Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 4 / 4 / 2023 - A477
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Nos
EUA existe um forte senso de responsabilidade sobre os impostos, onde a opinião
do contribuinte pesa em cada detalhe do orçamento público. Ou seja, o agente
público está sempre questionando se o cidadão vai concordar com novas políticas
fiscais. Isso é consequência do accountability social. Enquanto o cidadão
estadunidense monitora a destinação do imposto pago, o brasileiro é totalmente
desconectado dessas questões, já que enxerga o poder público como uma entidade
abstrata e desvinculada das suas finanças pessoais. Essa mesma criatura
alienada não se importa com a patifaria dos agentes públicos porque dinheiro
roubado ou desperdiçado tem origem desconhecida (é dinheiro do governo). Por
outro lado, o agente público, ciente dessa letargia social, promove uma
verdadeira orgia com o dinheiro dos impostos: É obra super faturada, é
licitação fraudulenta, é inchaço do funcionalismo por meio de apadrinhados, é
salário acima do teto, é roubalheira, é corrupção, é tudo que não presta. E
toda essa bagaceira tem um preço. E esse preço é pago pelos mais pobres.
No Brasil, o super rico paga o que quer, quando bem entender. A prova disso está no contencioso fiscal que caminha para se igualar ao nosso PIB, sendo mais da metade crédito podre. Tanto dinheiro represado é o caminho legal que o rico encontrou para não pagar de jeito nenhum. Na verdade, é uma das maneiras, porque há diversos mecanismos para fugir da tributação, sendo todos eles costurados sob medida para ricos sonegadores. Basta lembrar da dupla dinâmica Joesley Batista / Marcelo Odebrecht que tempos atrás comprou a máquina pública por inteiro. E os atuais donos dessa máquina pública ordenaram total silêncio no assunto progressividade. Por isso, o imposto do consumo é o único assunto na pauta da reforma tributária. Por ordem dos ricos, existe regressividade até no imposto progressivo (loucura, loucura, loucura...). Por exemplo, o salário de R$5.000 paga 27,5% (IR) retido no contracheque, não havendo mínima possibilidade de escapatória. Na outra ponta, ganhos sobre vários investimentos pagam 15% (IR), sendo que a carga vai diminuindo conforme aumentam os números milionários. A Professora Maria Helena Zockun (USP) provou que os altíssimos rendimentos pagam apenas 7% (IR). A regressividade está presente também nos tributos sobre patrimônio: O STF decidiu que embarcações de luxo e aeronaves particulares não pagam IPVA, mas o mesmo STF afirmou que o pobre lascado deve pagar IPVA duma motocicleta caindo aos pedaços. E se esse pobre estiver inadimplente e fugir duma blitz, a polícia persegue e mata, como é comum no Rio de Janeiro. Aqui, no Amazonas, enquanto trocentos incentivos beneficiam multinacionais, o governador resolveu em 2021 taxar o ovo de galinha em 18%, que aumentou de imediato a cartela de R$10 para R$15. O ovo é a última salvação do pobre e mesmo assim o governador deixou a mesa desse pobre mais vazia.
Enquanto o multimilionário brasileiro paga 7% de IR, a candidata à presidência dos EUA, Hillary Clinton, tornou pública sua declaração de IR que constava uma taxação de 45%. Verifica-se aqui um abismo entre a contribuição do rico brasileiro em comparação ao rico estadunidense. Desse modo, e com arrecadação pequena de imposto de renda, o fisco brasileiro concentra toda a sua artilharia na tributação do consumo. A nossa insanidade confiscatória é bem ilustrada na nota fiscal 9564 de 28/06/2019, cujo valor dos produtos é de R$18.726,00; valor do IPI R$60.007,80; valor do ICMS-ST R$7.677,66; valor total da NF R$86.411,46. Só nessa NF temos cerca de 400% de imposto por causa de ICMS próprio, Pis e Cofins embutidos no valor de R$18.726,00. Essa taxação enlouquecida acontece no produtor da matéria-prima, na indústria, no distribuidor, no atacadista e no varejista. Em cada uma dessas etapas são despejadas toneladas de impostos. Por isso é que tudo no Brasil é extremamente caro. Por isso é que somos tão empobrecidos pelos impostos. Não fosse uma carga tão acachapante, seria possível consumir três ou quatro vezes mais com o mesmo salário. A capital britânica é um dos lugares mais caros do mundo, e mesmo assim os produtos eletrônicos custam menos da metade quando comparados aos preços brasileiros (após conversão cambial). O pior é que, antes disso, o trabalhador só recebe metade do custo trabalhista suportado pelo seu empregador. E depois vem taxa de luz, taxa de esgoto, taxa financeira, taxa, taxa, taxa... São quase 100 tipos de taxas que enchem os cofres do governo. E mesmo assim, os órgãos públicos estão sempre no vermelho.
Por que o rico não se incomoda com a pesada carga do consumo? Vamos mergulhar em águas turvas e envenenadas. Conforme o IBPT, a carga tributária do forno micro-ondas é de 59,37%, significando que no preço de R$700 está embutido R$416 de impostos. Isso mostra que 34% do salário mínimo vira imposto quando ocorre a compra desse objeto. Já, a pessoa que ganha R$5.000 paga somente 8% de imposto quando faz a mesma aquisição. Agora, vamos descortinar a bagaceira. Um bonitão do Tribunal de Justiça do Amazonas paga somente 0,17% de imposto do mesmo forno micro-ondas, considerando o salário de R$237.000 <bit.ly/3mS9peh>. Preparem-se então para a melhor de todas: O dito imposto de R$416 equivale a 0,03% do salário de R$1.300.000 da juíza pernambucana Marylusia Pereira Feitosa de Araújo <bit.ly/3mPEq2F>.
Pois é. Esse é o caráter diabólico do nosso sistema regressivo: O assalariado paga 34% de imposto sobre um forno micro-ondas, enquanto a funcionária pública milionária paga somente 0,03% de imposto sobre o mesmo objeto. E, obviamente, tem gente no Brasil que ganha cifras infinitamente maiores que essa juíza. E, novamente, obviamente, esse pessoal rico não é minimamente afetado pelos impostos regressivos. A grande preocupação do ricaço está na possibilidade de suportar a mesma carga de muitos assalariados (27,5% de IR); ou então pagar uma carga semelhante à da Finlândia (56%). Outra coisa: A Receita Federal é mansinha com a sonegação do rico e feroz na cobrança de R$100 na declaração do pobre. Até o atendimento é diferenciado: O rico tem preferência, simpatia e cafezinho, restando cara feia e ameaça ao pobre. Pra completar o circo pornográfico, temos uma turminha chamada de “pessoas politicamente expostas” que não podem ser cobradas nem investigadas, contrariando o artigo 5º da nossa CF.
Nos países civilizados, o imposto de renda é progressivo e impiedoso com rendimentos milionários, justamente para tributar pouco o consumo. Nos EUA, por exemplo, o pesado IR dos super ricos permite zero tributação na cadeia da matéria-prima até o atacadista, restando ao varejista cobrar uma taxa pequena e separada do produto. Por isso, é que, por exemplo, um policial americano tem padrão de vida semelhante ao dos ricos brasileiros. Nos EUA, as embalagens dos produtos nas prateleiras dos supermercados são tamanho gigante em comparação aos pacotinhos que se vê por aqui. Enquanto o trabalhador americano dirige carrões e mora em mansões, o brasileiro passa a vida se matando pra comprar um barraco numa encosta ou um carrinho enferrujado. Isso acontece porque 80% do que produz vira imposto que vai sustentar lagostas e vinhos finos do STF ou então trocentos penduricalhos no salário do parlamentar. Por exemplo, o senador Izalci Lucas mantinha 85 assessores no seu gabinete. Imagine então o gasto de todas as casas legislativas do Brasil, todos os cargos executivos, todo o sistema judiciário etc., com todo mundo ganhando salários astronômicos. A face diabólica desse modelo escravagista está no fato de que o pobre é o mais sacrificado, já que a elite social fala abertamente que IR alto afugenta investidores.
E como desgraça pouca é bobagem, o Secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, insiste na manutenção da atual carga tributária ou na sua elevação por meio da multiplicação do ISS. Trocando em miúdos, o rico vai continuar pagando pouco e o pobre vai continuar pagando muito. Na verdade, toda a luta desse secretário está no aumento da arrecadação via confisco do pouco que restou no bolso do pobre. A Confederação Nacional da Agricultura declarou na semana passada que os impostos do agronegócio podem subir 875% <encr.pw/IUMqB>. E, obviamente, tudo, no final, vai ser pago pelo pobre com produtos e serviços mais caros. E também, o secretário não abre mão da burocracia extremada, já que defende ardorosamente o confuso sistema de débito versus crédito (IVA) que já provou ser desastroso. Curta e siga @doutorimposto. Outros 476 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também está disponível o calendário de treinamentos ICMS.
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