O Brasil é sem sombra de dúvida o país dos contrastes. Somos ao mesmo tempo uma nação do primeiro e do terceiro mundo em vários quesitos. Por exemplo, quando o assunto é pujança econômica estamos lá em cima no “ranking”. Já o nosso índice de desenvolvimento humano está entre os piores do planeta, o que confirma tacitamente o fenômeno da concentração de renda num grupo social muitíssimo restrito. Outro exemplo perturbador tem a ver com a discrepante situação entre o altíssimo volume de dinheiro arrecadado pelo governo e os constantes anúncios de falta de recursos para investimento em serviços públicos essenciais. A máquina governamental vem ano a ano crescendo e se expandindo em escala monstruosa. Essa monstruosidade tem se caracterizado pelo apetite voraz que majoração nenhuma de imposto é capaz de saciar. Foi justamente essa fome desmedida que levou o nosso Fisco a criar a mais espetacular e maquiavélica máquina de confisco jamais imaginada na história dos tributos em todo o mundo. O SPED está se apropriando das nossas almas, grudando no nosso lombo feito carrapatos famintos e ao mesmo tempo se comportando como uma assombração que não dá um minuto de trégua. Os espíritas diriam que é um encosto.
Há quem diga que o Projeto SPED é um progresso que deveria encher o povo brasileiro de orgulho devido a sua robustez tecnológica e capacidade de promover (compulsoriamente) o processo de modernização administrativa dos contribuintes. Outro aspecto positivo seria o combate às práticas desleais de mercado, visto que todos estão sendo alcançados pelas garras do SPED e assim dificultando a sonegação de tributos. Inclusive, essa é a principal característica do SPED: o poder de amarrar todas as pontas e não deixar nada solto. A concepção desse projeto é de uma grandiosidade ambiciosa. Ele pretende levar para uma única base de processamento de dados todos os processos operacionais de todas as operações comerciais de todo o Brasil. É simplesmente uma coisa que desafia o senso de abstração da mente mais bem preparada.
Assim, podemos deduzir que se somos tão eficientes para criar uma estrutura monumental e desafiadora como o SPED, poderíamos também (se quiséssemos) encontrar soluções para o problema da ineficiência da gestão pública. Ou seja, da mesma forma que o eficientíssimo governo alargou o calibre da torneira, fazendo jorrar cachoeiras de dinheiro nos cofres públicos, ele bem que poderia diminuir o tamanho do ralo através da redução do desperdício e da corrupção. Como um lado do cérebro do governo tem funcionado brilhantemente, conclui-se que a inatividade do outro lado acontece por pura conveniência e desinteresse. O lado da usurpação do bolso do contribuinte pela via tecnológica está funcionando maravilhosamente bem para atender a todo um complexo, pesado e ultra ramificado escoadouro do dinheiro público. O governo demonstra um interesse gigantesco em arrecadar, mas nenhuma disposição em criar mecanismos de controle dos gastos públicos. Tecnologia e “know-how”, está provado que existe de sobra para o governo fazer o que quiser.
As tecnologias voltadas para os processos de controle interno das organizações vêm ano a ano amadurecendo e se disseminando rapidamente, até mesmo do lado de fora do clube das grandes empresas. Os meios eletrônicos tomaram de conta de tudo ao nosso redor. Vivemos a era dourada dos códigos de barras e das padronizações de procedimentos. Parece que cada movimento que o cidadão faz deixa um registro guardado em algum lugar. Essa revolução tecnológica foi oportunamente catalisada pelo governo. Prova disso, é o nosso magnífico sistema eleitoral que é capaz de publicar o resultado de uma eleição no mesmo dia da votação. Assim, não é difícil deduzir que por mais complexo que seja o sistema de gestão da máquina pública, existe sim, condições e tecnologia suficientes para controlar todos os fluxos de recursos e informações, de forma a permitir auditagens das mais variadas partes interessadas. O pleno funcionamento de uma gestão pública de qualidade seria capaz de tirar o país da lama e transformá-lo de fato num país desenvolvido.
Já que os governantes não querem moralizar a máquina pública, esse papel caberia ao cidadão através das entidades representativas da sociedade. O povo deveria pressionar o governo para que ele venha a utilizar a mesma tecnologia do SPED na administração dos seus recursos financeiros e no funcionamento dos seus órgãos. Os mecanismos de moralização da gestão pública não possuem um centésimo da agilidade e da eficiência do SPED. Tanto SIAF, como CGU e COAF funcionam precariamente e são mantidos num estado proposital de inanição de forma a permitir que a roubalheira e a corrupção continuem sustentando o cupinzeiro instalado em todas as repartições públicas brasileiras. O nosso Congresso também dá uma mãozinha nesse processo em não querer de jeito nenhum acabar como o voto secreto. Da forma semelhante, o Judiciário, por criar uma série de interpretações para debilitar a lei da ficha limpa.
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