Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 17/12/2013 - A149
Racionalidade
é uma palavra desconhecida do legislador tributário. Assim como o Decreto-Lei
1.598/1977 teve o propósito de adaptar a legislação do imposto de renda às
inovações da Lei 6.404/1976, a Medida Provisória 627, de 11 de novembro de 2013,
se apresenta como um instrumento capaz de pacificar a turbulência que a Lei
11.638/2007 provocou no Decreto 3.000/1999 e seu respectivo cabedal de normas
acessórias. O problema é que a coisa, agora, se mostra bem mais difícil. Identificar
a base tributável do imposto de renda se transformou numa epopeia. Tanto, que
há seis anos os mais brilhantes técnicos do governo estão se debatendo sobre o
assunto como focas ensaboadas na pista de gelo. E lá se vão mais de dois mil
dias sem que nenhuma proposta de solução desse imbróglio tenha se mostrado
factível. O estado de engasgamento e a pressão para encontrar uma saída do
atoleiro levaram os técnicos da Receita Federal do Brasil à publicação no dia
17 de setembro de 2013 da estabanada Instrução Normativa 1.397, cujas
esdruxulosidades surpreenderam até o mais calejado dos contadores.
O
motivo de tanta confusão é muito simples. A RFB não quer de forma alguma largar
o objetivismo que coloca todos os gatos no mesmo saco; um objetivismo que apura
um lucro inventado por cabeças dementes de burocratas entorpecidos de infinito
poder tributante. Na realidade, as regras engessantes se avolumaram tanto que o
processo burocrático acabou se tornando um fim em si mesmo. É a burocracia pela
burocracia, como se o real objetivo fosse fortalecer o terreno da interpretatividade
para fazer valer a opinião do fiscal. Quem se esbalda nesse lamaçal é a
corrupção e a indústria das ações judiciais. Parece que toda a nossa legislação
tributária é construída com alguns tijolos podres, justamente para que estes venham
a se transformar em objetos litigiosos capazes de tufar o bolso dos arautos da Justiça.
E o instrumento utilizado pela RFB para materializar toda sorte de perversidade
é justamente a escrituração contábil das empresas.
Dessa
forma, a Receita Federal tomou a contabilidade das mãos da classe contabilista,
onde fez daquela, gato e sapato, deturpando seu propósito e avacalhando sua
estrutura técnica. E o pior é que conseguiu fazer a mesma coisa com a cabeça
dos profissionais contábeis, os quais passaram a enxergar seu ofício com óculos
fiscalista. Assim, todas aquelas coisas bonitas dos livros de contabilidade
pareciam histórias da carochinha. Depois de formado, o contador descobria que a
Receita Federal tinha mandado pras cucuias tudo aquilo que ele tinha estudado.
O que valia na prática era o regulamento do imposto de renda.
Pelo
milagre de Deus a Lei 11.638/2007 arrancou a contabilidade das mãos da Receita
Federal e a devolveu para o Conselho Federal de Contabilidade. Por esse motivo
todo o processo de transposição dos fatos patrimoniais para os livros contábeis
passou a acontecer sem interferências que pudessem aleijar a qualidade da
informação registrada. A MP 627/2013 chega carregada de tantos vícios e pecados
que passa de mil, as propostas de emenda. Sinal evidente de que a RFB
simplesmente não compreendeu o significado da Lei 11.638/2007.
Ao
que parece, estamos muito, mas muito longe de encontrarmos um meio adequado de
tributar o lucro das empresas sem prejudicar o processo de convergência da
nossa contabilidade ao padrão IFRS, como se isso fosse algo impossível. Diante
do desafio, por que então o governo não estuda modelos tributários de sucesso já
testados em outros países? Será que o governo não se interessa por um modelo
justo e objetivo de tributação? Ou será que a complexidade e a confusão normativa
é um baluarte que o governo se agarra para garantir a manutenção de esquemas de
caixa dois que financiam campanhas políticas?
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