Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18 / 7 / 2017 - ARTIGO 300
No
belo e ensolarado reino de Gatunolândia os animais eram otimistas e perseverantes,
apesar da crise proveniente do grande número de desempregados. Para piorar o
quadro desalentador, a nação vivia uma grave desordem institucional. A
corrupção cresceu tanto que o poder público consumia tudo que era produzido
pelos jumentos e burros de carga. E o governo só falava em aumento de imposto.
O desespero invadiu os domicílios porque já não havia mais nada para entregar
ao Fisco – toda a riqueza estava nas mãos dos corruptos. Mas como então a coisa
evoluiu para esse quadro apocalíptico?
Num
passado não tão distante, havia certo clima de honradez entre os animais. A
palavra do chefe de família era respeitada e a tímida roubalheira era
acobertada por fortes expressões de cinismo. Eis que um fenômeno sobrenatural
foi modificando a mentalidade dos habitantes da bela sociedade tropical. Os
animais deixaram o cinismo de lado e partiram com tudo para saquear o erário.
Muitas criaturas que antes, só assistiam, a partir dum certo momento começaram
também a roubar tudo que podiam. Descobriu-se que a corrupção era um negócio
compensador (o povão não se incomodava com isso).
Paralelo
ao crescimento das ações criminosas, os corruptos mais espertos deram início a
um ambicioso plano para transformar o reino num estado bandido. Primeiramente,
trabalharam a legislação de modo a torná-la indecifrável. Foram publicadas milhões
de leis confusas e enroscadas umas nas outras de maneira tal que, na prática,
não existia lei nenhuma. O objetivo era criar um ambiente de pura insegurança
jurídica, onde não fosse possível distinguir o certo do errado. Dessa forma, todo
advogado bem pago era capaz de legitimar qualquer argumento malicioso a partir
da maçaroca normativa. Os urubus foram os grandes arquitetos do aparelhamento
fisiológico. Por isso, acabaram por expulsar os outros animais do sistema
judiciário.
Com
a urubuzada dominando poder judiciário, era preciso então trabalhar as demais esferas.
Entra em cena a figura do porco. Os porcos já eram numerosos na política, os
quais sofriam muitos ataques devido à sujeira que espalhavam por onde quer que
fossem. Com o passar do tempo, essas criaturas asquerosas perceberam que a
população não ligava muito para questões de higiene. A bicharada só queria
saber de carnaval e futebol. Foi então que resolveram transformar seus redutos
num pantanoso lamaçal. A imundície extrapolou os limites do imponderável e, com
isso, os outros animais abandonaram a política. A partir dessa fragorosa
vitória, os porcos fizeram um pacto espúrio com os urubus para que nenhuma
corrupção fosse punida. Instituía-se a praga da impunidade, que acabou se
convertendo numa autêntica caixa de pandora.
Depois
do famigerado acordo, a bicharada passou a experimentar doses cavalares de
susto e desapontamento com as mais estapafúrdicas decisões judiciais. Era
latrocina beneficiado com indulto, era político corrupto em prisão domiciliar,
era perdão judicial para o maior empresário do reino, era pedófilo no comando
da prefeitura, era bandido inocentado, era traficante subornando magistrado etc.,
etc., etc. Todo dia, toda hora, todo minuto, um juiz urubu prendia uma ladra de
iogurte e ao mesmo tempo soltava um chefe de organização criminosa. Nesse
reino, os bichos tinham carta branca para atropelar grávidas e criaturas idosas
num trânsito sanguinário e escarnecedor (ninguém era preso).
O
objetivo de tantos desmandos era matar o senso de indignação da sociedade
animal. Os bichos tinham que ficar entorpecidos de tantas desgraças até perder
a crença nas instituições. O plano era consolidar o paradigma do jeitinho, de forma
a moralizar toda sorte de ignomínias. O caminho trilhado passou pelo
desarmamento do cidadão comum, combinado com o desmonte do sistema
penitenciário; e também, o afrouxamento da fiscalização para facilitar o
tráfico de armas pesadas. O governo fazia insistentes campanhas pra ninguém
reagir e assim garantir a multiplicação geométrica de assaltantes por todo lado,
a toda hora; de dia, de noite, de madrugada...
Foi
assim que a política ficou tão imunda que afastava qualquer outro bicho
decente. A política se transformou num símbolo maligno que assustava o cidadão
de bem. Por outro lado, facínoras e toda sorte de pervertidos eram recebidos de
braços abertos pelo poder público.
Pois
é. A política é isso: uma podridão cheia de animais asquerosos. Tais criaturas
detestam tudo que é limpo, ético e honesto. Porcos e urubus se uniram numa
corrente difícil de quebrar. Mas só fizeram isso porque os demais bichos se
acovardaram, se humilharam, se comportaram como vermes. Por isso, não podem
reclamar quando são pisados pelos corruptos.
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