Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18 / 10 / 2016 - A270
A
mitológica figura do guarda-livros foi extinta, mas seus despojos ainda não estão
plenamente fossilizados. Muitos continuam acreditando que a função do Contador
é catalisar as ações mirabolantes da administração de modo que tudo fique
bonitinho aos olhos das agências reguladoras governamentais. O Contador seria
um alquimista – no seu escritório, várias bruxarias são desenvolvidas a partir
da papelada recebida dos clientes.
Ainda
é muito comum o seguinte procedimento: A empresa segue o mês juntando numa
caixa toda a documentação contábil, fiscal, trabalhistas etc., que
posteriormente é despachada para o escritório de contabilidade. Chegando ao seu
destino, o pacote passa por uma garimpagem a fim de serem formatadas as
estruturas de registro e de controle exigidos por lei. Isso significa que os
processos ocorridos no período podem ser interpretados erroneamente, uma vez
que o Contador não estava presente em cada evento ou fato administrativo. O
Sistema Contábil é o mais prejudicado por esse modelo, visto que a qualidade
dos registros está vinculada à intenção existente por trás de cada evento
patrimonial. Por exemplo, uma sala comercial adquirida para ser posteriormente
comercializada não pode ser registrada nas contas de Ativo Fixo e sim no grupo
de Investimentos, já que o bem comprado era objeto de especulação imobiliária.
A
evolução dos mecanismos de controle fiscal jogou um balde de água fria nesse
modelo anacrônico de serviços contábeis. Até mesmo porque ao longo de décadas a
nossa contabilidade sempre foi tratada como um mal necessário. O Contador era
visto como uma figura exótica, paga pra fazer lá não se sabe o quê. Os vários
livros e documentos produzidos tinham um só destino: a Fiscalização. Pra gestão
da empresa ou pra alavancar os negócios, o Contador não contribuía com nada. O
aperto dos Entes Fazendários passou a dificultar em muito a tal alquimia fiscal
e contábil. Os feitiços foram diminuindo, diminuindo, até que hoje muitos
registros são relatos fidedignos de operações reais.
Lamentavelmente,
a realidade do nosso sistema tributário é pavorosa. Antes, muita gente não se
dava conta disso porque tudo era “ajeitado”. Agora, é preciso observar as
maluquices normativas das nossas leis transloucadas. Ou seja, qualquer pisada
de bola é fatal. Meses atrás, um satélite da Honda foi autuado pela SEFAZ em
700 mil reais por causa dum ÚNICO erro em meio à montanha de normas rigorosamente
observadas. Isso mostra o quão ingrata é a profissão de Contador. Um erro em
duzentos mil acertos pode destruir negócios e empregos, mas o agente
fiscalizador tem plena autonomia para se chafurdar nas normas legais ou violar
o ordenamento jurídico ou achacar ou fazer cobranças indevidas que ninguém é
responsabilizado. Temos um dos ambientes de negócios mais arriscados do mundo.
Os grandes investidores internacionais só aportam por aqui depois de conseguir
vantagens absurdas, como é o caso dos juros criminosos do cartão de crédito ou
vastos incentivos fiscais para conglomerados econômicos. Claro, óbvio, quem
paga a conta de tantas benesses aos estrangeiros são as empresas brasileiras.
Por
conta dos riscos fiscais, as empresas já estão capacitando seus funcionários
para interpretar as particularidades dos documentos fiscais e, com isso, alimentando
o sistema de estoque em conformidade com a situação tributária específica de
cada item do DANFE ou do arquivo XML. Tal procedimento encurta em muito o tempo
de análise no escritório de contabilidade. Também, promove uma drástica diminuição
de riscos de penalidades aplicadas por agentes fazendários. Esse modelo está transformando Contadores em
Gestores de Processos Empresariais, ao passo que o cumprimento de obrigações
relacionadas ao SPED está aprimorando a qualidade do Controle Interno dos
Clientes.
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