terça-feira, 5 de julho de 2016

IMPOSTO EM LATINHAS AMASSADAS


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 5 / 7 / 2016 - A258

Apesar do hábito compulsivo da população de comprar tudo que vê pela frente, nos EUA, os tributos sobre consumo participam com apenas 18% do bolo arrecadatório, ao passo que no Brasil esse índice é de quase 50%. O alvo do nosso governo é sempre o consumo. Praticamente, todos os dias um ou outro produto se torna objeto de majorações tributárias. Por outro lado, muito raramente se mexe no imposto de renda. O problema do imposto de renda é que ele fica exposto ao sol do meio dia, enquanto que os tributos sobre consumo se localizam no porão duma casa sem janelas. Qualquer alteração no imposto de renda leva a uma gritaria instantânea. Quanto aos tributos sobre consumo, a coisa se dá de modo complexo e sorrateiro. As majorações tributárias dos impostos indiretos são repassadas ao preço dos produtos comercializados. Quando isso acontece, a culpa pelas remarcações cai no colo do comerciante. E não adianta dá explicações ao consumidor; ele não consegue entender um sistema confuso que o governo criou para fugir das responsabilidades taxativas. Daí, a importância do setor comercial se unir numa ação educativa do seu cliente.

Pra começo de conversa, o comerciante define o preço de venda da mercadoria acrescentando sua margem de lucro, um percentual de custo administrativo e os impostos. Um exemplo perturbador: Para obter 10% de lucro com um custo administrativo de 15% é preciso dobrar o preço de aquisição da mercadoria. O restante (75%) é puro imposto. Detalhe: A mercadoria adquirida para revenda já chega carregada de muitos outros tributos das fases anteriores. Por isso que é muito difícil precisar a carga tributária embutida no preço dos produtos. Por isso é que os brasileiros esperaram 27 anos para ver regulamentado o parágrafo 5 do artigo 150 da Constituição Federal. Ou seja, três décadas para saber, mais ou menos, a quantidade de impostos escondidos dentro dos produtos (Lei 12.741).

A tributação sobre consumo nos EUA ocorre majoritariamente em produtos supérfluos, uma vez que os alimentos são poupados da sanha arrecadatória. Trinta e quatro estados americanos taxam os alimentos em zero por cento, sendo a média geral do país em torno de 0,66% (fonte: IDV/FGV). Por aqui, o Fisco não perdoa nem a cesta básica. Isso significa que o mais lascado dos miseráveis paga tanto quanto o mais rico da cidade. É o efeito maléfico do Sistema Regressivo de Tributação. Conforme dados do IBPT, um terço do açúcar é imposto e metade do refrigerante vai pro o bolso do governo. Também, um quarto do óleo de soja e quase 50% do sabão em pó são utilizados para financiar a corrupção e a ineficiência dos agentes públicos.

Dona Mercedes ganha a vida catando latinhas para reciclagem. Ela vive remexendo as lixeiras de bares e residências em busca do seu sustento. Apesar da idade avançada essa incansável trabalhadora precisa coletar 23.500 latinhas para ganhar um salário mínimo. Cada quilo de latinhas de alumínio é vendido por R$ 2,50. Um quilo equivale a 67 latinhas amassadas. Com o sofrido dinheirinho obtido na venda do material reciclável a Dona Mercedes sustenta a família. O lado perverso dessa história dantesca mostra o quão implacável é a Sefaz/Rfb com a Dona Mercedes, cobrando dela uma carga tributária escorchante. Explica-se. Para comprar um quilo de açúcar é preciso catar 110 latinhas. Não fosse o peso dos impostos, 74 unidades seria suficiente. No caso do sabão em pó, Dona Mercedes cata primeiramente 50 latinhas para o imposto e depois cata mais 57 outras latinhas para pagar o produto. É muito difícil precisar a carga tributária embutida em tudo que consumimos, mas a média geral é de 50%. Isso significa que quando um funcionário da Sefaz estiver passeando no seu carrão e casualmente visualizar a Dona Mercedes catando latinhas na lixeira, ele vai saber que ela tá ali se matando para pagar parte do seu belo salário.

Para piorar ainda mais esse quadro aterrorizador, a Lei 3.830/2012 revogou a taxação de 1% de ICMS sobre a cesta básica, estabelecida pela Resolução GSefaz 11/2008. No início de 2013, aquele 1% se transformou nos atuais 18%. Imagine então quantas latinhas a Dona Mercedes teve que catar depois dessa majoração vergonhosa. Outra característica marcante da nossa legislação estadual: Os produtos da cesta básica constantes na Resolução GSefaz 11/2008 totalizam 13 itens, enquanto que no Rio de Janeiro essa quantidade é quadruplicada, contendo até salmão, bacalhau, linguiça, escova, creme dental, papel higiênico, sabonete etc. (Lei 4.892/2006). Na lista do Amazonas não tem escova, nem creme dental, nem sabonete, nem papel higiênico etc. Ou seja, na opinião da Sefaz o pobre amazonense não precisa tomar banho nem escovar os dentes nem limpar.....

O salário do empregado, já capado por vários descontos no contracheque, é novamente surrupiado em 50% no momento em que é utilizado na compra de bens de consumo. Enquanto isso, milhares de isenções e brechas fiscais fazem a delícia de advogados e conglomerados econômicos que são infinitamente menos impactados na sua qualidade de vida do que a Dona Mercedes, que poderia comprar o dobro de alimentos para sua família, se estes fossem desonerados da mesma forma que os dividendos recebidos pelos homens mais ricos do país.

De fato, entender o Brasil não é tarefa para amadores. Sobreviver com tanto imposto, menos ainda.


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