Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 30 / 5 / 2017 - A297
O
parágrafo segundo do artigo 112 do RICMS/AM diz que a partir da retenção do
imposto incidente sobre a farinha de trigo, o pão de QUALQUER TIPO fica
considerado tributado nas demais fases de comercialização. Ao mesmo tempo, a
Resolução 41 aponta vários tipos de pães sujeitos à cobrança de substituição
tributária. Essa dupla taxação implica numa transvariação normativa. Nesse
contexto, uma padaria da nossa capital está às voltas com pressões da Sefaz
sobre um dos seus pães. A coisa vem ganhando tamanha importância que já se
pensa numa ação judicial para tentar encerrar o imbróglio. Fatos dessa natureza
pipocam em tudo quanto é empresa brasileira. E o motivo de tanta dor de cabeça reside
no extremado desdobramento das classificações fiscais de mercadorias (é o
detalhe do detalhe do detalhe). O aspecto mais virulento dessa prática
burocrática está no altíssimo nível de subjetividade, sendo impossível
estabelecer definições exatas e seguras sobre procedimentos fisco tributários.
Um dos grandes vetores dessa praga sinistra é a enigmática codificação NCM,
fonte de incontáveis embates judiciais. A coisa fica ainda mais perturbadora
quando o agente público age de má fé, visando achacar o contribuinte para
extorsão de propina ou aumento de arrecadação. Muito do dinheiro que abastece
os cofres públicos é fruto de cobranças indevidas.
Impressiona
o fato do nosso sistema tributário ter mergulhado tão profundamente na abissal
escuridão normativa, onde não se consegue enxergar o mais tênue vestígio de racionalidade
ou de objetividade. Como resultado desse caldo rocambolesco, temos meio mundo
de gente correndo dum lado pro outro sem saber o que fazer. A Sefaz é a Meca da
complexidade normativa, que atrai uma massa de peregrinos para a dolorosa
via-crúcis tributária. Cada sala é uma estação de lamentações e penitências; a
crucificação vem na forma de multa por um motivo vago e questionável. Pode-se
dizer também que a Sefaz/RFB é uma esfinge moderna que vive a devorar todos
aqueles que não decifram seus enigmas. Claro, obvio, tantas moléstias só
atingem os pequenos contribuintes. As denúncias da operação Lava Jato vem
mostrando como as grandes empresas administram suas demandas junto aos agentes
fazendários: com muita propina, com muita cooptação e com muitos advogados.
O
que o nosso sistema tributário nos diz é que tudo é questionável; tudo é muito
elástico. A mensagem que os órgãos fazendários transmitem para os contribuintes
é que eles são obrigados a fazer um estudo tributário de todos os produtos
comercializados, produzidos ou insumos utilizados na manufatura. Cada um desses
estudos envolve um processo com duzentas páginas e cinquenta laudos técnicos,
além de trocentos pareceres jurídicos. Parece loucura, mas existem questões
absurdamente óbvias que se desdobram numa contenda infinita. O caso da cobrança
de ICMS do pão é de uma insanidade sem tamanho. Agora, imagine uma empresa que trabalhe
com trinta mil itens. Será que para trabalhar com um mínimo de segurança é
preciso elaborar trinta mil estudos tributários? Será?
O
senhor Francisco vende um sistema de gestão ultra simplificado para micro
empresas. Mesmo enxuto e com pouquíssimas telas de cadastramento, o usuário
passa por cima das formalidades, indo direto para o mecanismo de emissão de
nota fiscal. Esse contribuinte faz uma salada com a situação fiscal específica
das mercadorias. Até porque, muitas vezes, trata-se de uma lojinha onde
trabalha somente marido e mulher. As condições desse contribuinte para
compreender o universo tributário são nulas. Também, fica claro a inviabilidade
para contratação de consultoria especializada. Mas os agentes fazendários não
pensam assim quando exigem que todo mundo compreenda uma coisa que ninguém
entende (legislação tributária). E se esse pequeno empresário faz uma venda
para uma multinacional, ele se complica por inteiro. A razão é muito simples.
As grandes empresas exigem dos seus fornecedores que os dados das notas fiscais
estejam pautados por rigorosas normas técnico legais. Muita gente perde bons
negócios por não saber emitir uma simples nota fiscal (que não tem nada de
simples).
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