terça-feira, 3 de abril de 2018

ATROPELOS DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  3 / 4 / 2018 - A 329

De acordo com o Professor Aldo de Paula, o regime de substituição tributária do ICMS se expandiu de tal modo que foi esmagado pela própria força gravitacional. A voracidade arrecadatória dos governos estaduais deformou profundamente um modelo fiscal concebido a partir da necessidade de conferir neutralidade para mercados altamente concentrados. Tantos foram os sobressaltos, que atualmente as secretarias de fazenda estaduais estão mergulhadas num frenesi normativo para tentar manter a saúde do erário, uma vez que o explosivo Recurso Extraordinário 593849 (STF) bombardeou esse dito sistema de arrecadação. Em face da nociva repercussão jurídica, todos estão a indagar: Acabamos com o ICMS-ST ou o reduzimos àqueles itens essenciais da sua origem?

O Professor Aldo, num discurso proferido na Fundação Getúlio Vargas, questiona os motivos que levaram às distorções do modelo de substituição tributária do ICMS que estamos vivenciando atualmente.

Até o ano de 1993, o ICMS-ST atendia uma demanda dos contribuintes, que visava colocar todos os atores no mesmo nível de competitividade em relação ao preço, mesmo porque, é fato sabido e notório que isso impacta o bolso do consumidor. A sonegação, portanto, culminava numa vantagem competitiva artificial, estimulando as deslealdades predatórias de mercado. Nesse sentido, as disposições da Lei Complementar 87/96 previa uma determinação de valor presumido com base em pesquisas de mercado. A norma definia uma estrutura aferidora que levava em consideração um pressuposto de fato gerador que deveria efetivamente ocorrer.

Logo depois da LC87 foi editado o Convênio 13/97, que regulamentava um modelo diferenciado de substituição tributária para veículos. Uma das razões dessa diferenciação estava no caráter facultativo do regime. Trocando em miúdos, o contribuinte tinha o poder de decisão. Caso aderisse ao regime, ele aceitaria todas as condições do pacote, que em suma, eram: Se o fato gerador acontecesse a menor, o Estado não devolveria a diferença; ocorrendo o fato de modo oposto, não haveria complemento a ser recolhido posteriormente. A ADI 1851/98 invalidou essa espécie de “acordo”, afirmando que a devolução era sempre obrigatória, uma vez que, no entendimento do Supremo, a substituição tributária era uma técnica de arrecadação do ICMS. Mais a frente, quando o STF se dispôs a uma análise mais aprofundada da questão, ele se posicionou contrário à devolução, mas naquele determinado contexto. Isso aconteceu em 2002.

De modo apressado e perspicaz, os Estados procuraram se reposicionar diante da oportunidade de promover um “planejamento tributário às avessas”. Isto é, começaram a tratar o ICMS-ST como um mecanismo definitivo de arrecadação, transformando a taxação num tributo monofásico. Os estados de São Paulo e de Pernambuco previam devolução imediata e preferencial, dentro da regra da EC 3/93, regulamentada nas suas legislações internas. Depois da reanálise da ADI 1851, ainda em 2002, essas unidades federativas entraram com duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra suas próprias leis estaduais, dizendo que a devolução era inconstitucional. Tais Ações foram julgadas apenas em 2016. Ou seja, o Supremo precisou de 14 anos para decidir uma questão crucial e de grande impacto econômico. No ano de 2016 o STF fala da necessidade de devolução e em 2017 a decisão de repercussão geral determina que o ICMS-ST é uma técnica de arrecadação e não um modelo de tributação definitiva.

O Professor Aldo identifica um sério problema de definição de modelo jurídico na substituição tributária do ICMS. O embaraço está na definição de modelo a partir da sua aplicação; a partir dos desdobramentos de tal modelo. O que falta, portanto, é se estabelecer um diálogo efetivo sobre os reflexos de tais técnicas, que propicie uma uniformidade dentro da legalidade. Mesmo porque, é inevitável que cada Estado e que cada contribuinte busque a melhor legalidade. O Confaz poderia assumir a responsabilidade de definir os limites dessa legalidade, uma vez que o Judiciário é o pior dos caminhos para se buscar segurança jurídica aplicável a temas de alta complexidade normativa. 


TRANSCRIÇÃO DO DISCURSO DO PROFESSOR ALDO
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Aldo de Paula - FGV Direito SP
Acabar com a ST como um todo ou reduzi-la aqueles itens essenciais como na sua origem.
Quais foram os problemas que levaram às distorções do modelo de substituição tributária do ICMS que nós estamos vivendo hoje.
Até o ano de 1993 o ICMS-ST tinha efetivamente o contorno de uma mecânica de arrecadação. Era uma mecânica que vinha facilitar a arrecadação com o objetivo de até trazer neutralidade para o ICMS em mercados altamente concentrados. Então, o setor de veículos, o setor de bebidas, enfim... Era até uma demanda dos contribuintes de modo a colocar todos os atores no mesmo nível de competitividade em relação ao preço. Por quê? Porque o ICMS tinha um impacto relevante nesse preço e aqueles que sonegavam ICMS acabavam tendo uma vantagem competitiva artificial nesse mercado. Então, essa origem do ICMS... e ela foi retratada na Lei Complementar 87/96, previa uma determinação de preço presumido de acordo com pesquisas de mercado, com a margem de valor agregado, quer dizer, a lei complementar e também, na linha do que o Daniel disse anteriormente, a lei complementar nacional como uma escolha da república em relação ao modelo de ICMS-ST previa uma estrutura que levava em consideração efetivamente uma presunção, uma antecipação que deveria ser sempre medida ou sempre aferida com base nesse fato gerador efetivo, que deveria ocorrer.
Logo depois da LC 87/96 foi editado o Convênio 13/97, que tinha por objetivo a substituição tributária no mercado de veículos, e era um modelo diferente. Primeiramente, porque trazia um caráter opcional, facultando ao contribuinte aderir ou não àquele determinado regime. Se aderisse ao regime, o contribuinte aceitaria todas as condições do pacote. E as condições do pacote eram: Se o fato gerador acontecer a menor, o Estado não devolve a diferença. Se o fato gerador acontecer a maior, o Estado também não cobra essa diferença. Então esse era o pacote.
Veio a ADI 1851/1998, que discutiu apenas uma regra desse Convênio, que era a regra da não devolução quando o fato gerador ocorresse a menor. Vejam. Dentro do pacote específico de substituição tributária opcional, vem a ADI e ataca um artigo desse convênio, falando que não era válida essa regra, que deveria devolver em todas as situações. O Supremo quando recebeu essa ADI, decidiu liminarmente, dá a liminar pra suspender essa cláusula, porque, pela visão geral de substituição tributária, visão de que era uma técnica de arrecadação, deveria devolver a diferença quando fato gerador ocorresse a menor. Essa Liminar foi concedida em setembro de 1998. Logo depois, quando o Supremo analisa o conteúdo integral desse dispositivo e qual o sentido desse regime que foi instituído pelo convênio, ele identifica que, na verdade, essa cláusula não era isolada. Era uma cláusula dentro do pacote. Portanto, a conclusão foi que tinha sentido não devolver, naquela determinada situação, porque era aquele pacote, e a decisão de mérito, que foi proferida em 2002, julgou improcedente a ação. Então, nessa decisão que julgou improcedente a ação, concluiu-se que era válida a não devolução. Mas naquele determinado contexto. Isso, em 2002. Imediatamente, os Estados já se reposicionaram diante dessa oportunidade (e aí, vem, na linha do que o Eurico chama de planejamento tributário às avessas), e, começaram a tratar o ICMS-ST como um mecanismo definitivo de arrecadação, transformando o tributo num tributo monofásico, como o que foi apontado pelo Ângelo. O estado de São Paulo e o estado e Pernambuco eram os dois estados que tinham a devolução imediata e preferencial, dentro da regra da EC3, regulamentada na legislação, e o estado de São Paulo e o estado de Pernambuco, depois dessa decisão do Supremo (ADI 1851), ainda em 2002, entraram com duas ADIs contra essas próprias leis estaduais, dizendo que elas eram inconstitucionais porque devolviam essa diferença. E a diferença não poderia ser devolvida, de acordo com o que tinha sido definido antes. Essa ADI de 2002 foi julgada apenas em 2016. Ou seja, 14 anos pra se decidir uma questão pelo STF que era decisiva em relação ao modelo de substituição tributária, porque, o que estava em cheque aqui não era apenas a devolução, que a devolução é consequência (devolve ou não devolve é uma consequência do modelo) E o supremo, nessa ADI 2777 – o relator era o Ministro Peluzo... Já em 2003 ele apontou que era um modelo diferente, e essa substituição tributária do estado de São Paulo, não era uma tributação definitiva, era sim, uma técnica de arrecadação e que, portanto, poderia acarretar devolução dessa diferença. Isso, em 2003. Em 2008 vem a ampliação do modelo de substituição tributária para praticamente todos os produtos... A questão da discussão da margem passa a ser também uma tributação definitiva, então, quer dizer, os Estados, eles vão seguindo a linha da tributação definitiva. E aí, em 2016 vem a decisão do Supremo e fala da necessidade de devolução e agora, em 2017 essa decisão de repercussão geral, ratificando a decisão da ADI 2777 de que era um modelo de tributação antecipada como técnica de arrecadação e não tributação definitiva. Então, dentro desse histórico, eu vejo alguns problemas institucionais, na linha de que o Pedro e o Leonel disseram há pouco. Há um problema de definição de modelo, que é um problema legislativo, mas não apenas legislativo, porque a LC está aí desde 1996, é a mesma lei. É um problema de definição de modelo a partir da aplicação desse modelo, a partir dos desdobramentos desse modelo. E os desdobramentos desse modelo, e aí, o Pedro toca na ferida usando o argumento absurdo de extinguir o Confaz... Eu já tenho uma visão diferente. O Confaz deveria assumir uma maior responsabilidade de uniformização desses entendimentos como um fórum de se estabelecer um diálogo efetivo sobre essas técnicas e os reflexos de cada uma dessas técnicas e de cada um desses modelos para se estabelecer uma uniformidade dentro dessa legalidade. Porque, nessa disputa de legalidades, é inevitável que cada Estado busque a melhor legalidade. É inevitável que cada contribuinte também busque a melhor legalidade. Então, a necessidade de se estabelecer um órgão de definição da legalidade, e, o judiciário não tem a velocidade, como essa decisão do Supremo mostra, pra agir em tempo hábil pra que essa legalidade seja estabelecida. Uma ideia é se estabelecer pro Confaz, se estabelecer um órgão administrativo que reunisse técnicos e reunisse também discussões institucionais para se estabelecer a definição o quanto antes dessas premissas, dessa legalidade, a partir das quais haveria todo o desdobramento de regulamentação. Então, a partir dessa definição uniforme desse órgão centralizado, se estabeleceriam dentro dos Estados a aplicação dessa legalidade que já estaria uma vez definida nesses órgãos.
Uma segunda consequência desse diagnóstico, a partir da constatação de que o Judiciário efetivamente demorou muito, o Judiciário, ele deveria ter decidido essa questão muito mais rapidamente, então, ainda que a dúvida tivesse estabelecido entre o entendimento da ADI 1851 e a ADI 2777, o julgamento se iniciou em 2003, quer dizer, o Ministro Peluzo apresentou o voto em 2003 e naquela oportunidade poderia ter sido definida essa questão, mas diante dos pedidos de vista do processo, vários pedidos de vista sucessivos, o processo ficou parado durante muito tempo, e uma questão de interesse nacional acabou constituindo uma decisão. Quer dizer, isso é um outro problema também estrutural do nosso sistema. Tem um artigo recente do Professor Conrado Ruber Mendes, da São Francisco, no qual ele aponta esses problemas estruturais do Supremo Tribunal Federal também. Quer dizer, a retirada de um caso de pauta é uma forma de decisão. Porque os fatos continuam se sucedendo. Então, há uma responsabilidade aqui, sim, do tribunal em relação a essas definições. Então, o tribunal também precisa ser chamado a definir esses casos dentro de um tempo hábil, dentro de um tempo que permita a reação da sociedade e o problema não se constitua num novo problema, como nós temos hoje. Porque hoje, essas distorções ocorrem porque construiu-se uma nova legalidade em matéria de substituição tributária que não é a legalidade prevista na Constituição, não é a legalidade estrutural que deveria ter sido feita pra esse tributo. Então, essas são as provocações que anotei e gostaria de refletir junto com vocês.











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