Publicado no Jornal do Commercio dia 13 / 12 / 2022 - A465
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A série Barbarians (Netflix) mostra uma angustiante luta dos povos bárbaros contra a opressão do império romano, numa época em que o norte da Europa era povoado por diversas tribos que viviam em permanente conflito. Nesse caso, estava na fragmentação dos oprimidos o grande trunfo imperial, que era super poderoso, exatamente, pela unidade de comando. Ocorre, que, além da força militar, os romanos cooptavam e corrompiam as lideranças bárbaras, fragilizando por demais qualquer iniciativa de rebelião. O enredo cinematográfico mostra uma sequência de atrocidades do opressor, onde soldados invadiam casas para roubar animais e cereais, comprometendo assim o sustento das famílias. A rápida punição do sonegador estava numa espada cravada no peito. Desse modo, o imposto é retratado como símbolo terrorista, onde o luxo das castas imperiais era bancado pela vida desgraçada de povos espoliados.
No filme O Destino de Júpiter, a fonte que sustentava o luxo e o poder da elite dominante vinha dum elixir rejuvenescedor gerado por humanos, onde era necessário matar 200 indivíduos para produzir um frasco do valioso produto. Aqui, novamente, a opulência dos ricos vinha da desgraça dos pobres massacrados.
O sistema tributário brasileiro não tem por finalidade primeira o bem estar social (saúde, educação, segurança etc). Na verdade, o agente fazendário atua como uma grande máquina de transferência de renda, onde, pela força das armas, o Fisco invade a casa do contribuinte para arrancar tudo que ele tem, promovendo uma onda de desgraça do povo brasileiro espoliado. Basta lembrar da infinidade de mortes decorrentes do confisco do governo Collor, que reproduz exatamente o enredo da série Barbarians (Netflix). Nos últimos tempos vem ocorrendo uma sequência de prisões de sonegadores de impostos. E a Sefaz luta com todas suas forças para transformar inadimplência em crime, revelando a intenção acintosa de implantar um regime de terror, tal qual fez o império romano.
Voltando à questão da máquina de transferência de renda, o setor público inteiro se une no propósito de arrancar o máximo possível do pouco que o trabalhador consegue produzir. Os agentes do alto escalão do setor público insistem na reprodução da nobreza que orbitava a regência do Rei Sol francês, com seus palácios suntuosos, festas nababescas e toda espécie de depravação que se pode imaginar. Se fôssemos catalogar os escândalos envolvendo desperdício de dinheiro público, seria necessário imprimir uma enciclopédia com uns duzentos mil volumes. O pior de tudo é que notícias de desperdícios e de roubalheira no setor público acontecem num ritmo frenético de denúncias diárias. Uma das aberrações mais escandalosas está nos salários astronômicos pagos com dinheiro do contribuinte, como, por exemplo, salários do Tribunal de Justiça do Amazonas, onde pessoas endeusadas ganham R$237 mil ou R$233 mil etc <bit.ly/3mS9peh>. Ou então, o inacreditável salário de R$ 1,3 milhão da juíza pernambucana Marylusia Pereira Feitosa de Araújo <bit.ly/3mPEq2F>. Tal qual o filme O Destino de Júpiter, são necessários mais que 200 trabalhadores comuns para gerar imposto que vai diretamente para o bolso da juíza pernambucana. As pessoas são trituradas e espremidas para garantir o luxo pornográfico dos altos funcionários públicos.
A máquina pública é uma voraz máquina de devorar dinheiro porque os altos
funcionários públicos exigem luxo e mordomias das mais onerosas que a
imaginação mandar. Basta lembrar da reforma do banheiro do ministro Joaquim
Barbosa, que custou R$ 90 mil <bit.ly/3FldSyx>. E além de gastar, querem
também ser tratados como deuses. Basta lembrar do esculacho que o ministro
Marco Aurélio deu na advogada Daniela Lima porque ela utilizou o pronome “você”
ao invés de “vossa santidade”. A advogada também não se prostrou aos pés do
ministro, cometendo assim um crime de lesa-pátria. Estamos na Coreia do Norte.
Outro grande problema do setor público está na completa desordem administrativa. Por exemplo, se é mal atendido numa loja, você reclama para o gerente. Mas no setor público não tem gerente, não tem comando nenhum; não existe chefe ou a quem reclamar. Assim, o funcionário público faz o que bem entende e no tempo que ele determinar. Por exemplo, uma empresa aqui do Amazonas deu entrada numa consulta tributária na Sefaz para saber se pode ou não, utilizar determinado credito ICMS (é uma simples pergunta). O contribuinte quer simplesmente saber se sim ou se não. Pois bem. Já dura mais de 400 dias, o tempo dessa análise. Eu, Reginaldo, por várias vezes, tentei falar com o funcionário que engavetou a dita consulta para cobrar uma resposta, mas ele nunca está. A notícia que colhi na própria Sefaz é que ele está indo só bater o ponto e depois voltando pra casa. Agora, pergunto: Reclamo pra quem? Alguns vão dizer que o caminho está na Ouvidoria da Sefaz. Mas, eu também já fiz uma reclamação pra essa dita Ouvidoria, e a resposta sem pé nem cabeça chegou ao meu e-mail depois de um ano e meio. Pergunto ao governador, que é o chefe da Sefaz: Faço o quê? Então, meus caros, a coisa é esculhambada ao extremo do absurdo. Estamos no mato sem cachorro; estamos ferrados e mal pagos. Somos reféns dum sistema diabólico.
Outra coisa terrivelmente absurda que acontece nos órgãos fazendários ou outro qualquer: O funcionário público pode cometer todo tipo de atrocidade que não acontece absolutamente nada com ele. Alguns podem afirmar que não, já que o Artigo 316 do Código Penal estabelece penalidade para atos gravosos ou vexatórios do funcionário público. Mas isso é perfumaria; é uma ficção. Na prática, a bagaceira corre solta nos corredores dos órgãos públicos porque todo mundo sabe que não existe essa coisa de “instituições”. O que existe de verdade é “setor público” versus “setor privado”. Como, certa vez, me disse um conselheiro do TCE: “O poder se protege”. Assim, o juiz vai proteger o fiscal corrupto ou os policiais da PRF que mataram Genivaldo Santos numa câmara de gás lacrimogênio, tal qual faziam os nazistas nos campos de concentração. Interessante, é que no Brasil é proibido exibir a suástica nazista, mas é permitido o morticínio nazista, já que ninguém está preso e nem vai ser, porque os criminosos são funcionários públicos. Se fosse um particular, já estaria encarcerado há muito tempo. Inclusive, qualquer aumento de imposto é validado pelo sistema judiciário porque o governante faz ameaças de cortar remuneração.
Esse mesmo modelo de proteção corporativa dos órgãos públicos acontece de modo acintoso na violação do ordenamento jurídico fiscal. Numa reunião promovida pela FVG, o advogado Pedro Lunardelli afirma que no Brasil a ilegalidade vale a pena. Ou seja, corriqueiramente, são instituídas cobranças tributárias sem observância do ordenamento jurídico, onde uns poucos acionam a Justiça, mas a grande maioria acaba pagando a cobrança indevida. O senhor Lunardelli até questiona que atos ilegais deveriam enquadrar o agente signatário em crime de responsabilidade. Só que isso não existe. O governador, o presidente, os parlamentares, o prefeito, têm plena liberdade de estabelecer cobranças das mais absurdas sem que haja qualquer punição. O auditor fiscal, também, pode lavrar autos ilegais, onde o contribuinte gasta fortunas para provar inocência sem que o agente público malicioso não sofre nenhuma punição. Por exemplo, meio mundo de Convênios (Confaz) foram ratificados aqui no Amazonas por Decreto, ao invés de Lei, o que, em tese, estariam todos anulados. Mas, obviamente, o STF, com base no “risco das contas públicas” vai dar um jeitinho legalista (como sempre). Outro exemplo está no Fundo de Promoção Social amazonense, que foi instituído em março/2017, passando a vigorar em junho do mesmo ano, contrariando a alínea “b” do inciso II do artigo 150 da Constituição Federal. Também, o Decreto 37.465/2016, que majorou o ICMS substituição tributária, foi publicado em 14/12/2016 com efeito prático em 1/1/2017, contrariando assim a alínea “c” do inciso II do mesmo artigo constitucional. E o que aconteceu com os signatários de tais dispositivos ilegais? Nada. Ou seja, ao menor deslize do contribuinte, a Sefaz, de modo draconiano, pune rápida e severamente com bloqueios e até ameaça de prisão. Mas o funcionário pode sentar num processo por 400 dias e nada acontece com ele. Ou seja, a esculhambação da esculhambação da esculhambação é a marca da gestão pública brasileira. E toda essa esculhambação e toda essa ineficiência é bancada com o dinheiro dos impostos.
O Estado, nunca, jamais, em momento nenhum, promove o mínimo de revisão dos seus processos administrativos para torna-los um pouco menos esculhambados. O que o Estado faz é sempre piorar o que está ruim. Piorar administrativamente e piorar o sistema normativo. Observa-se nos últimos tempos, uma piora substancial na clareza das regras normativas que, por consequência, vem turbinando o volume do contencioso fiscal. Parece até que existe um acordo do legislador com a indústria do contencioso, onde, na calada da noite, as partes se reúnem para fazer desenhos tributários ao estilo Guernica (Pablo Picasso). Supostamente, a intenção é sempre piorar o sistema normativo para assim alimentar a insaciável fome dessa indústria poderosa.
Mas isso, não significa que os advogados são vilões. Pra começo de conversa, eficientes advogados tributaristas são raros, raríssimos. Eu conheço um tributarista de verdade que está abalando as estruturas da Sefaz, exatamente, porque vem mapeando as incontáveis derrapadas normativas da nossa legislação estadual. E assim, seus clientes vêm economizando milhões com seu trabalho. Mas o pior de tudo é que isso pode dar a impressão de que alguns contribuintes são vilões por deixar de pagar algumas cobranças da Sefaz ou da RFB. Na verdade, o que diversas empresas vêm fazendo é pagar o imposto de acordo com princípios minimamente razoáveis. Isto é, pagar pela venda efetiva e não pelas suposições de vendas que não aconteceram. Também, os bons advogados vêm obtendo vitórias expressivas no campo das obrigações acessórias estapafúrdias.
Boa parte da culpa por tantos desatinos tributários está no próprio corpo empresarial que não se interessa pelo assunto. Por exemplo, a gestão pública dos EUA é fortemente marcada pelo tal accountability social, que só funciona por causa da marcação cerrada do cidadão comum. A coisa lá, não é bagunçada como aqui, onde as entidades empresariais não se organizam de jeito nenhum. Eu mesmo, insisti muito, junto a ACA e Fecomércio, na criação de um núcleo tributário nos moldes do que existe na FIEAM, mas nunca houve interesse. As entidades empresariais são fragmentadas, tal qual as tribos bárbaras da série Netflix. E tal qual o enredo cinematográfico, os dirigentes são cooptados para não lutar contra as injustiças fiscais. Isso é materializado nas vantagens financeiras de estar próximo de governadores, prefeitos e outros mais. Contratos de fornecimento com preços superfaturados ou ajeitamentos de dívidas tributárias também são convertidos em moeda de troca. E assim, o empresariado nunca vai empreender uma cruzada em prol da verdadeira reforma tributária e administrativa, já que a corrupção fragiliza por demais qualquer iniciativa de rebelião.
Vamos então para a intenção do governador amazonense de aumentar o ICMS de 18% para 20% (11,11% de aumento); e também aumentar o IPVA em 50% e ICTMD em 150%. O governador não cogita em nenhum momento, o corte de gastos públicos ou melhoria da eficiência administrativa ou ajustamento normativo para fugir do contencioso fiscal. Todo ato governamental é sempre voltado para o inchaço da máquina pública, com hordas de gente apadrinhada ganhando salários nababescos. Ou então, uma infinidade de órgãos estaduais que não se sabe bem pra que servem. Por outro lado, existe um gigante sangramento na arrecadação estadual, que é materializado numa infinidade de regimes especiais ou renúncias fiscais ou dinheiro preso em contencioso decorrente de normatização incompetente. Certa vez, um conselheiro do TCE me contou que a Sefaz se recusou a abrir para o próprio TCE, uma conta chamada “renúncias fiscais”. Diante desse quadro, o governador tem um rol expressivo de alternativas com potencial de abastecer o erário, mas ele prefere cravar uma espada no peito do contribuinte. O governador bem que poderia estudar ICMS para saber o que está fazendo quando assina um decreto. Mas também, não se pode culpar unicamente o governador. O problema está num intrincado sistema normativo que resultou no diabólico modelo arrecadatório. A culpa, na verdade é do cidadão comum, que nunca se interessou em implantar por aqui, o modelo americano de accountability social. Curta e siga @doutorimposto. Outros 464 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br
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