segunda-feira, 9 de junho de 2025

EU QUERO QUE ELE NÃO TENHA

 
Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  10 / 06 / 2025 - A503
Artigos publicados  

No filme “Fargo”, os irmãos Coen mostram as consequências devastadoras da estupidez humana, quando decisões erradas explodem numa sequência de falhas grosseiras que culminam num estrago total. A coisa toda é um teatro de absurdos, com baixa probabilidade de comprovação na vida real. Pois é. Na verdade, tudo pode ser bem pior. Mesmo porque, o ser humano idealizado não existe, uma vez que nas profundezas da sua alma jaz um depósito de abominações adormecidas. Uma frase atribuída ao dramaturgo Terêncio diz que nada do que é humano me é estranho. Portanto, a compreensão da natureza humana pode nos livrar de muitas armadilhas existenciais e filosóficas.

 

Stephen é um negro capacho do escravocrata Calvin Candie nos Estados Unidos do século XIX, que fica incomodado ao ver outro negro montando um cavalo. Ao reclamar da situação absurda, o seu senhor diz que pode lhe presentear com um cavalo. O Stephen retruca: Não preciso disso. O que eu quero, é que ele não tenha um cavalo. Essa cena reveladora está na produção Django Livre, de Quentin Tarantino.

 

Observa-se uma constante reclamação sobre baixa produtividade nos ambientes corporativos, fato confirmado pela nossa figuração nos níveis inferiores dos rankings mundiais. Ou seja, falta criatividade, entusiasmo e comprometimento. Sendo assim, onde está a raiz de tantos problemas?

 

Nos nossos agitados treinamentos de ICMS, muitas e muitas questões estratégicas são discutidas e esquadrinhadas. Com apoio dos próprios alunos, são descortinadas uma série de alternativas e possibilidades para reduzir prejuízos amargados por empresas que pagam impostos indevidos. Ou então, que sofrem vultosas multas por falhas de conformidade legal ou bagunça administrativa. E, obviamente, a culpa de tudo está no funcionário inepto e descomprometido. Pois bem!

 

Em face do potencial lucrativo gerado por uma equipe bem preparada, eu costumo dizer que ganhos fiscais extraordinários vendidos por advogados caros podem ser obtidos na própria operacionalidade cotidiana se o comandante assim o quiser. Também digo que, o funcionário fiscal de habilidades extraordinárias deve receber um salário igualmente extraordinário, que, mesmo parecendo “caro”, é muito mais barato que multas ou taxações indevidas. O empecilho está na cabeça oca e na visão torta de quase todo empresário, que simplesmente detesta a ideia de ver o outro crescer.

 

Numa empresa de ração animal, o novo vendedor passou a fazer um trabalho extraordinário junto aos clientes. Sua brilhante visão estratégica alavancou as vendas para um patamar sem igual. E assim, num determinado mês a comissão chegou a R$ 28.000 (vinte e oito mil reais). E advinha qual foi a reação do patrão: Demitiu o vendedor, sob alegação de que ninguém poderia ganhar mais que a sua gerente comercial. Eu soube dessa história inacreditável por esses dias.

 

Outra situação curiosa, também ocorrida aqui, em Manaus. Uma empresa que comercializa produtos com enquadramentos tributários peculiares, contratou um analista fiscal que logo identificou falhas graves na gestão tributária. Ele então acertou com o patrão um percentual de comissionamento pela redução dos custos tributários. O funcionário fez um trabalho maravilhoso que gerou benefícios imensos. Porém, o patrão, ao ver o tamanho da comissão, fez um corte de 90% no valor acertado. Logo em seguida, o funcionário se demitiu, e a empresa voltou a pagar meio mundo de imposto errado porque ninguém sabia fazer a mesma coisa.

 

O dono de um mercadinho em Iranduba pagou inscrições nos treinamentos ICMS em 2023, mas nunca encaminhou ninguém para as aulas, mesmo com repetidos avisos de novas turmas. Nas nossas aulas são feitos inúmeros alertas sobre práticas fiscais arriscadas, dentre elas, uma bem tosca que era corriqueira no dito mercadinho. No final de 2024, veio a multa de quase R$ 2MM (dois milhões de reais). A parte mais louca dessa trágica história está no fato de que o abastecimento é todo feito em Manaus. Depois que a bomba explodiu, um rigoroso mapeamento dos produtos identificou que mais de 80% não era tributado, por conta de substituição tributária, regime monofásico ou isenções. O dono ficou atordoado quando descobriu que desde sempre, poderia emitir nota de todas as vendas, e que mesmo assim, pagaria pouco imposto. Mais o pior veio depois. O sucesso do mapeamento foi potencializado pela extraordinária capacidade de um repositor que foi recrutado para esse serviço. Mas o dono queria que esse repositor fosse substituído pelo inepto sobrinho. Loucura, loucura, loucura...

 

Cerca de 15 anos atrás, uma distribuidora de produtos de segurança eletrônica cresceu num ritmo alucinante. Eu, então, disse para o dono que era preciso contratar um analista fiscal interno. A resposta truculenta foi de que era total absurdo, já que um escritório contábil era pago pra isso. Essa distribuidora firmou contrato para armazenar kits de antena da Via Embratel, que vinham do Rio de Janeiro na condição de comodato. Outra empresa fazia venda e instalação nas casas dos assinantes. O fornecedor avisou insistentemente que seria necessário contestar todas as cobranças da Sefaz pelo ingresso dos kits no Amazonas. Esse aviso era repetidamente comentado dentro da distribuidora. Os kits começaram a chegar, juntamente com as cobranças da Sefaz que eram todas pagas sem que ninguém atentasse para a dita contestação. Somente oito meses depois é que foi descoberto o tamanho da estupidez porque cerca de R$ 700.000 (setecentos mil reais) escorreram pelo ralo da péssima gestão fiscal. O dinheiro só foi recuperado depois dum monumental esforço para derrubar vários empecilhos levantados pela Sefaz.

 

Tais relatos são uma pequena amostra dos casos mirabolantes que vivencio diariamente. Ou seja, todo santo dia eu me deparo com um absurdo maior que o outro. Ou seja, a pessoa morre afogada na própria estupidez. Por exemplo, meses atrás, ao levar uma proposta de treinamento interno para um comércio de material de construção, descobri, numa rápida análise, vários erros perigosos, como, por exemplo, aproveitamento de crédito sobre produtos substituição tributária. Eu soube depois que a diretoria recusou a proposta porque achou cara demais. Noutra situação, um gigante varejista queria um mapeamento e uma consultoria sobre operações interestaduais. Esse também, recusou a proposta por achar cara demais. Tempos depois, eu soube da multa de R$ 40MM (quarenta milhões) por aproveitamento duplicado de crédito em operações interestaduais.

 

Eu mesmo, tenho a curiosidade de saber o que tem dentro da cabeça do empresário, que está sempre culpando funcionários e contadores pelos atropelos fiscais. Esse patronato mostra completa ojeriza à ideia de capacitação profissional, por acreditar que tudo se resolve no jeitinho. O que muita gente esquece é que as administrações tributárias não descansam um só minuto, no seu trabalho tecnológico e analítico de dados volumosos. E o fisco é ardiloso. Ele identifica o erro, mas aguarda a coisa se avolumar para dar o bote. E no final das contas, é aquela típica correria para apagar incêndio. Os advogados ficam profundamente agradecidos. Curta e siga @doutorimposto. Outros 502 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também, informações sobre treinamentos online e presencial.