terça-feira, 30 de maio de 2017

Frenesi interpretativo da legislação tributária


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 30 / 5 / 2017 - A297

O parágrafo segundo do artigo 112 do RICMS/AM diz que a partir da retenção do imposto incidente sobre a farinha de trigo, o pão de QUALQUER TIPO fica considerado tributado nas demais fases de comercialização. Ao mesmo tempo, a Resolução 41 aponta vários tipos de pães sujeitos à cobrança de substituição tributária. Essa dupla taxação implica numa transvariação normativa. Nesse contexto, uma padaria da nossa capital está às voltas com pressões da Sefaz sobre um dos seus pães. A coisa vem ganhando tamanha importância que já se pensa numa ação judicial para tentar encerrar o imbróglio. Fatos dessa natureza pipocam em tudo quanto é empresa brasileira. E o motivo de tanta dor de cabeça reside no extremado desdobramento das classificações fiscais de mercadorias (é o detalhe do detalhe do detalhe). O aspecto mais virulento dessa prática burocrática está no altíssimo nível de subjetividade, sendo impossível estabelecer definições exatas e seguras sobre procedimentos fisco tributários. Um dos grandes vetores dessa praga sinistra é a enigmática codificação NCM, fonte de incontáveis embates judiciais. A coisa fica ainda mais perturbadora quando o agente público age de má fé, visando achacar o contribuinte para extorsão de propina ou aumento de arrecadação. Muito do dinheiro que abastece os cofres públicos é fruto de cobranças indevidas.

Impressiona o fato do nosso sistema tributário ter mergulhado tão profundamente na abissal escuridão normativa, onde não se consegue enxergar o mais tênue vestígio de racionalidade ou de objetividade. Como resultado desse caldo rocambolesco, temos meio mundo de gente correndo dum lado pro outro sem saber o que fazer. A Sefaz é a Meca da complexidade normativa, que atrai uma massa de peregrinos para a dolorosa via-crúcis tributária. Cada sala é uma estação de lamentações e penitências; a crucificação vem na forma de multa por um motivo vago e questionável. Pode-se dizer também que a Sefaz/RFB é uma esfinge moderna que vive a devorar todos aqueles que não decifram seus enigmas. Claro, obvio, tantas moléstias só atingem os pequenos contribuintes. As denúncias da operação Lava Jato vem mostrando como as grandes empresas administram suas demandas junto aos agentes fazendários: com muita propina, com muita cooptação e com muitos advogados.

O que o nosso sistema tributário nos diz é que tudo é questionável; tudo é muito elástico. A mensagem que os órgãos fazendários transmitem para os contribuintes é que eles são obrigados a fazer um estudo tributário de todos os produtos comercializados, produzidos ou insumos utilizados na manufatura. Cada um desses estudos envolve um processo com duzentas páginas e cinquenta laudos técnicos, além de trocentos pareceres jurídicos. Parece loucura, mas existem questões absurdamente óbvias que se desdobram numa contenda infinita. O caso da cobrança de ICMS do pão é de uma insanidade sem tamanho. Agora, imagine uma empresa que trabalhe com trinta mil itens. Será que para trabalhar com um mínimo de segurança é preciso elaborar trinta mil estudos tributários? Será?

O senhor Francisco vende um sistema de gestão ultra simplificado para micro empresas. Mesmo enxuto e com pouquíssimas telas de cadastramento, o usuário passa por cima das formalidades, indo direto para o mecanismo de emissão de nota fiscal. Esse contribuinte faz uma salada com a situação fiscal específica das mercadorias. Até porque, muitas vezes, trata-se de uma lojinha onde trabalha somente marido e mulher. As condições desse contribuinte para compreender o universo tributário são nulas. Também, fica claro a inviabilidade para contratação de consultoria especializada. Mas os agentes fazendários não pensam assim quando exigem que todo mundo compreenda uma coisa que ninguém entende (legislação tributária). E se esse pequeno empresário faz uma venda para uma multinacional, ele se complica por inteiro. A razão é muito simples. As grandes empresas exigem dos seus fornecedores que os dados das notas fiscais estejam pautados por rigorosas normas técnico legais. Muita gente perde bons negócios por não saber emitir uma simples nota fiscal (que não tem nada de simples). 




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