Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 13 / 8 / 2019 - A371
Numa
venda de R$ 100 efetuada pela indústria é destacado o débito ICMS de R$ 18. O
comprador atacadista revende por R$ 200 e assim paga R$ 18 sobre o valor
adicionado de R$ 100. O estabelecimento varejista revende a mercadoria por R$
300 e também paga R$ 18 sobre o valor adicionado de R$ 100. Demonstrando os
cálculos de outra forma, o que ocorre é que o estabelecimento atacadista faz a
apuração do ICMS mediante confronto do débito de R$ 36 menos o crédito de R$
18. O varejista confronta débito de R$ 54 menos crédito de R$ 36. Ou seja, o
débito de uma fase da cadeia é convertido em crédito na cadeia seguinte. Esse
jogo aritmético ao longo da cadeia de produção/distribuição é que caracteriza o
modelo de Imposto sobre Valor Adicionado (IVA). A nossa legislação chama isso
de Não-Cumulatividade, que, a priori, pode parecer um mecanismo que objetiva evitar
o pagamento sobre valores já tributados anteriormente. Isso, em tese. Na prática,
o regime não cumulativo é um inferno dos mais tenebrosos. A maior parte do contencioso
de R$ 2 trilhões tem alguma relação com disputas envolvendo débito versus
crédito. O IVA brasileiro é um fomentador de práticas delituosas por incitar o
jogo de esperteza tão característico do povo brasileiro. A coisa toda se tornou
caótica pela infinita multiplicidade de enquadramentos e de alíquotas. Tudo
isso temperado com impostos “por dentro” e com incidência de vários tributos sobre
uma mesma base. Podemos dizer que desgraça pouca é bobagem quando nos
debruçamos sobre essa bagaceira tributária.
Alguém
pode garantir que o IVA não é responsável pelo nosso bagunçado sistema tributário,
já que é adotado por meio mundo de nações. Acontece que o IVA europeu é alvo de
críticas pela natureza burocrática do modelo. E olha que o IVA europeu é duzentas
vezes mais simples do que o IVA brasileiro porque o nosso legislador fragmentou
a base de tal forma que parece haver uma legislação para cada produto ou uma
legislação para cada CNPJ. Tudo é infinitamente detalhado e particularizado.
Sapato com sola de couro paga certo valor de IPI; sendo sola de borracha, outro
valor. Se houver mistura de materiais, nasce uma questão fadada ao contencioso
fiscal. A extremada fragmentação de detalhamentos particularizados cria um
cenário de absoluto subjetivismo porque é impossível definir objetivamente o
que é e o que não é (e a forma). As empresas navegam no oceano da dúvida e da
incerteza e os órgãos reguladores tentam corrigir problemas com um vasto e indecifrável
conjunto de regras que se colidem num frenético jogo de interpretações
desencontradas. Por tudo isso é que o nosso IVA se transformou numa fonte
maligna que produz atrocidades odiosas todo o santo dia.
O
regime da substituição tributária do ICMS, apesar de polêmico, nos fez enxergar
o imposto por uma ótica simplificada. O mesmo fenômeno se deu pelo advento do
Simples Nacional. O empresário pagador de ICMS-ST passou a experimentar um
sentimento novo; a sensação terminante (case closed). Por exemplo: As autopeças
amazonenses pagam antecipadamente todo o ICMS, não havendo apuração. Isso é
consequência dum pleito desses empresários junto a Sefaz para eliminar o
processo de apuração. Com isso, despencou o risco de autuações fiscais,
justamente pela morte do IVA, uma vez que o comércio de autopeças não faz jogo
de débito versus crédito. Um detalhe importante: Quando o primeiro comerciante
paga, todas as autopeças amazonenses da cadeia subsequente ficam livres do imposto.
Em suma: Já temos uma reforma tributária. Bastaria transformar uma modalidade
de cobrança tributária num imposto cobrado por ocasião do ingresso da mercadoria
no estado destinatário. Até o ano de 2015, as empresas acreanas viviam dias de tranquilidade
porque tudo era antecipado. O dono de uma distribuidora com unidades instaladas
em toda a Amazônia ocidental chegou a dizer que a unidade do Acre era a que nunca
gerava preocupação de riscos fiscais envolvendo ICMS. Enquanto isso, a filial
manauara vivia num eterno embate com a Sefaz por causa de confusões envolvendo
débito versus crédito.
O
grande problema das empresas brasileiras não é tanto a carga, mas a
complexidade tributária. Como os estados não abrem mão do imposto
interestadual, que seja então cobrada uma taxa na saída para outras unidades
federativas e cobrada outra taxa no momento do ingresso no estado destinatário,
sendo tudo “por fora”. A não cumulatividade deveria ser completamente abolida. A
maior potência do mundo não pratica o IVA. E isso já basta. Curta e siga
@doutorimposto
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