Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 19/03/2013 - A114
Publicado no Jornal do Commercio dia 19/03/2013 - A114
“O
Príncipe”, de Maquiavel, além de ter alargado o campo da ciência política,
prestou um grande serviço à humanidade ao desconstruir o caráter divino da alma
humana. Descobrimos que, na realidade, somos um animal que mata e come outros
animais, que mata indivíduos da própria espécie; enfim, que comete atrocidades
infinitamente maiores do que qualquer outro animal dito irracional. Ou seja,
impulsividade e perversão estão fortemente marcadas no nosso DNA. Essas
constatações nos desagradam profundamente e por esse motivo construímos vastas
e complexas teorias para sustentar um ideal de transcendência cujo objetivo é nos
convencer da nossa essência divina. Isto é, o homem, por natureza é puro,
abnegado e altruísta, sendo a maldade coisa do diabo. De posse dessa bagagem
conceitual, deixamos a nossa vizinhança da selva e fomos para as cidades onde
criamos regras de convivência com um forte conteúdo punitivo, justamente e
paradoxalmente, porque na prática sabemos que a maior ameaça à vida do ser
humano vem justamente de outro ser humano. Há quem diga que o diabo é muito
otimista por achar que pode tornar uma pessoa pior do que ela já é.
O
nosso sistema socializatório introjetou na alma humana arquétipos das mais
variadas formas e assim, meio que imprudentemente engolimos tudo sem ao menos perceber
se é doce ou salgado. O resultado desse processo são dogmatismos que nos fazem
acreditar que determinadas pessoas estão imunes a desvios de conduta
simplesmente por usarem determinada indumentária ou ocuparem determinadas
posições sociais.
Por
sorte, a sociedade está amadurecendo e esse amadurecimento vem acompanhado de
imensas frustrações, justamente por demolir nossos ídolos e nossas crenças. Naturalmente,
sabemos que essa reflexão pode nos colocar num estado de abandono, visto que
nossos sustentáculos antes sólidos começam a afundar no pântano da fria e
desoladora verdade. É o efeito da pílula vermelha que Neo engoliu. Mesmo assim,
é preferível a conhecer a verdade (a verdade vos libertará).
Um
emblemático exemplo desse estado de coisas é a crise moral e institucional em
que está mergulhada a igreja católica. Antes disso já havia uma escarnecedora
desmoralização de boa parte das igrejas evangélicas, que se tornaram símbolo de
grosseiras pilantragens, cujo único e adorado deus é o dinheiro. Em algumas
delas o assunto dinheiro se faz presente de ponta a ponta e em cada etapa da
cerimônia religiosa. E pipoca na internet todo tipo de notícia sobre
atrocidades cometidas por pastores evangélicos. Quanto à igreja católica,
sabe-se que ela tem uma imensa ficha corrida que mancha sobremaneira seu
caráter de santidade, que por séculos e séculos se manteve fora do alcance do
grande público. Agora, com o mundo todo conectado 24 horas por dia, constatou-se
que desmandos tão comuns ao ambiente laico de conchavos, corrupção e
perversidades também, e igualmente, permeia as entranhas do Vaticano. São
escândalos sexuais, financeiros, políticos etc. Ou seja, aqueles homens santos
que habitam a sacrossanta sede do catolicismo são tão homens e tão sujeitos aos
mesmos desvios que qualquer outro homem de qualquer outro tipo de organização
humana.
Deste
modo, conclui-se que todo tipo de organização humana só cumpre seus objetivos
se for rigorosamente controlada e de forma que não haja espaço para
obscuridades. Isso vale para organizações mercantis ou não, e principalmente para
as entidades públicas. Ou seja, todo cargo, toda incumbência, toda gestão, toda
e qualquer atividade feita por um ser humano deve ser passível de adequado
monitoramento. É atribuída ao megainvestidor Warren Buffett a máxima
“Honestidade é um presente muito caro. Não espere isso de pessoas baratas”. Pode
ser um pensamento cruel, mas não se pode negar seu caráter pragmático. Não
raro, ocorrem situações de pessoas absolutamente impolutas que surpreendem a
todos por sérios desvios de conduta. Controle, então, deve estar na ordem do
dia. Eficientes sistemas de controle empresariais podem custar caro, mas ainda
assim são mais baratos que sangramentos e dilapidações patrimoniais.
Pensar
e investir em inteligentes mecanismos de controle deveria ser uma atitude contumaz
dos executivos empresariais. Rever constantemente o desenho dos processos
organizacionais deveria ser um hábito mais presente nas organizações, visto que
há uma tendência natural dos vícios organizacionais se sobreporem à gestão. Além
disso, tais vícios costumam adquirir vida própria e desvirtuar os objetivos
inicialmente definidos. Assim, deve-se compreender o ser humano na sua crueza e
plenitude para saber lidar com ele. Mas, claro, sempre colocando o respeito em
primeiro lugar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua mensagem será publicada assim que for liberada. Grato.