Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 12 / 4 / 2018 - A 330
Um
quebra-cabeça de quatro peças é tão elementar que a observação individualizada
de cada uma das suas partes permite um completo entendimento da estampagem,
ainda mais quando se trata da bandeira do Japão. Outro joguinho de dez peças
exige um pouco mais de atenção do observador para fazer a composição mental da figura
antes de iniciar a montagem. Quando a brincadeira adquire tonalidades
dramáticas, o desafiado modifica sua postura e aguça seus sentidos para
organizar um conjunto de 100 peças. Mas então alguém chega com um hiper super
monstruoso quebra-cabeça repleto de desenhos minúsculos. Desse ponto em diante,
somente um punhado de gente consegue sobreviver.
Um
pequeno negócio com poucos empregados preenche naturalmente o campo de visão do
seu proprietário. Desse modo, é possível enxergar todos os processos a partir
dum ângulo de observação. Também, a própria simplicidade estrutural dos
procedimentos administrativos não exige grandes espaços no cérebro do
empreendedor para memorização de fatos e ocorrências. E, por mais astuto que
seja, o gestor vai aos poucos se dando conta dos próprios limites. O pior de
tudo é que a fronteira da capacidade pessoal é frequentemente extrapolada,
dando assim espaço para a proliferação de vícios e desregramentos de todo tipo.
O que vem depois é materializado num sistema autônomo capaz de exercer controle
sobre tudo e sobre todos.
É
preciso determinação, pulso firme e alta dose de competência técnica para
dominar o monstro Bhurokrácttus Ominar, depois que ele ganha musculatura. Grande
parte do empresariado trilha o caminho pavimentado pelos consultores
organizacionais, que consiste basicamente no mapeamento de processos e na
padronização de métodos e procedimentos. O risco desse tipo de empreitada está
na inobservância das idiossincrasias corporativas. Ou seja, algo parecido com o
adestrador que teima ensinar técnicas de voo para a dona galinha. Daí, que não
é incomum ouvir histórias rocambolescas de projetos audaciosos que morreram na
praia.
Ocorre,
que, muita gente mexe e remexe nisso e naquilo, mas ignora a utilização do mais
eficiente instrumento de controle patrimonial existente, que é a velha e boa
contabilidade. O grande trunfo da metodologia contábil está no sistema de
partidas dobradas. Ou seja, uma coisa está sempre amarrada à outra: veio, de
onde?; foi, pra que lugar?; pagou, pra quem?; recebeu, de quem? E por aí,
vai...
Implantar
um sistema de contabilidade gerencial é sempre um exercício de investigação
científica. O grande desafio do profissional contabilista está na leitura e
compreensão do tal monstro Bhurokrácttus Ominar, de modo que suas manias e
cacoetes sejam mapeados, e compreendidos os motivos da sua ineficiência. Isso
acontece naturalmente quando se começa o trabalho contábil. Como dito, o trunfo
contábil está nas partidas dobradas. Isso significa que um evento patrimonial
vai se vinculando a outro de modo a formar uma grande teia de informações.
Manipular a integridade dessa estrutura acaba por deformar todo o conjunto
escritural. É a mesma coisa que tentar camuflar a falta do dedo mínimo do corpo
humano. Por isso é que um experiente auditor pode desmontar fraudes contábeis
de alta complexidade. Basta ele pegar o fio da meada para chegar ao coração dos
eventos adulterados.
Na
prática diária, essa vinculação acontece da seguinte forma: Se o cliente pagou
é porque estava devendo. Portanto, havia o registro da pendência no grupo de contas
dedicado ao controle de recebíveis. Se a liquidação ocorreu em carteira, entrou
dinheiro no caixa que foi somado aos demais recebimentos. Se esse dinheiro for
surrupiado, o cliente continuará devendo nos registros contábeis, levando a um
problema grave quando esse cliente for negativado no Serasa.
De
modo semelhante, a saída de mercadoria do estoque está vinculada ao ingresso de
dinheiro no caixa ou constituição dum direito a receber sobre o cliente. Outro
exemplo: o pagamento de salário está vinculado ao desconto de vales, INSS,
IRPF, que resulta num saldo que deve coincidir com a saída de dinheiro do
caixa. Já, os tributos descontados são direcionados para um registro de dívida
junto ao Fisco que só desaparece após vinculação com a saída de dinheiro do
caixa. E assim sucessivamente. Essa é a mágica da contabilidade: nada está fora
do seu alcance técnico normativo.
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