Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 08/04/2014 - A165
Depois
de muita especulação e expectativa, por fim, a Receita Federal estabeleceu a
obrigatoriedade da Escrituração Contábil Digital (ECD) para as empresas
tributadas com base no lucro presumido em relação aos fatos contábeis ocorridos
a partir de 1º de janeiro de 2014, conforme disposições contidas na Instrução
Normativa RFB 1.420, de 19/12/2013 (Inciso II, Artigo 3º). A regra alcança
somente aquelas pessoas jurídicas que distribuírem, a título de lucros, sem
incidência do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF), parcela dos lucros
ou dividendos superior ao valor da base de cálculo do Imposto, diminuída de
todos os impostos e contribuições a que estiver sujeita. Trocando em miúdos, só
escapa da ECD quem fizer uma distribuição bem pequena de dividendos. Na
prática, na prática, mesmo, todas essas empresas foram apanhadas pelo SPED
Contábil. Isso significa que nesse exato momento as escriturações contábeis já
devem está em plena atividade. Infelizmente, é provável que a maioria das
empresas do lucro presumido nunca tenha escriturado contabilmente as suas
operações financeiras e patrimoniais.
Há
uma interpretação distorcida do parágrafo único, do artigo 527, do Decreto
3.000/1999 (RIR), que muito claramente diz que a escrituração contábil não deve
ser mantida por empresa do lucro presumido que utilize Livro Caixa para efetuar
seus registros financeiros. Na realidade, há um tom impositivo nesse parágrafo
único, como se a escrituração contábil dessas empresas fosse proibida. Isso
contraria frontalmente o artigo 1.179 da Lei 10.406/2002 (Código Civil), que
diz o seguinte: “O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir
um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme
de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar
anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico”. Ou seja, a
Receita Federal não possui competência nenhuma para definir regras contábeis,
mesmo que por décadas tenha criado muitas normas vinculadas a procedimentos da
contabilidade. Essa interferência perniciosa na técnica contábil enviesou a
cabeça dos contadores de tal forma que eles passaram a olhar tudo com óculos
fiscalistas, esquecendo assim a finalidade primordial do achado de Luca Pacioli,
que é o registro e controle dos fenômenos patrimoniais. Por isso é que a
maioria das empresas do lucro presumido não possui escrituração contábil. É bom
frisar que a ausência de escrituração contábil pode ser interpretada como
fraude em casos de demandas societárias.
Pode-se
inferir que há um conflito normativo entre a IN 1.420 e o Decreto 3.000, dado
que uma exige e o outro dispensa a escrituração contábil. Mesmo assim, há de se
reconhecer que a IN 1.420 vem reparar o desserviço prestado à classe contabilista,
que finalmente será obrigada a exercer o seu ofício. Agora, é preciso fazer e
fazer bem feito, visto que a escrituração contábil passará por uma crítica
implacável do validador eletrônico da ECD. E mesmo que passe pelo filtro do
validador a escrituração ficará sujeita a outras análises eletrônicas mais
criteriosas. O problema seguinte é que muitos profissionais vem há anos lidando
somente com assuntos fiscais e trabalhistas de seus clientes. As instituições
de nível superior ensinam muito pouco. Depois de formado, o profissional da
contabilidade não vinha fazendo contabilidade e, portanto esqueceu esse pouco
que aprendeu. O pior é que a retomada do exercício da escrituração contábil
aconteceu de forma brusca e num alto nível de exigência técnica e tecnológica,
visto que estamos em pleno processo de adesão aos padrões internacionais de
contabilidade, com muitas interpretações do Comitê de Pronunciamentos Contábeis
já convertidas em regras pelo Conselho Federal de Contabilidade. E essas ditas regras
atualizadas não são fáceis de digerir. Fora isso, estamos envolvidos num
rebuliço violento promovido pela MP 627/2013, a qual está tentando ajustar as
regras do imposto de renda ao novo ambiente contábil. E para completar o pacote
de novidades, a IN RFB 1.422/2013 estabeleceu a Escrituração Contábil Fiscal
para todas as empresas, com exceção daquelas regidas pelo SIMPLES, de que trata
a LC 123/2006. Portanto, há um pratão de angu seco para ser engolido.
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