terça-feira, 20 de agosto de 2013

PATOLOGIA POLÍTICA


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 20/08/2013 - A134

Num belo domingo de sol a esposa dedicada ajeita o colarinho da camisa do marido exemplar momentos antes da família se dirigir à igreja. O trajeto é muito tranquilo; todos estão serenos e felizes. A chegada ao templo sagrado é sempre muito festiva; famílias se congratulam, as crianças bem comportadas não se agitam e todos os assuntos giram em torno do sagrado e da família. Mais adiante, em um belo sermão o pastor profere palavras esplêndidas que enaltecem o que de mais sublime há no coração do homem. Da igreja, todos seguem para uma domingueira no sítio dum amigo que promete ser muito animada. Nesse novo ecossistema a família se divide com esposas pra lá, crianças pra cá e maridos lá no campo de futebol onde se bebe muito e joga-se pouco. Quanto aos temas das conversas nem de longe lembram a candura na frente da igreja. Fala-se de negócios, de trapaças, de esquemas duvidosos e principalmente de muita safadeza. Sem o menor pudor, disputa-se quem aprontou mais e com o maior número de mulheres, incluindo-se secretárias, vizinhas, cunhadas etc. Hora do almoço em torno de uma grande mesa e aqueles homens devassos voltam a ser honrados pais de família.

Esse comportamento ambíguo em nada é tido como anormal por nenhum dos valorosos pais de família que se reúnem entre amigos. Até mesmo as esposas sabem das presepadas dos companheiros, mas acham tudo natural desde que as aparências e os valores familiares de casa sejam preservados. Assim, o pai fala uma coisa para o filho e pratica outra totalmente diferente: fala que não se deve mentir, não se deve trair a esposa nem roubar, mesmo que o patrimônio em nada seja compatível com o salário que recebe.

Criticar tais posturas supostamente condenáveis seria cometer um atentado contra a família, contra Deus e contra os costumes, visto que até mesmo um homem notoriamente conhecido por desvirginizar dezenas de ribeirinhas acaba sendo quase que santificado pela sua macheza. Assim é a nossa política e assim são os que habitam o universo do poder público. O que acontece à luz do dia e à vista de todos é suficiente para escandalizar o indivíduo tomado de arroubos éticos, mas esse mesmo indivíduo acaba no final das contas sendo ridicularizado por todos ao seu redor. Ou seja, o sol se levanta no nascente e se deita no poente, significando assim que a ordem das coisas foi estabelecida por uma força que está além do nosso alcance. As coisas são o que são e pronto.

O político ladrão, o fiscal corrupto e o juiz comprado são pessoas maravilhosas e honrados pais de família que vivem suas vidas no mais absoluto estado de normalidade; seus filhos são inteligentes e suas esposas são a mais perfeita tradução de companheirismo e fidelidade. O que importa se vários pacientes morrem na porta do hospital por falta do dinheiro desviado para contas no exterior? Quem quer saber se o atendimento da prefeitura é o pior do país? Quem é que está preocupado se o policial ganha uma miséria ou se está envolvido em grupos de extermínio? Qual o doido em posse de suas faculdades mentais vai meter a mão no vespeiro ao se dispor a brigar com gente grande para modernizar a gestão da sua secretaria? O fato é que ninguém está ligando pra nada; a única coisa que importa é dinheiro e poder. Outra coisa absolutamente importantíssima é mentir e mentir bem. A arte excelsa da mentira é o melhor trampolim para alcançar postos mais altos no poder público. Pode-se notar na televisão o belo e autêntico palavreado do representante do poder público. O semblante firme e sereno, e às vezes indignado, é capaz de se sobrepor até mesmo ao melhor ator de Hollywood; algo que toca o fundo dos nossos corações.

Pois é. Assim é a política, assim é tudo o que se refere ao poder público. A bandalheira, por mais nojenta que possa parecer para alguns, lá, no meio da corja de biltres, é tratada com a mais absoluta normalidade. Tudo de cômico e perverso que envolve a política é tragicamente verdadeiro. Por mais tenebrosas que sejam as fofocas, o fato real se mostra muito mais escarnecedor. Quem está lá dentro sabe que não há uma só fresta limpa, visto que tudo está inundado de corrupção e descaso. A política é assim e pronto. Só um idiota sonhador acredita na prática efetiva da conduta ética e todos esses idiotas são expurgados do esquema e da vida pública, sobrevivendo tão somente as raposas ardilosas. 

As manifestações que explodiram em junho passado vêm aos poucos levantando o cascão por onde já dá para enxergar um tumor maligno em estado avançado. Dessa forma, fica muito difícil pensar na possibilidade de acabar com a corrupção e com os desmandos do poder público, visto que tais patologias já estão entranhadas até no concreto das paredes dos órgãos públicos. Isso lembra o caso do operário da obra que passou um ano sem lavar a rede que dormia todas as noites. Foi só deixar a tal rede de molho no sabão que ela se dissolveu restando intactos somente os punhos. Ou seja, depois de tanto tempo de descuido não foi possível eliminar a sujeira sem esgarçar o tecido de algodão.







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