segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A FAMÍLIA DA NOIVA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 15/02/2016 - A243

Um partidão. Assim definiu o namorado para a amiga curiosa. A futura esposa dum milionário estava ansiosa para a confirmação do noivado. Chegado o grande dia, a família da noiva organizou um pomposo jantar para selar os votos de compromisso matrimonial. O evento se desenvolvia a contento, com todos sorrindo e festejando até serem surpreendidos pela visita da polícia. O pai da noiva foi algemado e conduzido à delegacia sob a acusação de assassinato. Passado o alvoroço, o tão cobiçado noivo descobriu que o futuro sogro era um traficante perigoso, acostumado a matar qualquer um que atravessasse seu caminho. Questionada sobre a conduta ilícita do pai, a noiva jurou de pé junto que não sabia de nada. O noivo ficou confuso, mas, mesmo assim manteve o compromisso. Dias depois, num outro encontro familiar as pessoas tentavam disfarçar o clima embaraçoso pelo acontecido. A coisa já não estava bem e, nem por isso, foram poupados pela polícia, que veio prender o tio e os irmãos da noiva. Apesar de tudo, o amor foi mais forte. O casamento aconteceu, mas o noivo ficou estigmatizado, com todo mundo sempre o lembrando dos fatos ruins. Obviamente, que as reuniões familiares passaram a ser carregadas de muito constrangimento e olhares enviesados.

Nos relacionamentos cotidianos, é natural se afastar daquelas pessoas carregadas de péssimas referências. Ninguém quer ser amigo de estupradores ou de mentirosos contumazes. Muito menos, de pessoas que respondem a processos judiciais, mesmo que haja dúvidas quanto ao caráter da acusação. É aquela velha máxima: “diga-me com quem andas...” Curiosamente, no universo da política as regras são bem diferentes. Na seleção de candidatos para a próxima campanha eleitoral muita gente passa ou é descartada pela peneira classificatória. Acusado de desvio da merenda escolar: excelente candidato a um cargo municipal. Utilizou serviços de pistoleiros para roubar terras de pequenos agricultores: altamente qualificado para o pleito federal. Espancador contumaz da esposa: apontado como futuro cacique político do estado. Mostrou o “derrière” pra delegada: a brancura revelada conquistou o eleitorado. Estuprou meio mundo de ribeirinhas: alçado à categoria de divindade política. Escreveu na ficha de filiação que não sabe mentir: expulso do partido a pontapé.

Impressiona a naturalidade do governo federal diante da expressiva quantidade de “cumpanheiros” presos ou indiciados por corrupção. A começar pelo Todo Poderoso Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu, que hoje está desfigurado, não tendo restado nem a sombra daquela Eminência Parda que mandava e desmandava. Em seguida, vem a nata da petizada: Genoíno, Delúbio, Gushiken, Vaccari, Palocci etc., etc. Por fim, a mídia inteira aponta os holofotes para o Chefe dos chefes. As duas autoridades que dividem o comando da mais alta instância do poder legislativo estão enroladas com a Justiça até o pescoço. Metade do Congresso está metida em algum enrosco judicial. Funcionários públicos do alto escalão da república também são alvos de acusações variadas. Empresas que fizeram negócios com o governo foram apanhadas de calças curtas nas operações da Polícia Federal... A lista de atrocidades é infinita.

Mesmo diante de tantos eventos apocalípticos, a cúpula do governo federal age com a maior naturalidade do mundo. No congresso, ninguém enxerga nenhuma anormalidade no universo do poder público. Na realidade, o nosso sistema político ignora a podridão das próprias feridas cancerosas que indumentária ou perfume nenhum é capaz de encobrir. Curiosamente, todos fazem vista grossa para a tempestade de fenômenos esculhambatórios. A onda de cumplicidade impede que a nação inteira diga em alto e bom som que o rei está nu. Notícias de roubalheira veiculadas na televisão são apresentadas com frieza e indiferença. Nos canais televisivos, a corrupção é retratada como um ato banal; repórteres e apresentadores não demonstram sinais de ojeriza quando tratam do assunto. Resumindo, não existe reação.

O Brasil perdeu a vergonha na cara; o povo brasileiro deixou de se indignar com a podridão política. Somos convenientes e pragmáticos – fomos convidados pela noiva para uma bela festa na casa do marido rico. Mesmo sabedores da péssima conduta dos parentes bandidos, sorrimos e fingimos que está tudo bem. Por outro lado, os anfitriões se esforçam para manter um artificioso clima de normalidade. No final das contas, fica evidente a nossa cumplicidade com a bandalheira, uma vez que até fazemos comentários maldosos pelos cantos, mas ao mesmo tempo aproveitamos a parte boa da festa.



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