Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 09/12/2015 - A235
"Na
história recente da nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós,
brasileiros, acreditou no mote segundo o qual a esperança tinha vencido o medo.
Depois, nos deparamos com a Ação Penal 470(Mensalão), onde descobrimos que o
cinismo tinha vencido a esperança. Agora parece se constatar que o escárnio
venceu o cinismo. O crime não vencerá a Justiça. Aviso aos navegantes dessas
águas turvas da corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão a navalha
da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção. Não
passarão sobre os juízes e as juízas do Brasil. Não passarão sobre as novas
esperanças do povo brasileiro; porque a decepção não pode estancar a vontade de
acertar no espaço público. Não passarão sobre a Constituição do Brasil”. Esse
pronunciamento da Ministra Cármen Lúcia soou como um grito desesperado em meio
a tanta podridão que cobriu por inteiro o universo das relações público/privado.
47
mandados de prisão contra auditores fiscais da SEFAZ do Paraná e outras 52
pessoas obrigadas a prestar depoimento sobre um gigantesco esquema de corrupção
envolvendo centenas de milhões de reais. Óbvio, ululante, todo mundo sabe que
esse tipo de delito é habitual no país inteiro. Aliás, no Brasil, onde se
procura se acha; pra onde quer que se atire, um corrupto cai baleado. Uma coisa
é pensar numa sujeira aqui e noutra ali, mas no nosso caso a nação inteira foi
mergulhada numa fossa putrefata, não sobrando um fio de cabelo limpo. O corpo
inteiro está ensopado com uma grossa camada de imundície que mil litros de creolina
não seriam capazes de desinfetar.
Por
muitos anos foi possível manter a putrefação num fosso tampado com uma laje de
dez toneladas de concreto. O problema é que a coisa fugiu do controle de tal
modo que a fossa explodiu, arremessando a tampa a uns 50 metros de altura. E
claro, muita m**da jorrou em todas as direções. Lembrando que esse fenômeno não
ficou restrito aos nossos conterrâneos, uma vez que nem o Vaticano escapou do pecado
da corrupção. Uma onda de cassações e prisões de poderosos tomou conta do
noticiário, escancarando um modelo de gestão pública inteiramente dominado pela
corrupção. Ou seja, roubalheira e gestão pública são coisas absolutamente
indissociáveis; é como gema e clara (uma está dentro da outra). Para
separá-las, é preciso quebrar a estrutura criminosa – como vem fazendo o Juiz Sérgio
Moro.
Prisão
de corrupto ficou tão corriqueira no noticiário que mais parece previsão do
tempo: “Vamos às prisões do dia!! Deputado fulano foi apanhado com a boca na
botija; empreiteiro sicrano prestou depoimento na Polícia Federal; prefeito
beltrano fugiu pela janela para não ser preso...!!” E por aí, vai. Algumas
vezes, os eventos são tão volumosos que os escândalos não cabem na programação
da TV, sendo necessário recorrer à internet para acessar a lista inteira de
pilantragem.
Para
completar o nosso estado de degradação social e política, a autoridade máxima
do Poder Legislativo travou uma guerra de acusações de baixíssimo calão com a
autoridade máxima do Poder Executivo, onde um chamou o outro de mentiroso. Lamentavelmente,
tal episódio mais se pareceu discussão de bêbados em mesa de prostíbulo,
mostrando assim que a coisa toda degringolou de vez. Isto é, decoro, moralidade,
ética, respeito etc., tudo foi chutado pra escanteio.
O
ano de 2015 deixa marcas profundas na história da República. Pode-se dizer que
é o ano da purgação. Melhor dizendo, início da limpeza, considerando o grau
alarmante e sistêmico de corrupção que domina o país. De qualquer modo, era necessário
dar uma chacoalhada na bandalheira sistematizada, mesmo correndo risco de
ruptura institucional. O Brasil precisa ser elevado a um novo nível de
consciência cívica e senso de decência. A cultura da esperteza e do jeitinho,
tão romantizada e contemporizada, precisa ser rasgada para mostrar o que de
verdadeiramente esconde. A malandragem poética deveria ser ferozmente
combatida, uma vez que ela encerra o germe de crimes hediondos e escarnecedores.
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