Publicado no Jornal do Commercio dia 21/11/2012 - A101
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Mudar
hábitos arraigados não é tarefa fácil. Mais difícil ainda é passar por
transformações abruptas com características de catarse. Imagine a dificuldade
de um boxeador que da noite para o dia se vê obrigado a seguir a carreira de
bailarino. É mais ou menos isso o que está acontecendo com uma gama variada de
empresários. Há pouco tempo um comerciante do centro de Belém do Pará recebeu
várias ofertas vantajosas de aquisição de pontos comerciais bem situados. Os
ofertantes são empresários vencidos pelo paroxismo burocrático dos controles
fiscais. Esse pessoal simplesmente não conseguiu segurar a onda de mudanças
radicais que vem balançando as estruturas de empreendimentos anteriormente
tidos como sólidos e inabaláveis. Essa dita onda tsunâmica está deixando muita
gente desorientada e sem nenhuma alternativa para salvar os negócios, visto que
hábitos forjados no molde da sonegação tributária dificilmente serão
modificados, não importando a pressão dos controles mirabolantes imposta pelo
Fisco. Os ventos da mudança de paradigma já são perceptíveis há muito tempo. O
problema é que os alertas fiscais não foram levados a sério. Agora, a brisa lá
de trás já se transformou num vendaval e logo, logo, irá adquirir proporções de
um furacão a devastar estruturas administrativas mal construídas.
O
modelo de gestão vigente nessas empresas enfermas só considera existência dos
setores financeiro e comercial. O setor administrativo é uma coisa que sempre
está meio que à deriva; uma coisa que vai se ajeitando por si só. Os
responsáveis por essas administrações empíricas não conseguem sequer
identificar as causas da sua ineficiência, como também não conseguem
compreender a natureza das ações bem sucedidas que alavancaram o desempenho do
concorrente que está rodando fiscalmente a 100%. O empresário tradicionalista
não costuma perder tempo com assuntos que não envolvam compra e venda. Seus
funcionários são toscos e de baixíssima capacitação profissional. Sua estrutura
de informática é mínima. Seu controle interno tem mais furos do que um queijo
suíço. Ou seja, a sustentabilidade do negócio está diretamente ligada à prática
da sonegação de tributos. A sonegação é o contrapeso da ineficiência.
A
nota fiscal eletrônica, coluna mestra do projeto SPED, está perturbando as
relações do comerciante com o seu fornecedor e também com o seu contador. O
fornecedor já está trabalhando com nota “cheia” e assim “entregando” a operação
para o Fisco; não deixando margem para ajustes na escrituração fiscal. Alguns
contadores não conseguem aplicar na escrituração de todos os seus clientes a
plenitude da complexidade das obrigações fiscais; eles acabam trabalhando
apenas na superfície do problema, enquanto que lá nas profundezas o resultado
da inobservância de tantas novas e complexas normas fiscais é um sério risco
aos negócios do cliente. Não à toa, cresce ostensivamente a insatisfação e
inquietação de empresários quanto à qualidade dos seus controles fiscais.
Quando
uma sucuri engole um bezerro, ela fica lá, parada, convivendo com aquela
deformidade até conseguir fazer a digestão completa. É mais ou menos isso o que
aconteceu com o Fisco. O SPED está lá, aquela coisa monstruosa na barriga, que
pelo visto ainda vai demorar muito tempo para ser digerido. A própria Receita
Federal está atolada no mundaréu de normatizações e procedimentos que empurrou
goela abaixo de contribuintes absolutamente despreparados. Nas secretarias de
fazenda estaduais a deficiência dos processos gerenciais é mais crítica. Quanto
aos contribuintes, não existe preparo suficiente, principalmente das empresas
pequenas, para se aprofundar no detalhamento e na sofisticação técnica do SPED.
A Secretaria de Fazenda de Rondônia não conseguiu conferir objetividade ao
gerenciamento da substituição tributária interna de ICMS, de tal forma que se
viu obrigada a repristinar uma norma legal por pura falta de estrutura de
tecnologia e de pessoal qualificado. O fato é que cada estado segue seu próprio
ritmo; uns mais rápidos, outros mais lentos. A SEFAZ/AM dispõe de um serviço
que falta a algumas secretarias de fazenda Brasil afora, que é a
disponibilidade aos contribuintes via internet, das notas fiscais emitidas e
recebidas. Mesmo com todos esses desencontros, é bom ressaltar que o Fisco está
debruçado na análise detalhada de diversas operações fiscais. Sabe-se que no
estado de Pernambuco, alguns contribuintes já são alertados pela Secretaria de
Fazenda via ligação telefônica de que um determinado produto do estoque está
com saldo negativo.
O
complicado da coisa é que não é preciso somente haver disposição de acabar com
a sonegação e rodar fiscalmente a 100%. O problema é que se tudo for pago o
caixa quebra e a empresa fecha as portas. O cerco fiscal via SPED está
finalmente mostrando que a carga tributária é insustentável. Muitos que
decidiram cumprir à risca a insanidade das regras fiscais estão quebrando. O
problema não é só pagar. Problema maior é cumprir as ultra complexas normas de
controle fiscal, que exigem um altíssimo custo para construir uma megaestrutura
administrativa que envolve sistemas caríssimos de informática e mudanças
radicais nos modelos de gestão, além de altos investimentos no quadro de
profissionais especializados, sendo que tais profissionais especializados são
cada vez mais difíceis de achar.
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