Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 11 / 7 / 2017
Um
partidão. Assim definiu o namorado para a amiga curiosa. A futura esposa dum
milionário estava ansiosa para a confirmação do noivado. Chegado o grande dia,
a família da noiva organizou um pomposo jantar para selar os votos de
compromisso matrimonial. O evento se desenvolvia a contento, com todos sorrindo
e festejando até serem surpreendidos pela visita da polícia. O pai da noiva foi
algemado e conduzido à delegacia sob a acusação de assassinato. Passado o
alvoroço, o tão cobiçado noivo descobriu que o futuro sogro era um traficante
perigoso. Questionada sobre a conduta ilícita do pai, a noiva jurou de pé junto
que não sabia de nada. O noivo ficou confuso, mas, mesmo assim manteve o
compromisso. Dias depois, num outro pomposo encontro familiar as pessoas
tentavam disfarçar o clima embaraçoso que pairava no ambiente. A coisa já não
estava bem e, mesmo assim, a polícia invade a festa para prender o tio e os
irmãos da noiva. Apesar de tantos atropelos, o amor foi mais forte. Isto é, o casamento
aconteceu, mas o noivo ficou estigmatizado; todo mundo estava sempre comentando
o mesmo assunto sobre a família bandida. Daí, que o casal teve que aprender a lidar
com a elevada carga de constrangimento que os acompanhava por onde quer que
fosse. Eles nunca eram poupados dos olhares enviesados e dos sorrisos amarelos.
Nos
relacionamentos cotidianos, é natural se afastar daquelas pessoas carregadas de
péssimas referências. Ninguém quer ser amigo de estupradores ou de mentirosos
contumazes. Muito menos, de pessoas fichadas na polícia, mesmo que haja dúvidas
quanto ao caráter da acusação. Curiosamente, no universo da política as regras
são bem diferentes. Na seleção de candidatos para a próxima campanha eleitoral
muita gente passa ou é descartada pela peneira classificatória. Os dirigentes
de partidos tomam algumas fichas para análise. O primeiro indicado foi
denunciado por desvio de merenda escolar. Por isso mesmo, reúne as qualidades
necessárias para ocupar um cargo municipal. O segundo nome da lista utilizou
serviços de pistoleiros para roubar terras de pequenos agricultores. Esse fato
é altamente qualificador para o pleito federal. O terceiro indicado é um espancador
contumaz da esposa. O comitê enxerga nesse caráter agressivo as qualidades do
futuro cacique político do estado. O quarto indicado mostrou o “derrière” pra
delegada. A brancura revelada encantou os colegas do partido. O quinto
candidato estuprou meio mundo de ribeirinhas. Tanto vigor numa só pessoa é um
forte indicativo de muitos votos oriundos daqueles que valorizam o homem macho.
O sexto candidato escreveu na ficha de filiação que não sabe mentir. Tamanha
blasfêmia encolerizou o comitê e assim, o filiado honesto foi expulso do
partido a pontapé.
Impressiona
a naturalidade do governo federal diante da expressiva quantidade de companheiros
presos ou denunciados por corrupção. A começar pelo chefe maior, que está todo
enroscado numa situação explosiva. Seus asseclas estão mergulhados no
tormentoso dilema de permanecer na base aliada ou desembarcar do navio furado.
Os homens da intimidade administrativa do presidente estão presos. A tal
narrativa proclamada pelo procurador Rodrigo Janot é devastadora. Políticos do
mais alto calibre estão encarcerados em penitenciárias, que antes era reduto
exclusivo de traficantes e estupradores. O congresso nacional é um verdadeiro
depósito de meliantes perigosos, não se distinguindo muito das cadeias mais
sujas desse país.
Mesmo
diante de tantos eventos apocalípticos, a cúpula do governo federal age com a
maior naturalidade do mundo. No congresso, ninguém enxerga nenhuma anormalidade
no universo do poder público. Na realidade, o nosso sistema político ignora a
podridão das próprias feridas cancerosas que indumentária ou perfume nenhum é
capaz de encobrir. Curiosamente, todos fazem vista grossa para a tempestade de fenômenos
esculhambatórios. A onda de cumplicidade impede que a nação inteira diga em
alto e bom som que o rei está nu. Notícias de roubalheira veiculadas na
televisão são apresentadas com frieza e indiferença. Nos canais televisivos, a
corrupção é retratada como um ato banal; repórteres e apresentadores não
demonstram sinais de ojeriza quando tratam do assunto. Resumindo, não existe
reação.
O
Brasil perdeu a vergonha na cara; o povo brasileiro deixou de se indignar com a
podridão política. Somos convenientes e pragmáticos – fomos convidados pela
noiva para uma bela festa na casa do marido rico. Mesmo sabedores da péssima
conduta dos parentes bandidos, sorrimos e fingimos que está tudo bem. Por outro
lado, os anfitriões se esforçam para manter um artificioso clima de
normalidade. No final das contas, fica evidente a nossa cumplicidade com a
bandalheira, uma vez que até fazemos comentários maldosos pelos cantos, mas ao
mesmo tempo aproveitamos a parte boa da festa.
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