Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 10 / 06 / 2025 - A503
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No
filme “Fargo”, os irmãos Coen mostram as consequências devastadoras da
estupidez humana, quando decisões erradas explodem numa sequência de falhas
grosseiras que culminam num estrago total. A coisa toda é um teatro de
absurdos, com baixa probabilidade de comprovação na vida real. Pois é. Na
verdade, tudo pode ser bem pior. Mesmo porque, o ser humano idealizado não
existe, uma vez que nas profundezas da sua alma jaz um depósito de abominações
adormecidas. Uma frase atribuída ao dramaturgo Terêncio diz que nada do que é
humano me é estranho. Portanto, a compreensão da natureza humana pode nos
livrar de muitas armadilhas existenciais e filosóficas.
Stephen
é um negro capacho do escravocrata Calvin Candie nos Estados Unidos do século
XIX, que fica incomodado ao ver outro negro montando um cavalo. Ao reclamar da
situação absurda, o seu senhor diz que pode lhe presentear com um cavalo. O
Stephen retruca: Não preciso disso. O que eu quero, é que ele não tenha um
cavalo. Essa cena reveladora está na produção Django Livre, de Quentin
Tarantino.
Observa-se
uma constante reclamação sobre baixa produtividade nos ambientes corporativos, fato
confirmado pela nossa figuração nos níveis inferiores dos rankings mundiais. Ou
seja, falta criatividade, entusiasmo e comprometimento. Sendo assim, onde está
a raiz de tantos problemas?
Nos
nossos agitados treinamentos de ICMS, muitas e muitas questões estratégicas são
discutidas e esquadrinhadas. Com apoio dos próprios alunos, são descortinadas
uma série de alternativas e possibilidades para reduzir prejuízos amargados por
empresas que pagam impostos indevidos. Ou então, que sofrem vultosas multas por
falhas de conformidade legal ou bagunça administrativa. E, obviamente, a culpa
de tudo está no funcionário inepto e descomprometido. Pois bem!
Em
face do potencial lucrativo gerado por uma equipe bem preparada, eu costumo
dizer que ganhos fiscais extraordinários vendidos por advogados caros podem ser
obtidos na própria operacionalidade cotidiana se o comandante assim o quiser.
Também digo que, o funcionário fiscal de habilidades extraordinárias deve
receber um salário igualmente extraordinário, que, mesmo parecendo “caro”, é
muito mais barato que multas ou taxações indevidas. O empecilho está na cabeça
oca e na visão torta de quase todo empresário, que simplesmente detesta a ideia
de ver o outro crescer.
Numa
empresa de ração animal, o novo vendedor passou a fazer um trabalho
extraordinário junto aos clientes. Sua brilhante visão estratégica alavancou as
vendas para um patamar sem igual. E assim, num determinado mês a comissão
chegou a R$ 28.000 (vinte e oito mil reais). E advinha qual foi a reação do
patrão: Demitiu o vendedor, sob alegação de que ninguém poderia ganhar mais que
a sua gerente comercial. Eu soube dessa história inacreditável por esses dias.
Outra
situação curiosa, também ocorrida aqui, em Manaus. Uma empresa que comercializa
produtos com enquadramentos tributários peculiares, contratou um analista
fiscal que logo identificou falhas graves na gestão tributária. Ele então
acertou com o patrão um percentual de comissionamento pela redução dos custos
tributários. O funcionário fez um trabalho maravilhoso que gerou benefícios
imensos. Porém, o patrão, ao ver o tamanho da comissão, fez um corte de 90% no
valor acertado. Logo em seguida, o funcionário se demitiu, e a empresa voltou a
pagar meio mundo de imposto errado porque ninguém sabia fazer a mesma coisa.
O
dono de um mercadinho em Iranduba pagou inscrições nos treinamentos ICMS em
2023, mas nunca encaminhou ninguém para as aulas, mesmo com repetidos avisos de
novas turmas. Nas nossas aulas são feitos inúmeros alertas sobre práticas
fiscais arriscadas, dentre elas, uma bem tosca que era corriqueira no dito
mercadinho. No final de 2024, veio a multa de quase R$ 2MM (dois milhões de
reais). A parte mais louca dessa trágica história está no fato de que o
abastecimento é todo feito em Manaus. Depois que a bomba explodiu, um rigoroso
mapeamento dos produtos identificou que mais de 80% não era tributado, por
conta de substituição tributária, regime monofásico ou isenções. O dono ficou
atordoado quando descobriu que desde sempre, poderia emitir nota de todas as
vendas, e que mesmo assim, pagaria pouco imposto. Mais o pior veio depois. O
sucesso do mapeamento foi potencializado pela extraordinária capacidade de um
repositor que foi recrutado para esse serviço. Mas o dono queria que esse
repositor fosse substituído pelo inepto sobrinho. Loucura, loucura, loucura...
Cerca
de 15 anos atrás, uma distribuidora de produtos de segurança eletrônica cresceu
num ritmo alucinante. Eu, então, disse para o dono que era preciso contratar um
analista fiscal interno. A resposta truculenta foi de que era total absurdo, já
que um escritório contábil era pago pra isso. Essa distribuidora firmou
contrato para armazenar kits de antena da Via Embratel, que vinham do Rio de
Janeiro na condição de comodato. Outra empresa fazia venda e instalação nas
casas dos assinantes. O fornecedor avisou insistentemente que seria necessário
contestar todas as cobranças da Sefaz pelo ingresso dos kits no Amazonas. Esse
aviso era repetidamente comentado dentro da distribuidora. Os kits começaram a
chegar, juntamente com as cobranças da Sefaz que eram todas pagas sem que
ninguém atentasse para a dita contestação. Somente oito meses depois é que foi
descoberto o tamanho da estupidez porque cerca de R$ 700.000 (setecentos mil
reais) escorreram pelo ralo da péssima gestão fiscal. O dinheiro só foi
recuperado depois dum monumental esforço para derrubar vários empecilhos
levantados pela Sefaz.
Tais
relatos são uma pequena amostra dos casos mirabolantes que vivencio diariamente.
Ou seja, todo santo dia eu me deparo com um absurdo maior que o outro. Ou seja,
a pessoa morre afogada na própria estupidez. Por exemplo, meses atrás, ao levar
uma proposta de treinamento interno para um comércio de material de construção,
descobri, numa rápida análise, vários erros perigosos, como, por exemplo,
aproveitamento de crédito sobre produtos substituição tributária. Eu soube
depois que a diretoria recusou a proposta porque achou cara demais. Noutra
situação, um gigante varejista queria um mapeamento e uma consultoria sobre
operações interestaduais. Esse também, recusou a proposta por achar cara
demais. Tempos depois, eu soube da multa de R$ 40MM (quarenta milhões) por
aproveitamento duplicado de crédito em operações interestaduais.
Eu mesmo, tenho a curiosidade de saber o que tem dentro da cabeça do empresário, que está sempre culpando funcionários e contadores pelos atropelos fiscais. Esse patronato mostra completa ojeriza à ideia de capacitação profissional, por acreditar que tudo se resolve no jeitinho. O que muita gente esquece é que as administrações tributárias não descansam um só minuto, no seu trabalho tecnológico e analítico de dados volumosos. E o fisco é ardiloso. Ele identifica o erro, mas aguarda a coisa se avolumar para dar o bote. E no final das contas, é aquela típica correria para apagar incêndio. Os advogados ficam profundamente agradecidos. Curta e siga @doutorimposto. Outros 502 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também, informações sobre treinamentos online e presencial.