Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 03/04/2013 - A116
Em
um belo trabalho da Dra. Anna Maria Campos, publicado na Revista de
Administração Pública, a autora relata seus primeiros dias de aula no Centro de
Negócios Públicos de Washington, capital dos Estados Unidos, onde não conseguia
acompanhar as discussões em sala de aula sobre o assunto “accountability”. A dificuldade de interpretação dessa
terminologia persistiu, apesar de inúmeras consultas a diversas fontes de
pesquisa. De volta ao Brasil com a charada na bagagem, a Dra. Anna seguiu sua
incansável busca através de contatos com várias pessoas que não conseguiram
satisfazê-la com uma tradução adequada em língua portuguesa. A palavra mais
próxima e normalmente utilizada é “responsabilização”. A questão é que “accountability” vai muito, muito além
disso. Dessa forma, a pesquisadora desistiu da ideia de tradução e se
concentrou no significado. Descobriu, enfim, que faltava aos brasileiros não era
um termo equivalente em português para “accountability”. Faltava era o próprio conceito. E
o motivo dessa falta era a nossa pobre e embrionária consciência de cidadania. Seria
a mesma coisa que tentar encontrar um sinônimo para neve no vocabulário de uma tribo
indígena isolada da Amazônia.
Essa obstinada
busca levou a Dra. Anna a orientar-se por outros questionamentos sobre a
realidade da administração pública brasileira e a forma de como as relações
entre a burocracia governamental e a sociedade são diferentes no Brasil e nos
EUA. O resultado dessa investigação revelou que no nosso país a administração
pública NÃO ENXERGA no usuário dos serviços públicos O DIREITO de ser bem
atendido. O funcionário público convencional, com raras exceções, trata a
maioria dos cidadãos com desrespeito enquanto dispensa atenção especial para os
“chegados” (efeito propina). Ou seja, no Brasil, os órgãos públicos estão
absolutamente à vontade para pintar e bordar; fazer o que bem entender sem
nenhuma preocupação com as consequências das suas atitudes, como se o universo
da administração pública fosse uma terra sem lei. Os órgãos formais de controle
até existem, mas nunca punem ninguém; concentram-se somente na teatralidade das
formalidades da burocracia sofismática para inglês ver.
Quanto ao usuário
comum do péssimo serviço público, este se recolhe a uma pequenez e
insignificância revestida de uma congelante passividade frente aos nepotismos,
aos privilégios, aos desmandos, à corrupção, aos desperdícios, à incompetência
e à tirania dos entes públicos. Tantas questões suscitam perturbadoras e
incômodas perguntas, tais quais: Por que as pessoas são tão complacentes? Por
que não têm consciência dos seus direitos como contribuinte dos mais de 80
tributos? Por que os funcionários públicos se consideram empregados dos seus
chefes e não da sociedade que de fato paga seus salários? Por que os cidadãos
brasileiros se comportam como tutelados e não como senhores, em seus contatos
com as repartições públicas? O que fazer diante do péssimo tratamento que o
cidadão recebe dos órgãos públicos?
As respostas a
esses embaraçosos questionamentos estão no modelo de democracia participativa
dos EUA, que favorece o “accountability”, justamente porque
desde muito cedo define o papel do cidadão como algo muito mais amplo do que a
mera participação no processo eleitoral. Nos EUA, tal qual acontece em outras
sociedades amadurecidas, existem inúmeras organizações, através das quais a
opinião do cidadão se faz ouvir e por cujo intermédio os descontentamentos são
processados. São associações de pais e professores, associações de
consumidores, comitês de vizinhança, associações profissionais, sindicatos,
comunidades eclesiais etc. Tais associações servem também de foro onde as
necessidades do cidadão são discutidas, consolidadas, traduzidas em demandas e
canalizadas para os órgãos públicos.
Assim, é natural
que a burocracia oficial dos EUA se preocupe com o “accountability” perante o público. E
também é natural que o tema “accountability”
seja discutido nas escolas, visto que isso cria condições para o fortalecimento
do ideal de cidadania e ao mesmo tempo coíbe a prática descarada dos desmandos
da administração pública, tão comuns no Brasil. Dessa forma, e com uma massa
populacional organizada e esclarecida, os funcionários públicos norte
americanos são muito, mas muito cautelosos nas suas condutas pessoais e
profissionais. Assim, somente entendendo esse processo de interatividade entre
a sociedade organizada e o poder público é que se alcança o real significado do
“accountability”, que é o pleno senso de
responsabilidade do poder público frente ao verdadeiro patrão, que é toda a
sociedade.
Reginaldo
ResponderExcluirExcelente postagem.
No setor privado de empresas locais e multinacionais, o termos também é pouco entendido e menos ainda praticado.
Ari
http://blogdoprofessorari.blogspot.com
Texto pertinente. Mas, se essa 'investigação' da Dra Anna fosse ter um nome seria: Contribuição ao complexo de vira-lata.
ResponderExcluirSe eu pudesse dirigir umas poucas palavras a ela, diria: Esqueça as Instituições. O problema está nos individuos.