Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 23 / 5 / 2017 - A296
O
vereador José Lamarck estava levantando os vidros do carro quando sua filha
perguntou por que ele sempre fazia aquilo, ao que o pai respondeu: É pra manter
a pobreza do lado de fora.
Segundo
o filósofo Leandro Karnal, não existe governo corrupto em uma nação ética, como
também não existe nação corrupta com governo transparente ou democrático.
Sempre, entre governo e nação há um jogo. Em nações onde o trânsito funciona,
como na Suécia; em nações onde se paga os impostos mais corretamente, em geral,
nessas nações, o governo é mais transparente. O filósofo conclui dizendo que a
corrupção é um mal social. É um mal coletivo e não apenas do governo.
Uma
curiosa pesquisa feita em vários países apontou que o nível de confiança na
Dinamarca é de 75% enquanto que no Brasil esse índice fica em 5%. Trata-se da
confiança que uma pessoa tem na outra. Nós, brasileiros, amáveis, sorridentes,
cordiais, não confiamos em nada nem em ninguém; somente 5% da população confiam
no seu próximo. Esse indicador deveria acender a luz vermelha por se tratar dum
fato grave e preocupante, visto que a confiança é o sustentáculo principal dos
sistemas econômicos e sociais. Quando se leva a questão para o mundo político,
a coisa fica ainda mais assombrosa. Imagine uma nação inteira descrente dos
seus políticos!! Imagine as consequências devastadoras dessa postura degradante!!
Isso significa que o povo está sempre apostando entre os piores. Inclusive, já está
cristalizado na alma brasileira o arquétipo do “rouba, mas faz”. O povão, que
durante séculos foi mantido do lado de fora da prosperidade, pela primeira vez
na sua história de exclusão pôde enfim experimentar uma série de benesses
advindas duma gestão embrulhada em denúncias de corrupção. Daí, que aquele que
conseguiu comprar uma geladeira ou passou a receber mesada do governo vai
continuar firme nas suas convicções políticas, apesar da enxurrada de escândalos.
De bandido pra bandido, ele irá votar naquele que fez alguma coisa, mesmo
porque, os outros também bandidos nunca fizeram nada pelos pobres.
O
intermitente bombardeio de acusações que transformou a nossa política num
amontoado de escombros dá conta duma autêntica escória humana enraizada no
poder público. A contaminação é tamanha que fica a sensação de que nada presta.
Como então chegamos ao ponto de eleger os piores governantes do planeta? Com
isso aconteceu?
É
bom lembrar que os nossos políticos não vieram do planeta marte, nem das
profundezas do inferno. Eles foram paridos das massas; eles nasceram de mães
comuns, foram criados em famílias normais, estudaram em escolas convencionais
etc. Ou seja, não são frutos de experimentos genéticos ou congregam uma seita
de facínoras. São pessoas absolutamente comuns. E é esse, o fato mais assustador.
Isto é, fica claro que não adianta afastar os políticos ruins porque os
substitutos farão a mesma coisa (roubar). A corrupção é um vício inerente da
sociedade brasileira. É latente, é seminal, é visceral.
Há
um grande cinismo incrustado em cada metro quadrado desse país. Somos altamente
tolerantes com a corrupção e com as mais variadas formas de condutas abjetas.
Aceitamos tranquilamente todos os ingredientes da corrupção, mas nos
escandalizamos quando eles se misturam. Na realidade, o que vem revoltando não
é bem a corrupção, mas o fato de ver “muita gente se dando bem e eu não”; os polpudos
valores divulgados é que assustam e não a prática corrupta em si.
Eis
alguns exemplos desses ditos “ingredientes”: a) financiamento de campanha
política; b) remunerações escandalosas de agentes públicos; c) impunidade
acintosa; d) loteamento de cargos; e) obras públicas sistematicamente
interrompidas; f) sistema judicial ineficiente; g) coligações partidárias; h) infinitos
privilégios para altos cargos públicos; i) legislação confusa; j) insegurança
jurídica; k) sonegação tributária; l) foro privilegiado; m) superfaturamento; n)
propinas; o) caixa 2; p) demagogia; q) relações inapropriadas do público com o
privado etc., etc. A lista de barbaridades é grande. A população, ou pelo menos
alguns setores organizados da sociedade não se levantam contra tantas
aberrações; em vez disso, tentam é tirar proveito da situação. Ao mesmo tempo
em que algumas eminentes personalidades proferem discursos moralistas em
público, nos bastidores elas operam negócios mirabolantes e suspeitíssimos. E isso
acontece todo dia, toda hora, todo minuto.
O
fato é que estamos num ponto de ruptura. A cultura da corrupção epidêmica já
mostrou sua face mais perversa. O caso Venezuela está gritando pra quem quiser
ouvir, alertando para as consequências nefastas do sagrado jeitinho brasileiro.
Cabe a nós escolher continuar na bandalheira ou modificar profundamente a nossa
doutrina moral.
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