terça-feira, 12 de março de 2019

O contador não é um agente da burocracia



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  12 / 03 / 2019 - A355

A contabilidade é um instrumento de gestão por excelência, que pode ampliar as capacidades administrativas do indivíduo que descobre a força das partidas dobradas. Os registros contábeis formam uma rede conectada aos processos empresariais, a qual permite rastrear o caminho da informação e ainda reforçar os controles internos. Lamentavelmente, esse tesouro é pouco explorado no Brasil. Talvez por isso, haja tanto descontrole e tanta gente trabalhando no escuro. A informação íntegra, tempestiva e organizada é fundamental para a tomada de decisões eficientes e precisas. Mesmo assim, meio mundo de gente prefere se orientar por relatórios prolixos e confusos do que por demonstrativos contábeis assertivos e consistentes. Talvez o motivo de tantos desatinos esteja na formação deficiente dos nossos administradores, que não se interessam pelo aprendizado dos assuntos contábeis e tributários. O professor Alexandre Saramelli nos convida a uma reflexão perturbadora.

Usar a temporada de imposto de renda como "ponto alto da profissão" é inovador ou desinovador? No ano passado o Conselho Federal de Contabilidade, dentro de um planejamento estratégico da entidade para os próximos dez anos, decidiu utilizar a palavra "inovação" para compor a sua declaração de missão, onde consta: "Inovar para o desenvolvimento da profissão contábil". Mais que uma palavra da moda, "inovar" é um conceito muito complexo que tem seus quiproquós. Daí, que tive a iniciativa de perguntar ao CFC o que seria "inovação" aplicada à área contábil e como exatamente a entidade estava trabalhando esse conceito. Porém, eles não souberam responder.

Estamos em plena aurora da quarta revolução industrial e, pelo menos por enquanto, a convergência digital do contador brasileiro está ocorrendo a esmo, onde tudo indica que não temos um desejável planejamento para tal. Ao mesmo tempo, diversos países, como Chile, França, México, Reino Unido dentre outros, estão oferecendo aos seus cidadãos uma série de artefatos de e-government que dispensam o trabalho operacional dos contadores, tanto para pessoas físicas quanto para pequenas empresas. No Brasil, o agente fazendário ainda não oferece artefatos desse tipo, porém, certamente o fará em um futuro muito próximo porque é uma tendência internacional das administrações tributárias.

Apesar disso, os contadores brasileiros continuam usando a temporada do imposto de renda como uma espécie de trampolim para exaltar a profissão do contador. É nessa época que há um esforço hercúleo de diversos contadores para irem a programas de televisão, dar entrevistas, participar de mesas redondas etc. É o "ponto alto da profissão". Porém, em plena aurora da quarta revolução industrial, e com sistemas de e-government que não necessitam do trabalho operacional de terceiros, seria inteligente continuar a usar a tradicional temporada do imposto de renda como "ponto alto da profissão"?

A exagerada vinculação do contador com a burocracia estatal traz um efeito colateral negativo e terrível para a profissão. Ou seja, as pessoas passam a enxergar o contador como agente da burocracia. E como a tecnologia da informação se dispõe a eliminar essa burocracia, o contador passaria a ser um profissional substituível. No início de março, o Presidente do Chile, Sebastian Piñera, participou de uma entrevista onde vinculou os contadores diretamente à burocracia, sendo que o Colégio de Contadores de Chile emitiu imediatamente uma nota de repúdio onde enfatizou de maneira transparente: “O contador não participa de exercícios burocráticos”.

Ao utilizarmos a temporada de imposto de renda como "ponto alto da profissão contábil", poderíamos estar alimentando uma imagem burocratizada no imaginário da sociedade. E isso não é inovação. Na prática, inovação contábil seria acelerar os processos IFRS e IPSAS nas entidades públicas e privadas e também discutir seriamente a linguagem XBRL, já praticada em diversos países, mas ainda distante da nossa realidade empresarial.

O "ponto alto da profissão contábil" poderia ser, por exemplo, a semana do empreendedorismo. Apenas na cidade de São Paulo são organizados anualmente centenas de eventos de negócios. São feiras, missões comerciais, congressos; enfim, atividades importantíssimas onde não se vê um único contador. Não se vê contadores nos programas jornalísticos falando sobre negócios, empreendedorismo, startups etc.


Não se trata de deixar o Leão de lado, mas será que já não é chegado o momento de dedicarmos menos tempo para o zoológico e mais tempo para visitar feiras de negócios? Curta e siga @doutorimposto

















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