Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 3 / 4 / 2018 - A 329
De
acordo com o Professor Aldo de Paula, o regime de substituição tributária do
ICMS se expandiu de tal modo que foi esmagado pela própria força gravitacional.
A voracidade arrecadatória dos governos estaduais deformou profundamente um
modelo fiscal concebido a partir da necessidade de conferir neutralidade para
mercados altamente concentrados. Tantos foram os sobressaltos, que atualmente
as secretarias de fazenda estaduais estão mergulhadas num frenesi normativo
para tentar manter a saúde do erário, uma vez que o explosivo Recurso
Extraordinário 593849 (STF) bombardeou esse dito sistema de arrecadação. Em
face da nociva repercussão jurídica, todos estão a indagar: Acabamos com o
ICMS-ST ou o reduzimos àqueles itens essenciais da sua origem?
O
Professor Aldo, num discurso proferido na Fundação Getúlio Vargas, questiona os
motivos que levaram às distorções do modelo de substituição tributária do ICMS
que estamos vivenciando atualmente.
Até
o ano de 1993, o ICMS-ST atendia uma demanda dos contribuintes, que visava
colocar todos os atores no mesmo nível de competitividade em relação ao preço,
mesmo porque, é fato sabido e notório que isso impacta o bolso do consumidor. A
sonegação, portanto, culminava numa vantagem competitiva artificial, estimulando
as deslealdades predatórias de mercado. Nesse sentido, as disposições da Lei
Complementar 87/96 previa uma determinação de valor presumido com base em
pesquisas de mercado. A norma definia uma estrutura aferidora que levava em
consideração um pressuposto de fato gerador que deveria efetivamente ocorrer.
Logo
depois da LC87 foi editado o Convênio 13/97, que regulamentava um modelo diferenciado
de substituição tributária para veículos. Uma das razões dessa diferenciação
estava no caráter facultativo do regime. Trocando em miúdos, o contribuinte
tinha o poder de decisão. Caso aderisse ao regime, ele aceitaria todas as
condições do pacote, que em suma, eram: Se o fato gerador acontecesse a menor,
o Estado não devolveria a diferença; ocorrendo o fato de modo oposto, não
haveria complemento a ser recolhido posteriormente. A ADI 1851/98 invalidou
essa espécie de “acordo”, afirmando que a devolução era sempre obrigatória, uma
vez que, no entendimento do Supremo, a substituição tributária era uma técnica
de arrecadação do ICMS. Mais a frente, quando o STF se dispôs a uma análise
mais aprofundada da questão, ele se posicionou contrário à devolução, mas
naquele determinado contexto. Isso aconteceu em 2002.
De
modo apressado e perspicaz, os Estados procuraram se reposicionar diante da
oportunidade de promover um “planejamento tributário às avessas”. Isto é,
começaram a tratar o ICMS-ST como um mecanismo definitivo de arrecadação,
transformando a taxação num tributo monofásico. Os estados de São Paulo e de Pernambuco
previam devolução imediata e preferencial, dentro da regra da EC 3/93,
regulamentada nas suas legislações internas. Depois da reanálise da ADI 1851,
ainda em 2002, essas unidades federativas entraram com duas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade contra suas próprias leis estaduais, dizendo que a
devolução era inconstitucional. Tais Ações foram julgadas apenas em 2016. Ou
seja, o Supremo precisou de 14 anos para decidir uma questão crucial e de
grande impacto econômico. No ano de 2016 o STF fala da necessidade de devolução
e em 2017 a decisão de repercussão geral determina que o ICMS-ST é uma técnica
de arrecadação e não um modelo de tributação definitiva.
TRANSCRIÇÃO DO DISCURSO DO PROFESSOR ALDO
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Aldo de Paula - FGV
Direito SP
Acabar com a ST como um
todo ou reduzi-la aqueles itens essenciais como na sua origem.
Quais foram os problemas
que levaram às distorções do modelo de substituição tributária do ICMS que nós
estamos vivendo hoje.
Até o ano de 1993 o ICMS-ST tinha
efetivamente o contorno de uma mecânica de arrecadação. Era uma mecânica que
vinha facilitar a arrecadação com o objetivo de até trazer neutralidade para o
ICMS em mercados altamente concentrados. Então, o setor de veículos, o setor de
bebidas, enfim... Era até uma demanda dos contribuintes de modo a colocar todos
os atores no mesmo nível de competitividade em relação ao preço. Por quê?
Porque o ICMS tinha um impacto relevante nesse preço e aqueles que sonegavam
ICMS acabavam tendo uma vantagem competitiva artificial nesse mercado. Então,
essa origem do ICMS... e ela foi retratada na Lei Complementar 87/96, previa
uma determinação de preço presumido de acordo com pesquisas de mercado, com a
margem de valor agregado, quer dizer, a lei complementar e também, na linha do
que o Daniel disse anteriormente, a lei complementar nacional como uma escolha
da república em relação ao modelo de ICMS-ST previa uma estrutura que levava em
consideração efetivamente uma presunção, uma antecipação que deveria ser sempre
medida ou sempre aferida com base nesse fato gerador efetivo, que deveria
ocorrer.
Logo depois da LC 87/96 foi editado o
Convênio 13/97, que tinha por objetivo a substituição tributária no mercado de
veículos, e era um modelo diferente. Primeiramente, porque trazia um caráter
opcional, facultando ao contribuinte aderir ou não àquele determinado regime.
Se aderisse ao regime, o contribuinte aceitaria todas as condições do pacote. E
as condições do pacote eram: Se o fato gerador acontecer a menor, o Estado não
devolve a diferença. Se o fato gerador acontecer a maior, o Estado também não
cobra essa diferença. Então esse era o pacote.
Veio a ADI 1851/1998, que discutiu
apenas uma regra desse Convênio, que era a regra da não devolução quando o fato
gerador ocorresse a menor. Vejam. Dentro do pacote específico de substituição
tributária opcional, vem a ADI e ataca um artigo desse convênio, falando que
não era válida essa regra, que deveria devolver em todas as situações. O
Supremo quando recebeu essa ADI, decidiu liminarmente, dá a liminar pra
suspender essa cláusula, porque, pela visão geral de substituição tributária,
visão de que era uma técnica de arrecadação, deveria devolver a diferença
quando fato gerador ocorresse a menor. Essa Liminar foi concedida em setembro
de 1998. Logo depois, quando o Supremo analisa o conteúdo integral desse
dispositivo e qual o sentido desse regime que foi instituído pelo convênio, ele
identifica que, na verdade, essa cláusula não era isolada. Era uma cláusula
dentro do pacote. Portanto, a conclusão foi que tinha sentido não devolver,
naquela determinada situação, porque era aquele pacote, e a decisão de mérito,
que foi proferida em 2002, julgou improcedente a ação. Então, nessa decisão que
julgou improcedente a ação, concluiu-se que era válida a não devolução. Mas
naquele determinado contexto. Isso, em 2002. Imediatamente, os Estados já se
reposicionaram diante dessa oportunidade (e aí, vem, na linha do que o Eurico
chama de planejamento tributário às avessas), e, começaram a tratar o ICMS-ST
como um mecanismo definitivo de arrecadação, transformando o tributo num
tributo monofásico, como o que foi apontado pelo Ângelo. O estado de São Paulo
e o estado e Pernambuco eram os dois estados que tinham a devolução imediata e
preferencial, dentro da regra da EC3, regulamentada na legislação, e o estado
de São Paulo e o estado de Pernambuco, depois dessa decisão do Supremo (ADI
1851), ainda em 2002, entraram com duas ADIs contra essas próprias leis
estaduais, dizendo que elas eram inconstitucionais porque devolviam essa
diferença. E a diferença não poderia ser devolvida, de acordo com o que tinha
sido definido antes. Essa ADI de 2002 foi julgada apenas em 2016. Ou seja, 14
anos pra se decidir uma questão pelo STF que era decisiva em relação ao modelo
de substituição tributária, porque, o que estava em cheque aqui não era apenas
a devolução, que a devolução é consequência (devolve ou não devolve é uma
consequência do modelo) E o supremo, nessa ADI 2777 – o relator era o Ministro
Peluzo... Já em 2003 ele apontou que era um modelo diferente, e essa
substituição tributária do estado de São Paulo, não era uma tributação
definitiva, era sim, uma técnica de arrecadação e que, portanto, poderia
acarretar devolução dessa diferença. Isso, em 2003. Em 2008 vem a ampliação do
modelo de substituição tributária para praticamente todos os produtos... A
questão da discussão da margem passa a ser também uma tributação definitiva,
então, quer dizer, os Estados, eles vão seguindo a linha da tributação
definitiva. E aí, em 2016 vem a decisão do Supremo e fala da necessidade de
devolução e agora, em 2017 essa decisão de repercussão geral, ratificando a
decisão da ADI 2777 de que era um modelo de tributação antecipada como técnica
de arrecadação e não tributação definitiva. Então, dentro desse histórico, eu
vejo alguns problemas institucionais, na linha de que o Pedro e o Leonel
disseram há pouco. Há um problema de definição de modelo, que é um problema
legislativo, mas não apenas legislativo, porque a LC está aí desde 1996, é a
mesma lei. É um problema de definição de modelo a partir da aplicação desse
modelo, a partir dos desdobramentos desse modelo. E os desdobramentos desse
modelo, e aí, o Pedro toca na ferida usando o argumento absurdo de extinguir o
Confaz... Eu já tenho uma visão diferente. O Confaz deveria assumir uma maior
responsabilidade de uniformização desses entendimentos como um fórum de se
estabelecer um diálogo efetivo sobre essas técnicas e os reflexos de cada uma
dessas técnicas e de cada um desses modelos para se estabelecer uma
uniformidade dentro dessa legalidade. Porque, nessa disputa de legalidades, é
inevitável que cada Estado busque a melhor legalidade. É inevitável que cada
contribuinte também busque a melhor legalidade. Então, a necessidade de se
estabelecer um órgão de definição da legalidade, e, o judiciário não tem a
velocidade, como essa decisão do Supremo mostra, pra agir em tempo hábil pra
que essa legalidade seja estabelecida. Uma ideia é se estabelecer pro Confaz,
se estabelecer um órgão administrativo que reunisse técnicos e reunisse também
discussões institucionais para se estabelecer a definição o quanto antes dessas
premissas, dessa legalidade, a partir das quais haveria todo o desdobramento de
regulamentação. Então, a partir dessa definição uniforme desse órgão
centralizado, se estabeleceriam dentro dos Estados a aplicação dessa legalidade
que já estaria uma vez definida nesses órgãos.
Uma segunda consequência desse
diagnóstico, a partir da constatação de que o Judiciário efetivamente demorou
muito, o Judiciário, ele deveria ter decidido essa questão muito mais
rapidamente, então, ainda que a dúvida tivesse estabelecido entre o
entendimento da ADI 1851 e a ADI 2777, o julgamento se iniciou em 2003, quer
dizer, o Ministro Peluzo apresentou o voto em 2003 e naquela oportunidade
poderia ter sido definida essa questão, mas diante dos pedidos de vista do
processo, vários pedidos de vista sucessivos, o processo ficou parado durante
muito tempo, e uma questão de interesse nacional acabou constituindo uma
decisão. Quer dizer, isso é um outro problema também estrutural do nosso
sistema. Tem um artigo recente do Professor Conrado Ruber Mendes, da São
Francisco, no qual ele aponta esses problemas estruturais do Supremo Tribunal
Federal também. Quer dizer, a retirada de um caso de pauta é uma forma de
decisão. Porque os fatos continuam se sucedendo. Então, há uma responsabilidade
aqui, sim, do tribunal em relação a essas definições. Então, o tribunal também
precisa ser chamado a definir esses casos dentro de um tempo hábil, dentro de
um tempo que permita a reação da sociedade e o problema não se constitua num
novo problema, como nós temos hoje. Porque hoje, essas distorções ocorrem
porque construiu-se uma nova legalidade em matéria de substituição tributária
que não é a legalidade prevista na Constituição, não é a legalidade estrutural
que deveria ter sido feita pra esse tributo. Então, essas são as provocações
que anotei e gostaria de refletir junto com vocês.
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