Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18 / 4 / 2023 - A478
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O nosso sistema tributário ficou tão confuso que perdeu forma e substância, comportando-se tal qual partículas subatômicas, que estão aqui, estão ali, não estão mais etc. Desse modo, e por conta duma situação obscurantista, acaba valendo o ponto de vista do observador (experimento da dupla fenda). Como resultado, vários espertalhões postulam dogmas como se fossem senhores da verdade absoluta. Do outro lado, as autoridades com poder de decisão ficam hipnotizadas pela retórica persuasiva, já que não conseguem avaliar o cerne da questão fiscal. Os assessores tapados dessas autoridades também não entendem bulhufas de tributação. E assim, o país inteiro está sendo rebocado para um modelo equivocado e embusteiro.
O Brasil é a meca da esperteza, onde todo mundo quer passar a perna em todo mundo; onde grupos poderosos conseguem isenções fiscais, jogando nas costas dos pequenos o maior peso tributário. Nesse momento, pipocam notícias do jogo de empurra entre segmentos econômicos. Ou seja, cada grupo quer que o outro pague o pato. Por exemplo, a indústria quer jogar a carga tributária nas costas do comércio, que por sua vez quer jogar a bomba no colo do setor de serviços etc. E dentro dos segmentos ocorrem outras disputas, como, por exemplo, as empresas de saúde e de educação que pretendem empurrar a carga tributária para outros prestadores de serviços. O final dessa briga, todo mundo sabe: Aquilo que o grande deixar de pagar vai ser acumulado nas costas do pequeno (fato recorrente e inevitável).
Pois é. Todo mundo sabe exatamente onde está a fonte que solucionaria os nossos grandes problemas tributários, mas a classe empresarial rejeita fortemente o modelo tributário progressivo. Para os membros da nossa elite social, o pior desastre está na possibilidade de pagar a mesma carga da classe média assalariada (27,5%). O modelo progressivo focado nos altos rendimentos reduziria drasticamente os preços dos produtos, fomentando o consumo e aquecendo a economia. Basta lembrar da correria em tempos passados para comprar carros e geladeiras com IPI reduzido. Os mestres obscurantistas justificam a isenção dos dividendos com argumento de que o imposto foi pago na pessoa jurídica. Isso é mentira. Os números quebram essa premissa demagógica, já que, no Brasil, o imposto de renda participa com somente 18% do bolo arrecadatório, enquanto nos EUA esse percentual é de 48%. E o pouco IR arrecadado vem dos assalariados. E já que os super mega ricos não querem pagar, o jeito é tacar a bomba no consumo. Por isso é que nos assustamos quando assistimos a vídeos no Youtube que mostram a brutal diferença dos nossos preços com os praticados nos EUA.
O lado maquiavélico e diabólico da super taxação do consumo está no efeito empobrecedor da população trabalhadora. Não fosse tanto imposto, os produtos seriam três vezes mais baratos. Com isso, a vida do cidadão comum seria bem melhor. Mas, na nossa realidade atual, o governo confisca dois terços da renda do pobre. E depois de arrancar quase tudo desse pobre, o mesmo governo espoliador devolve um pouco do espólio na forma de programas sociais. O governador do Amazonas, Wilson Lima, é o que mais cobra imposto sobre a cesta básica. O governador cobra 20% do alimento básico e cobra somente 12% duma Lamborghini. O Amazonas já teve a menor carga sobre a cesta básica (1%), estabelecida pelo artigo 38 do Decreto 23994/2003, mas em 2012 o então governador Omar Aziz aumentou esse percentual para 17% através da Lei 3830. E no final de 2022, a Lei 6107 isentou, mas não isentou a cesta básica, já que o contribuinte deve pagar 95% do que seria ICMS para o Fundo de Promoção Social. Além da piada da isenção não isenção, o governador Wilson Lima criou uma burocracia infernal que deixou todo mundo atordoado (burocracia para operacionalizar essa isenção não isenção).
O governador cobra IPVA duma moto caindo aos pedaços, mas não cobra o mesmo IPVA de iates ou jatinhos dos seus amigos ricos. Ou seja, o alvo taxativo é sempre o pobre. Quanto mais pobre, maior a ferocidade taxativa. Os programas sociais tem mais um aspecto sinistro: A professora Maria Helena Zockun (USP) disse que mais da metade dos gastos com programas sociais voltam para os cofres do governo na forma de impostos, uma vez que o pobre esfomeado gasta tudo com mantimentos essenciais. Daí, a razão de tanto imposto sobre produtos alimentícios. Conclui-se então que se todo produto básico fosse isento em toda a cadeia econômica, não haveria tantos pobres nos programas sociais. Também, não haveria tantos votos nas eleições.
Voltando aos magos obscurantistas propagadores da verdade divina, tudo caminha para uma reforma tributária que vai trocar seis por meia dúzia, já que continuaremos atolados no sistema de débito versus crédito (IVA). Curiosamente, fala-se tanto de IVA como se fosse algo inédito no Brasil. Esse dito IVA nada mais é do que a tal “não cumulatividade” do ICMS, que as secretarias de fazenda estaduais odeiam. A prova de que o modelo IVA não funciona está nas diversas modalidades ICMS focadas na arrecadação antecipada. O mecanismo de apuração ICMS vem definhando continuamente porque todos sabem das engenharias produtoras de créditos fictícios que geram pouco recolhimento. Se o tal IVA for aprovado na reforma tributária, continuaremos atolados na mesma burocracia infernal. Detalhe importante: As confusões sobre créditos estão na raiz do nosso insano contencioso fiscal.
Definitivamente, o IVA não funciona no Brasil. O que vem funcionando e garantindo o abastecimento do erário são os mecanismos de antecipação tributária, como o regime monofásico do Pis/Cofins, a modalidade ICMS-ST e outras infinidades de retenções na fonte. As agências fazendárias não confiam na honestidade dos apuradores empresariais. E também, a fiscalização das apurações demanda custos públicos gigantescos.
Se houvesse seriedade nos trabalhos dos reformadores tributários, as autoridades constituídas trabalhariam num sistema de arrecadação parecido com o regime estadunidense. Nesse modelo, o ICMS seria “por fora” e incidiria somente na venda para o consumidor final ou para prestadores de serviços. O ISS não sofreria nenhuma modificação. Indústria e atacadistas ficariam isentos de tributação na venda para varejistas. Nesse modelo, não haveria ICMS na origem em operações interestaduais, mas como isso é inviável, a UF remetente taxaria as vendas para a UF destinatária, não importando se pra consumo ou comercialização. A grande importância do ICMS “por fora” é que o não recolhimento seria fatalmente tipificado como crime de apropriação indébita. É bom lembrar que o modelo atual de imposto “por dentro” bloqueia essa criminalização.
Outra possiblidade, seria trocar a taxação do consumidor pela antecipação, como já acontece no regime da substituição tributária. Nesse modelo, todas as mercadorias ingressadas no Estado seriam taxadas uma única vez (esse modelo vigorou no Acre até 2015). E as indústrias fariam retenção nas vendas internas. O imposto seria “por fora” e com pouquíssimas alíquotas. Na esteira da simplificação arrecadatória viria o enxugamento do altíssimo custo burocrático, tanto nas empresas quanto nas fazendas governamentais. O problema está na resistência da indústria do contencioso que perderia bilhões com um possível sistema organizado. Corruptos e pilantras que se alimentam da lama burocrática também sofreriam bastante. E como esse pessoal todo manda no Congresso Nacional, podemos então esperar pelo pior. As empresas devem se preparar para um modelo desastroso. No final de tudo, o jogo de bandidagem vai prevalecer.
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