terça-feira, 10 de junho de 2014

EMPURRANDO COM A BARRIGA (LEI 12.741)


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 10/06/2014 - A173

Jornal Nacional (06/06/2014) – A repórter Cláudia Bomtempo noticia a “nova lei” que obriga as empresas a informar os impostos pagos por produtos e por serviços. E ainda exemplifica a taxação de 13% sobre compra de instrumentos utilizados na pesca esportiva. A mesma reportagem informou que as empresas terão seis meses para se adaptar a tal da “nova lei”. E num tom novidadeiro o ministro Afif Domingos disse que o objetivo da dita “nova lei” é criar no consumidor a consciência de pagador de impostos. Nesse mesmo dia vários canais midiáticos da internet estampavam nas suas manchetes a entrada em vigor dia 09/06/2014 da lei que obriga as empresas a informar a carga tributária embutida nos preços de produtos e serviços (lei publicada em 2012). Ou seja, a sexta-feira passada foi tomada de ventos contrários. Afinal de contas, o que estava acontecendo? Que história era aquela de duas datas para uma mesma nova velha lei?

Pois é. Toda essa lambança de informações é bem a cara do governo. O Jornal Nacional errou feio ao conferir um tom de ineditismo ao assunto. E errou mais ainda quando utilizou a expressão “nova lei”. A Lei 12.741 é de 2012. O que o governo publicou foi a MP 649 que ADIOU PELA SEGUNDA VEZ os efeitos punitivos da Lei 12.741, sendo que a repórter Cláudia Bomtempo não esclareceu nada disso, preferindo induzir o público a acreditar que o objeto da reportagem era algo inédito. Quanta inocência!! Outra situação muito estranha foi a exemplificação da taxação do material de pesca esportiva. Uma esdruxulosidade, visto que a cesta básica amazonense paga 17% só de ICMS. Isso, sem contar PIS, COFINS, IPI etc. É claro que essa carga de 13% está mais do que errada. Provavelmente, o peso tributário é quatro vezes maior.

A Lei 12.741 é um alento de civilidade num país devastado pela corrupção e pelo massacre da população trabalhadora, visto que tem o poder de transformar cada habitante do Brasil num cidadão consciente da sua participação na gestão governamental. Ou seja, quem paga, cobra resultados. E é isso que o governo tanto teme: um povo esclarecido. Hoje, a incompetência e a corrupção não desencadeiam uma revolta massificada porque a massa ignorante acha que roubado é o dinheiro do governo. Esse pessoal não sabe ainda que o dinheiro do governo é na realidade aquele dinheirinho que faltou para comprar o leite do filho. Nosso sistema tributário é regressivo. Isso significa que quem paga a maior carga tributária do mundo é o pobre; ao contrário do sistema progressivo dos países desenvolvidos, cujo alvo da tributação é a renda dos ricos. Metade da arrecadação brasileira vem do consumo e a pequena fatia de imposto de renda do nosso bolo arrecadatório vem dos assalariados. Taxação sobre propriedade é uma piada no Brasil em comparação ao governo escandinavo que tributa pesadamente as heranças em função do demérito daquele que não construiu a fortuna. O Brasil dispõe de um riquíssimo arsenal de instrumentos jurídicos prontinhos para proteger o rico e ao mesmo tempo atacar o pobre com uma ferocidade escarnecedora. Esse modus operandi lembra bem o rei francês Luiz XIV, que dizia: “Quero que o clero reze, que o nobre morra pela pátria e que o povo pague”. Essa frase está estampada na fachada de cada secretaria de fazenda. Para ler, basta colocar os óculos da cidadania tributária.

Parece que a ideia é esconder, é enganar, é jogar lá pra frente, a possibilidade do tal pagador consciente de imposto existir aos milhões. Até o Jornal Nacional entrou na jogada. Essa história de imposto na nota é muito, muito antiga. Precisamente, 26 anos (CF art. 150 § 5º). E vinha rolando ano após ano no Congresso até que pelo milagre dos céus a Lei 12.741 foi promulgada em dezembro de 2012, com previsão de vigorar em junho de 2013. Talvez o governo tenha se assustado com o fato do terremoto das manifestações ter acontecido no mesmo mês em que a Lei 12.741 entrou em vigor. É como se o povo tivesse se revoltado ao saber da quantidade exorbitante de impostos agregados aos produtos que consome. Emblematicamente, o governo decidiu nesse mesmo junho de 2013 (através da MP 620), adiar por um ano os efeitos do diploma legal. Foi a mesma coisa que armar uma bomba relógio, visto que esse adiamento iria revelar o tamanho da mordida tributária justamente na semana de abertura da copa do mundo. É claro que o risco de novas convulsões sociais seria muito grande. Risco também para as eleições. Então o povo tinha que ser mantido na ignorância. Daí, mais um adiamento. Agora, para 2015. Provavelmente, haverá um novo adiamento para 2016. O objetivo é ir sempre empurrando a bronca com a barriga. Talvez por mais 26 anos.

O mais interessante nessa história toda é a revolta da classe empresária com os abusos regulatórios do governo. Essa classe não atentou para o fato de que a mais eficiente forma de protesto contra tais abusos seria simplesmente não esperar 2015 e mostrar agora ao consumidor o tamanho do pepino enverrugado que ele é obrigado a encarar diariamente. Ou seja, os comerciantes poderiam aplicar de imediato as disposições da Lei 12.741, informando assim ao consumidor todos os impostos embutidos nos produtos comercializados. Dessa forma, o povo iria saber quem é o verdadeiro vilão da história.

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