sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Consequências desastrosas da desorganização

Reginaldo de Oliveira
E-mail - reginaldo@reginaldo.cnt.br
Publicado no Jornal do Commercio em 10/09/2009 – Manaus/AM - Pag. A3
www.artigo26.rg3.net

Um empresário grandalhão e famoso por suas artimanhas resolveu contratar um profissional para desenvolver uma contabilidade gerencial para sua empresa. Na reunião de contratação o assunto principal tomou ares sofisticados onde o contratante delineou um cenário do mais alto dos níveis organizacionais e expôs suas expectativas ao consultor ali presente. O contratado se empolgou com o belo discurso e imaginou um caso de sucesso no seu currículo, já que o proprietário da empresa lhe transmitiu a imagem de um empresário maduro e visionário. Fechado o acordo de prestação de serviço ficou marcado o dia do início dos trabalhos. Ao se despedir do grande chefe e se dirigir ao local de saída, chamou a atenção do consultor as expressões de apatia dos funcionários e instalações marcadas pelo improviso, além de certo desleixo. O item mais curioso foi a inexistência de uma portaria – o portão era aberto ou fechado de acordo com o som de buzina que um funcionário do setor de faturamento entendia por fechar ou abrir usando um pequeno dispositivo de controle remoto que continha um único botão. Na realidade, o funcionário que ficava numa sala fechada, de tanto abrir e fechar, acabava se perdendo na sequência dos apertos do botão. Vez por outra o patrão saia da sua sala, via o portão aberto e dava uns gritos para que fosse fechado.

Esse quadro foi uma avant-première do que viria em seguida. No dia de estréia, o consultor estava ali cedo para começar a grande jornada. Entrou numa sala que continha duas mesas entulhadas de papel e dois funcionários mal encarados, além de paredes e piso sujos. Na sala ao lado estava um funcionário atarantado e com expressão assombrada. Na lateral da sala havia um balcão largo e alto onde ficavam “arquivados” os documentos mais recentes. O consultor começou então a levantar com o assustado funcionário uma série de informações sobre o funcionamento da empresa e a estrutura de controle existente, quando de repente o sócio do seu contratante entra na sala e solicita um comprovante de entrega de mercadoria. Rapidamente, e de forma nervosa o dito funcionário abre uma grande caixa de papelão cheia de papeis e começa a procurar o tal documento. Enquanto está revirando os papéis, alguém faz uma nova solicitação que o faz iniciar uma outra busca em uma pilha de outros papéis que se encontravam em cima da sua mesa. Passam-se vários minutos quando o primeiro solicitante liga aos gritos cobrando o primeiro documento. O funcionário volta para a caixa de papelão e, para seu grande alívio, encontra o que procurava e corre para entregar o documento ao chefe. De volta, o incansável funcionário comenta que aquele era um dia de sorte por ter encontrado “rapidamente” o que procurava.

O consultor resolve fazer uma verificação no repositório de documentos – o robusto e pesado balcão. Encontrou ali pilhas e pilhas de documentos dos mais diversos. Por exemplo, em uma pilha de uns 40 centímetros de altura encontrou nota fiscal, contrato social original, cadastro de funcionário, certidão negativa de órgão governamental, folhetos de propaganda, revista velha, cópias de documentos dos sócios etc. Em uma caixa de papelão encontrou um pacote com muitos documentos dos vários veículos da empresa – novos, vencidos, vendidos etc. O consultor perguntou se todos os documentos da empresa se resumiam a papelada existente naquela sala, ao que o funcionário disse que os mais antigos estavam no “arquivo morto”. Quando o consultor viu o “arquivo morto” quase cai de costas. Só não caiu porque os documentos estavam amontoados no teto de um depósito para produtos especiais (entre a laje de concreto do tal depósito e o teto de metal o espaço era de pouco mais de um metro). A cena era surreal: caixas e caixas de vários tamanhos cobertas por uma fina poeira preta e dispostas de forma como se tivessem sido arremessadas como bolas de basquete.

De volta ao solo, o consultor solicitou a aquisição imediata de um arquivo de aço para organizar a documentação dos empregados, tarefa que lhe pareceu mais urgente. Após quase três semanas e muita briga, o dono apareceu com um arquivo velho e enferrujado. Várias outras solicitações foram feitas para adequar a realidade vivida pela empresa à belíssima estrutura existente no imaginário do diretor. O grande e crítico problema era a desconsideração por parte desse diretor de que entre início e fim existe o meio. Ou seja, ele só enxergava o produto acabado, mas se recusava a aceitar o processo de fabricação. Todas as ações de profissionalização da empresa foram boicotadas tendo como consequência a desastrosa perda da exclusividade de distribuição de uma valiosa marca internacional, além de uma série de ações judiciais, disputas ferozes entre os sócios, a quase falência do negócio e um conturbado e melancólico ato final marcado pela venda da empresa para um comprador que apareceu para juntar os despojos e fazer um trabalho de restauração.

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