Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 12 / 03 / 2019 - A355
A
contabilidade é um instrumento de gestão por excelência, que pode ampliar as
capacidades administrativas do indivíduo que descobre a força das partidas
dobradas. Os registros contábeis formam uma rede conectada aos processos
empresariais, a qual permite rastrear o caminho da informação e ainda reforçar
os controles internos. Lamentavelmente, esse tesouro é pouco explorado no
Brasil. Talvez por isso, haja tanto descontrole e tanta gente trabalhando no
escuro. A informação íntegra, tempestiva e organizada é fundamental para a
tomada de decisões eficientes e precisas. Mesmo assim, meio mundo de gente prefere
se orientar por relatórios prolixos e confusos do que por demonstrativos
contábeis assertivos e consistentes. Talvez o motivo de tantos desatinos esteja
na formação deficiente dos nossos administradores, que não se interessam pelo
aprendizado dos assuntos contábeis e tributários. O professor Alexandre
Saramelli nos convida a uma reflexão perturbadora.
Usar
a temporada de imposto de renda como "ponto alto da profissão" é
inovador ou desinovador? No ano passado o Conselho Federal de Contabilidade,
dentro de um planejamento estratégico da entidade para os próximos dez anos,
decidiu utilizar a palavra "inovação" para compor a sua declaração de
missão, onde consta: "Inovar para o desenvolvimento da profissão
contábil". Mais que uma palavra da moda, "inovar" é um conceito
muito complexo que tem seus quiproquós. Daí, que tive a iniciativa de perguntar
ao CFC o que seria "inovação" aplicada à área contábil e como
exatamente a entidade estava trabalhando esse conceito. Porém, eles não
souberam responder.
Estamos
em plena aurora da quarta revolução industrial e, pelo menos por enquanto, a
convergência digital do contador brasileiro está ocorrendo a esmo, onde tudo
indica que não temos um desejável planejamento para tal. Ao mesmo tempo,
diversos países, como Chile, França, México, Reino Unido dentre outros, estão
oferecendo aos seus cidadãos uma série de artefatos de e-government que
dispensam o trabalho operacional dos contadores, tanto para pessoas físicas quanto
para pequenas empresas. No Brasil, o agente fazendário ainda não oferece
artefatos desse tipo, porém, certamente o fará em um futuro muito próximo
porque é uma tendência internacional das administrações tributárias.
Apesar
disso, os contadores brasileiros continuam usando a temporada do imposto de
renda como uma espécie de trampolim para exaltar a profissão do contador. É
nessa época que há um esforço hercúleo de diversos contadores para irem a
programas de televisão, dar entrevistas, participar de mesas redondas etc. É o
"ponto alto da profissão". Porém, em plena aurora da quarta revolução
industrial, e com sistemas de e-government que não necessitam do trabalho
operacional de terceiros, seria inteligente continuar a usar a tradicional
temporada do imposto de renda como "ponto alto da profissão"?
A
exagerada vinculação do contador com a burocracia estatal traz um efeito
colateral negativo e terrível para a profissão. Ou seja, as pessoas passam a
enxergar o contador como agente da burocracia. E como a tecnologia da
informação se dispõe a eliminar essa burocracia, o contador passaria a ser um
profissional substituível. No início de março, o Presidente do Chile, Sebastian
Piñera, participou de uma entrevista onde vinculou os contadores diretamente à
burocracia, sendo que o Colégio de Contadores de Chile emitiu imediatamente uma
nota de repúdio onde enfatizou de maneira transparente: “O contador não
participa de exercícios burocráticos”.
Ao
utilizarmos a temporada de imposto de renda como "ponto alto da profissão
contábil", poderíamos estar alimentando uma imagem burocratizada no
imaginário da sociedade. E isso não é inovação. Na prática, inovação contábil
seria acelerar os processos IFRS e IPSAS nas entidades públicas e privadas e
também discutir seriamente a linguagem XBRL, já praticada em diversos países,
mas ainda distante da nossa realidade empresarial.
O
"ponto alto da profissão contábil" poderia ser, por exemplo, a semana
do empreendedorismo. Apenas na cidade de São Paulo são organizados anualmente
centenas de eventos de negócios. São feiras, missões comerciais, congressos;
enfim, atividades importantíssimas onde não se vê um único contador. Não se vê
contadores nos programas jornalísticos falando sobre negócios,
empreendedorismo, startups etc.
Não
se trata de deixar o Leão de lado, mas será que já não é chegado o momento de
dedicarmos menos tempo para o zoológico e mais tempo para visitar feiras de
negócios? Curta e siga @doutorimposto
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