Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 2 / 8 / 2016 - A261
Configura-se
crime contra a ordem tributária, deixar de recolher no prazo legal os valores
de tributos descontados de terceiros (Lei 8137/1990 art. 2º, II). Nessa situação
é enquadrada a contribuição previdenciária e o imposto de renda descontados dos
empregados pelas empresas. Poder-se-ia também incluir nesse rol de ações
delituosas o IPI, bem como a Substituição Tributária do ICMS cobrado do
adquirente de mercadorias. Em qualquer dessas hipóteses fica caracterizado o
ato de apropriação indébita. Enquanto isso, os tributos indiretos possuem distinções
bem particulares e por tal motivo merecem uma análise cuidadosa. Por exemplo, o
imposto declarado e não pago deixa de sujeitar o contribuinte às penalidades do
dispositivo legal supramencionado. Crime haveria se for comprovada alguma
intenção de fraude com propósito de enganar as autoridades fazendárias. O
simples inadimplemento não pode resultar numa ordem de encarceramento, mesmo
porque o Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que
dispõe no seu artigo 7º, item 7, que “ninguém deve ser detido por dívidas”
(vide Decreto 678/1992).
Isto
posto, vamos imaginar duas situações hipotéticas de inadimplência tributária. O
comerciante João acrescenta ao custo de aquisição uma margem pequena o
suficiente para justificar um modesto percentual de lucratividade. Portanto, não
é possível afirmar que esse comerciante se apropriou de um imposto não cobrado
do consumidor. Por outro lado, o comerciante Pedro formalizou e documentou um procedimento
interno que evidencia com exatidão a quantidade de impostos indiretos embutidos
nos preços dos produtos que comercializa. Ou seja, de posse desse material
informativo uma ação fiscalizatória conseguiria identificar os valores
“retidos” do cliente e não repassados ao erário no prazo legal. Pois é!! Curiosamente,
a legislação não distingue as duas condutas. Tanto um quanto o outro estão no
mesmo nível de irregularidade. E o motivo está na caracterização do fato
gerador do tributo, que é a saída da mercadoria do estabelecimento empresarial,
e também na relação jurídica fixada entre o governo (sujeito ativo) e o empresário
(contribuinte de direito). Acontece que o consumidor é Contribuinte de Fato por
suportar o custo financeiro de tantos rebuliços normativos. Mesmo assim, metade
do valor do refrigerante não repassado ao erário deixa de ser uma apropriação
indébita por causa da interseção de responsabilidades e de uma coisa denominada
“não cumulatividade”. Não nos enganemos. Toda confusão tem um propósito.
Se
ICMS, Pis e Cofins tivessem o mesmo tratamento do IPI ou se o nosso sistema de
impostos sobre consumo fosse igual ao dos EUA, é certo que o nível de sonegação
seria infinitamente menor pelo grande risco de penalidade criminal. Uma
eventual mudança de sistema poderia desencadear graves possibilidades de guerra
civil no país. Imagine então o consumidor chegando ao caixa duma loja para pagar
um videogame de R$ 500 e descobrir que tem mais R$ 1.500 de imposto!! O nosso modelo
tributário esconde essa informação taxativa do consumidor, que é
fraudulentamente informado do preço de R$ 2.000. Imagine aquela pessoa que
passou um ano economizando e depois é informado de que quase todo o seu suado
dinheirinho vai ser usado para bancar o luxo e as extravagâncias de deputados e
de outros agentes públicos!! É certo de que a população sairia às ruas
quebrando tudo e ateando fogo nas casas dos políticos. Lamentavelmente, o
consumidor brasileiro é acintosamente enganado sempre que compra alguma coisa,
uma vez que o comerciante não separa na etiqueta do preço o que é imposto e o
que é produto. A falha, nesse caso, é de um sistema legal torto e malicioso.
A
confusão tem seus percalços. Uma das maiores dificuldades é identificar com
precisão a quantidade de tributos indiretos embutidos nos preços das mercadorias.
No supracitado caso do comerciante João, mesmo que dobrasse o preço de
aquisição do produto, ele poderia afirmar que não adicionou Pis/Cofins/ICMS e
que toda a margem acrescentada é custo administrativo e percentual de
lucratividade. A legislação, de certo modo, desconsidera a existência do Contribuinte
de Fato, suscitando a tese de que, na prática, Pis/Cofins/ICMS são tributos
diretos, assim como imposto de renda ou IPTU.
Por
conta de tantos e imutáveis imbróglios, continuaremos tropeçando nas próprias
pernas, pagando mico frente ao mundo, atravancando negócios e assistindo de
camarote ao festival de presepadas dos nossos legisladores. Enfim, somos um bando
de caipiras simulando gestos da nobreza. Somos incapazes de entender e
consequentemente somos incapazes de questionar. Pior, somos covardes por não
lutar pela racionalidade do sistema tributário.
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