Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 13 / 12 / 2016 - A277
A
mãe já idosa morava com seu único filho numa modesta propriedade rural. Eis que
depois duma noite chuvosa ela estranha o fato do filho não ter levantado da
cama. Por fim, descobre, perplexa, que ele estava morto. O desespero tomou
conta da casa, visto que tudo perdera o sentido de existir. Não havia,
portanto, qualquer alternativa de dar continuidade à rotina tranquila e
acolhedora ao lado de alguém tão atento e cuidadoso. O senso de negação da
realidade era tamanho que a atônita senhora quis acreditar que tudo aquilo era
apenas um sono pesado. Por isso, não tomou nenhuma providência quanto aos
rituais de sepultamento. A presença do corpo inerte reforçava aquela situação esquizofrênica.
A coisa funcionou mais ou menos nos primeiros dias. Depois disso o corpo foi se
deformando de modo que o clima de negação se transformou num pesadelo
aterrorizante.
A
tão badalada e temida delação do fim do mundo acabou por confirmar sua fama. Os
primeiros depoimentos esquadrinham a dinâmica das relações criminosas que há
entre o público e o privado. Impressiona, nesse caso, o espanto que ainda
causou numa população já tão escandalizada pela farta e intermitente sequência
de denúncias envolvendo todas as colorações partidárias. O que ficou claro,
claríssimo, é que TUDO o que se refere ao poder público é completamente
dominado pela corrupção. A impressão é de que nada se salva. Claro, óbvio, essa
constatação é injusta com muitas pessoas que lutam pela qualidade dos serviços
públicos. Mesmo assim, as profundas ramificações de agentes maliciosos nos
assuntos de Estado e o recorrente repertório de ações criminosas nos levam a um
PADRÃO de comportamento bem definido e acabado. O pior de tudo é que esse dito
padrão é sistêmico e orientador de todo o funcionamento das ações públicas, com
peso maior no modelo político estabelecido no país. Como teria dito o atual presidente,
“a política tem dessas coisas”. Tal afirmação é a síntese daquilo que mais
tememos admitir: Nosso sistema político morreu e mesmo assim estamos sem saber
o que fazer com o cadáver. O defunto está lá, na cama, enrijecido e amarelado.
Mas, atônitos pelo impacto da cruel realidade, tentamos acreditar que tudo
ficará bem. Insistimos no discurso de que é preciso acreditar nas instituições.
Místicos, iogues e monges tibetanos são desafiados a construir essa alquimia
psicológica.
A
política está mortinha da silva. A pergunta que fica é a seguinte: O que faremos
com o corpo? O que virá depois? O que temos de alternativa?
A
delação da Odebrecht mostra que cada gesto do ocupante dum cargo político é
inteiramente movido pela corrupção. A corrupção é responsável pelo movimento de
cada um dos 650 músculos do deputado, do senador, do governador etc. A
corrupção substitui a glicose nos processos metabólicos da fisiologia do
político. Ou seja, ele só se mexe a toque de propina. Sem dinheiro sujo o
político não vota. A propina é a força propulsora da energia política. Quanto
mais dinheiro, mais entusiasmo e mais disposição para varar noites em votações
importantes para o país. Quanto maior é a propina, mais autêntica é a
honestidade do político. A firmeza no olhar e a convicção de nobres ideais é
diretamente proporcional aos depósitos existentes em paraísos fiscais. Se o
político é acanhado, fica evidente sua condição de mocinha debutante. Mas, à
medida que o patrimônio cresce, a voz engrossa e o peito tufa sob ternos
luxuosos e bem cortados.
O
fato é que a coisa avacalhou dum jeito tal que está todo mundo desorientado. O
cenário é muito preocupante porque a confiança da população é simplesmente
zero. Ninguém em sã consciência acredita em mais nada nesse país. Há poucos
dias presenciamos ao vivo e em cores a queda da mais alta Corte, que tombou
pela espada do senador Calheiros. Agora, ninguém mais se vê obrigado a cumprir
decisão judicial, uma vez que o STF estabeleceu jurisprudência nesse sentido.
Ninguém acreditava na política e, agora, também, ficou claro que os três poderes
da república são uniformes no seu funcionamento disfuncional. Ou seja, o dito
PADRÃO vale pra todo mundo.
Voltemos
à pergunta de antes: O que vamos fazer com o cadáver? Daqui a pouco ele vai
começar a feder e por fim vai espocar de podre. O abacaxi espinhoso está em
nossas mãos para ser descascado. O modo de fazer isso, talvez nos obrigue a
passar por um doloroso processo de amadurecimento civilizatório. Queira Deus,
consigamos fazer a travessia sem traumas irreparáveis.
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