Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 15 / 11 / 2016 - A274
A
crise financeira que assola as contas do Rio de Janeiro adquire contornos
trágicos, com possibilidade dos servidores públicos ficarem sem salário nos
últimos cinco meses de 2017. As medidas corretivas contemplam aumento de
desconto previdenciário e majoração da alíquota do ICMS, que já é a maior do
país. Ou seja, a população fluminense está sendo convidada a pagar o prejuízo
causado por anos de desmando administrativo (como de praxe). O bode expiatório
é sacrificado aos deuses enquanto o governo segue limpinho na sua gastança
desenfreada. Meses atrás, o governador interino ficou numa saia justa por causa
duma licitação de valor astronômico para bancar um rega-bofe escandaloso. Tudo
foi cancelado porque a imprensa caiu de pau no assunto. A culpa oficial de
tantos problemas está na queda de arrecadação, principalmente dos royalties.
Mas também, vale ressaltar que cerca de R$ 200 bilhões foram sangrados do
erário na forma de incentivos fiscais. Não fosse essa exacerbada política de
regimes especiais o quadro geral do Rio de Janeiro estaria bem mais
equilibrado.
A
guerra fiscal joga as unidades federativas numa arena de disputas sangrentas,
onde é impossível sair incólume. Alguém sempre paga o pato. Toda vez que se
coloca mais dinheiro num bolso, o outro fica prejudicado. Quando um, ganha, o
outro perde. (a matemática é insofismável). Mesmo assim, os regimes especiais
são exaustivamente utilizados como política de desenvolvimento regional – não
se trilha rotas alternativas ou não se sabe fazer outra coisa. O mexe remexe
normativo para legalizar tantos solavancos tributários cria um buraco no
orçamento, que é tapado pelo sacrifício dos mais fracos. O alvo preferencial é
sempre o mais pobre, que já sofre horrores com o mais escarnecedor sistema
regressivo do mundo. O rico não padece tanto porque quanto maior é a renda,
menor é a carga relativa. Daí, o conceito da regressividade.
A
progressividade no Brasil é um tabu difícil de quebrar porque o legislador se
recusa a mexer no bolso do rico. Temos uma das menores taxações nominais sobre
renda e patrimônio. Por exemplo, o governo francês abocanha 60% duma herança
enquanto que o estado do Amazonas cobra 2% somente. Já, a cesta básica
amazonense é a mais taxada do país. Isto é, todos os outros Estados possuem
tributação reduzida para a cesta básica, menos o Amazonas. O pobre que se dane.
Essa é a mensagem irradiada pelo poder público. Meses atrás, foi noticiado na
internet que 45% dos rendimentos da família do ex-presidente Bill Clinton foram
convertidos em impostos, enquanto que a nossa Lavagem Oficial da Repatriação
foi beneficiada com alíquota de 15%. Por aqui, a sonegação de grande escala é premiada
por leis boazinhas ou por reiterados programas de parcelamento, deixando o
contribuinte honesto com cara de palhaço.
No
paraíso da Zona Franca de Manaus vivem os empreendimentos geradores de empregos
que, por tabela, alimentam uma infinidade de pequenos negócios. No frigir dos
ovos, tudo gera renda e desenvolvimento. Mas, como não existe almoço grátis,
alguém precisa suportar as agruras do inferno fiscal para manter o equilíbrio
de forças. Aqui, percebe-se claramente uma brutal diferença entre dois polos
econômicos: Indústria e Comércio. Enquanto o primeiro se comporta como um bebê
chorão e mimado, o outro é tratado como bastardo. Os agentes governamentais
formam uma blindagem em torno da ZFM, estando sempre de prontidão para embalar
a criança. A Sefaz, por exemplo, atende imediatamente qualquer solicitação da
FIEAM para discutir aspectos normativos ou procedimentos técnicos legais.
Enquanto isso, o Conselho Regional de Contabilidade aguarda resposta para uma
solicitação de esclarecimento protocolada dia 16 de janeiro de 2016. As
insistentes cobranças de audiência não amoleceram o coração do órgão
fazendário. Está pendente também um pleito acordado em reunião com o Governador
para conferências mensais com a classe contábil das empresas comerciais. Toda
essa marginalização acontece de modo grosseiro e ostensivo, quase um acinte.
A
conta contábil Renúncias Fiscais não foi aberta ao TCE. A figura jurídica do Sigilo
Fiscal é um instrumento utilizado para esconder o jogo de desigualdades e de
injustiças tributárias. Tudo é feito para que institutos de pesquisas não
consigam construir um panorama abrangente do sistema fiscal brasileiro. A ideia
é que um não saiba o que o outro está ganhando. E tudo fica camuflado no
pântano sombrio dos acordos de gabinete (feitos com os amigos do rei). Por
outro lado, esse sistema perverso não é frontalmente combatido porque muita
gente, lá no seu íntimo, quer mesmo é tirar proveito da situação. Cada um corre
pra garantir o seu lado. O resultado está aí, na forma da tragédia fluminense,
que pode ser o prenúncio duma onda a varrer o país inteiro. Quem sabe, talvez,
lá debaixo dos escombros alguém possa enxergar o óbvio.
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