlamentares sobre as denúncias de irregularidades na sua pasta adquiriram contornos teatrais. Mas precisamente, um teatro de desentendidos, onde foi possível perceber expressões de surpresa, indignação, seriedade etc. Era cada uma mais convincente que a outra. Alguns até ficaram horrorizados com histórias escandalosas de desvios de dinheiro público.

Obviamente, o que aconteceu de verdade é que cada pessoa presente ao evento procurou representar bem o seu personagem, já que tudo estava sendo acompanhado pela imprensa. O protagonista lá do centro do palco se esforçou para aplicar com rigor a máxima do Cardeal de Richelieu. Claro, não foi bem-sucedido devido a alguns escorregões e exageros no discurso. Os inquiridores, por sua vez, tentavam cercar o ministro com questionamentos embaraçosos, mas tudo feito de acordo com a doutrina do refolhamento.

Toda essa representação é coisa de profissional experimentado – verdadeiros macacos velhos; raposas com muita quilometragem no currículo. Ali, na tal audiência na Câmara, os atores por baixo das máscaras dos personagens sabiam da história verdadeira e sabiam também quais seriam as perguntas certas a fazer e que não foram feitas.

Uma pessoa normal teria imensas dificuldades para carregar para cima e para baixo o pesado figurino de um personagem sem dar um minuto de descanso para a atividade interpretativa e teatral. Será que nem no banheiro de casa, tomando banho, esse pessoal consegue se livrar por um momento do figurino, da maquiagem e dos apetrechos do seu personagem?

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