Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 5 / 6 / 2018 - A 333
A
paralisação dos caminhoneiros acabou por jogar lenha na fogueira tributária. Em
meio ao fervilhante rebuliço provocado pelo desabastecimento, muita gente se
posicionou contra a subvenção governamental que pôs fim ao movimento grevista.
Os tais “especialistas” reclamavam da absurda redução do Pis/Cofins e também
queixavam-se do impacto na arrecadação de impostos que financiam serviços
públicos essenciais. O tom do palavreado transmitido no discurso pró-governo
reforçava a ideia de absoluta normalidade da escarnecedora regressividade
brasileira. Todo esse pessoal se comportava como assessores do presidente da
república. Mesmo assim, as explosões de postagens nas mídias sociais rasgaram o
verbo contra o extorsivo modelo de taxação que abocanha metade do salário
(líquido) do trabalhador.
Parece
que os caminhoneiros riscaram uma faísca na boca no tanque tributário,
desencadeando assim uma onda de questionamentos difícil de conter. Apesar da
relevante importância na manutenção dos serviços públicos, o brasileiro comum
não está engolindo uma taxação de 100%. O cidadão que batalha arduamente de sol
a sol não se conforma com o fato de pagar um tanque cheio e depois sair do
posto com somente meio tanque. Ou seja, tem algo de podre no reino da
Dinamarca. E o povo tá certo na sua desconfiança, porque a coisa toda é muito,
muito, muiiito fedorenta.
O
Brasil é um país controlado pelas elites aristocráticas que transferem todo o
fardo tributário para as costas dos mais pobres. O mecanismo central dessa
engenharia macabra está no ultra super intrincado sistema normativo. A
legislação tributária foi meticulosamente desenhada para fomentar o espírito de
esperteza que tão bem caracteriza o jeitinho brasileiro. Isto é, tudo é muito
extenso e obscuramente detalhado de modo que a objetividade se perde no meio do
caminho interpretativo. Tal modelo difuso confere aos poderosos uma infinidade
de meios para não pagarem o mínimo razoável de impostos. Some-se a isso, a
ultra proliferada e amplificada política de incentivos fiscais que beneficia
justamente os gigantescos conglomerados econômicos. E para fechar com chave de ouro,
a Procuradoria da República luta para cobrar dos grandes contribuintes, o
montante de trilhões de reais declarados e não pagos. Fora tudo isso, ainda
assistimos de camarote ao espetaculoso perdão oficial de centenas de bilhões de
reais das dívidas tributárias, também dos grandes contribuintes. O poço da
balbúrdia fiscal não tem fundo.
Pois
é. Voltando ao problema da pesada carga tributária dos combustíveis (e de
outros bens de consumo), o governo jamais encontrará solução dentro do atual
modelo regressivo, como vem tentando fazer. O único caminho viável é o da
progressividade. 60% da nossa arrecadação vêm do consumo e somente 16% vêm da
renda. É exatamente o inverso do que ocorre nos Estados Unidos. E a maior parte
dos tais 16% são pagos na fonte pelos assalariados.
Não
bastasse a montanha de erros e de atropelos normativos, os impostos (ICMS/Pis/Cofins)
são embutidos e entrelaçados no produto. Isso significa que a carga de
penduricalhos taxativos é presumida e não conclusiva. Por esse motivo, não há
clareza quanto à apropriação indevida dos tributos pagos pelo consumidor ao
comerciante. O Fisco acaba por trabalhar em cima de presunções. Tal problema
não ocorre na tributação do IPI porque uma coisa é separada da outra, o que bem
caracteriza crime de apropriação indébita quando o valor cobrado do adquirente
não é repassado ao erário.
Muitos
estabelecimentos comerciais consideram somente o valor de aquisição, margem de
lucratividade e custo operacional quando formam o preço de revenda das
mercadorias. Esses empresários não injetam ICMS/Pis/Cofins no valor da
mercadoria para não perder competitividade, uma vez que seus concorrentes praticam
menor preço devido à sonegação. Os impostos embutidos impactam brutalmente o valor
pago pelo consumidor. Por exemplo, uma mercadoria adquirida por R$ 100 que sofre
adição de 25% a título de custeio operacional mais margem de lucro, é vendida
por R$ 133. Mas se forem adicionados ICMS/Pis/Cofins o resultado final é de R$
209. Ou seja, os impostos tornam o produto 57% mais caro. É bom lembrar que
esse mesmo produto já pagou IPI quando foi fabricado.
O
modelo de impostos “embutidos” ou “por dentro” fomenta as distorções de mercado
e também favorece a concorrência desleal. É extremamente complicado para uma
empresa cumprir a legislação fiscal quando toda a sua vizinhança sonega
adoidado. Esse modelo é insustentável em termos de eficácia arrecadatória, uma
vez que o Agente Fazendário não dispõe de instrumentos apropriados para fazer
valer a normatização vigente. Por outro lado, é bom lembrar que essa ocultação
da carga tributária existe, justamente, para enganar o povo.
O
peso esmagador de impostos fica escondidinho no produto para evitar uma
rebelião social. Dessa forma, o governo pode massacrar os pobres com carga acintosa
e ao mesmo tempo proteger os ricos com isenções vergonhosas. A caracterização
do crime tributário só acontecerá de fato quando for extinto o modelo de
impostos “embutidos”. Ao mesmo tempo, se ICMS/Pis/Cofins tivessem o mesmo
tratamento do IPI (cobrança por fora), o ente fazendário ganharia muito mais
poder fiscalizatório. Por outro lado, o comerciante seria 200 vezes mais
cauteloso em vista do risco de prisão. O gravíssimo problema da cobrança “POR
FORA” está na evidenciação da carga tributária na etiqueta de preço colada no
produto. Imagine a cena dantesca: O consumidor vai até o aparelho de vídeo game,
analisa o produto e depois verifica o preço. Na etiqueta consta a informação de
R$ 280, referente ao produto e mais R$ 720 de impostos, totalizando R$ 1.000. É
claro que o consumidor iria quebrar o aparelho na cabeça do vendedor e depois
botar fogo na loja. Onde já se viu pagar 257% de imposto? Mas é isso que
acontece todos os dias. A carga “embutida” do vídeo game é de 72%, que num cálculo
“por fora” resulta em 257%. Lembrando que existem produtos com carga de 900%.
Tal modelo de cobrança “por dentro” é fraudulenta porque o imposto é
apresentado ao consumidor travestido de produto. Nos Estados Unidos, a carga
mais alta de imposto sobre consumo é de 9,45% (Tennessee). Nos EUA, toda
cobrança é “POR FORA”. Isso cria uma relação de honestidade e clareza entre
Fisco e Contribuinte.
Diante
desse doentio cenário brasileiro, todos os fatores concorrem para que a atual balbúrdia tributária
continue do mesmo jeito que está atualmente. O consumidor precisa se manter na
mais absoluta ignorância; ele não pode se conscientizar do tamanho da facada
que leva toda vez que compra alguma coisa, porque, no dia em que isso ocorrer, os
governantes serão apedrejados em praça pública. Curta Doutor imposto no
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