Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 28 / 04 / 2020 - A399
Dona
Fran é uma simpática costureira que atende seus clientes com um belo sorriso no
rosto. Certa vez, eu levei uma calça para embainhar. Enquanto concluía o
serviço, ela fez um comentário emblemático. Disse que um catador de recicláveis
colocava areia nas latinhas amassadas para aumentar o peso e assim ganhar um
pouco mais de dinheiro. Dona Fran discorria sobre essa história com desenvoltura
e certa admiração pela ideia genial do catador.
Se
quiser conhecer a alma de um país, basta prestar atenção nos seus políticos. O
sistema político sintetiza o caráter de uma nação. E o motivo é bem simples. Os
piores políticos brasileiros, por exemplo, não vieram do planeta marte nem das
profundezas do inferno; eles foram paridos das massas. O voto representa um
alinhamento de caráter com o votado. O político eleito, portanto, está em
perfeita sintonia com os valores daqueles que o elegeram. Trocando em miúdos, cada
eleitor faria exatamente aquilo o empossado faz. É claro e óbvio que o seu João
das couves ou o pastor da igreja não seriam capazes de abominações características
do universo político. Será mesmo?
Será
que alguém que coloca areia nas latinhas também seria capaz de grandes desvios,
se tivesse oportunidade? Será que a Dona Fran seguiria na mesma linha? Pois é. Quem
reclama da corrupção desenfreada é gente que acha normal, a prática de “pequenos
deslizes” (ou grandes). É mais ou menos assim: O macaco que segue atrás, debocha
do rabo do macaco que vai na frente. É muito estranho, acompanharmos décadas e mais
décadas de protestos contra a corrupção enquanto o sistema corrupto ganhou
musculatura nesse mesmo período. Pesa aqui o velho ditado: Por fora, bela viola;
por dentro, pão bolorento. Essa pantomima ignóbil ficou ainda mais evidente no
episódio rocambolesco da demissão do senhor Sérgio Moro.
Os
partidários do presidente apoiaram incondicionalmente tudo que ele fez, ao
mesmo tempo em que desqualificaram o ministro, que agora é um bandido. No
fundo, todos sabem quem está mentindo. Mas o que pesa na balança é o pragmatismo,
que não deixa espaço para outro tipo de conduta moral. Na visão dos apoiadores
ardorosos, o presidente pode tranquilamente interferir nos inquéritos da
Polícia Federal (ele pode tudo). Ele pode demitir quem quiser, a qualquer
instante, principalmente quem investiga seus amigos e familiares. Isso é perfeitamente
normal. Também é normal, um patrão habituado a demitir funcionários aleatoriamente,
como se fosse uma roleta russa. É claro que isso é insano e condenável numa
empresa. É claro que isso joga rapidamente a empresa no precipício. Mas para os
bolsonarianos tudo é perfeitamente normal.
O
mosaico de personalidades tortuosas é o laboratório perfeito do político
desonesto. A arte da política se traduz num profundo conhecimento da alma do eleitor.
O político moderno não precisa envidar grandes esforços para convencer ninguém sobre
contos de fadas. O político sabe que seu eleitor tem uma alma bandida. Mesmo
porque, a sociedade está mais descarada; as pessoas estão abandonando os
estereótipos romantizados e assumindo um comportamento pragmático. Afinal de
contas, o mundo é dos espertos. E no jogo da esperteza vale tudo. Quem ainda
insiste na profissão de bondade aprende no BBB que é preciso mentir, trapacear,
agredir e passar por cima dos brothers para ganhar o jogo. O pior de tudo é que
desse caldo de ignomínias nascem as escolhas dos políticos que conduzem o destino
da nação. Portanto, o nosso sistema político seguirá imutável e o noticiário continuará
entupido de manchetes tenebrosas.
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