terça-feira, 7 de maio de 2013

PROPINÓDROMO


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 07/05/2013 - A121

O tempo despendido no processo de abertura de uma empresa é considerado um importante termômetro para medir o grau de atraso de um país. Segundo estudos do Fórum Econômico Mundial, publicado no site InfoMoney, o Brasil só perde para a Venezuela na demora de abertura de uma empresa. Isso, no universo de 136 países pesquisados. Ou seja, por pouco não nos transformamos no pior país do mundo para se abrir uma empresa. Esse vergonhoso indicador é de um país que ambiciona ascender ao clube das grandes potências mundiais. O problema é que essa pretensa superpotência se enrosca totalmente no mais básico e elementar procedimento burocrático, sinal gritante da incompetência generalizada que se esparrama pelos mais remotos recônditos das frestas da nossa administração pública, onde gente sem a mínima formação e preparo controla a vida e o destino da sociedade. Ou seja, o inequívoco atestado de nação não desenvolvida salta aos olhos toda vez que um incauto empreendedor se depara com o festival de entraves que cai sobre sua cabeça quando ingenuamente tenta se utilizar dos meios legais para formalizar um pequeno negócio.

No Brasil, há muito tempo se discute o problema da demora na formalização de empresas. Alguns órgãos já evoluíram consideravelmente, como Receita Federal, Junta Comercial e SEFAZ. O cerne do problema está justamente no principal ente público, que é a prefeitura, visto ser ela o órgão licenciador. A prefeitura tem a última palavra; é ela que diz se a empresa abre ou não. Melhor dizendo, não é bem a prefeitura e sim, uma turma de funcionários lotados em “setores estratégicos”; aquelas pessoas envolvidas no processo das infinitas etapas de análise de uma extensa lista de exigências, os quais concentram em si o poder supremo de decisão. Se um deles bater o pé, o alvará não sai de jeito nenhum. E não há santo que dê jeito e não há nada que o requerente possa fazer. Essa é a nossa trágica realidade local. Existe uma legislação maluca com alto grau de subjetividade que permite o funcionário público fazer o que der na telha. E a prefeitura não dispõe de nenhum mecanismo de proteção ao requerente que se sentir prejudicado. Parece que ninguém tem coragem de mexer com o esquema hoje existente. Há rumores que dão conta de que está sendo preparado um setor de ouvidoria. Mas é isso: “ESTÁ SENDO”. O gerundismo é a característica maior da embromação. Tudo “ESTÁ SENDO”. Daqui a dois, três anos ainda teremos “ESTÁ SENDO” no café da manhã, no almoço e no jantar. E nem sequer escaparemos dos pesadelos na madrugada.

Se houvesse alguém de coragem na administração pública municipal, essa pessoa poderia instituir uma ouvidoria de acesso universal na internet, onde cada requerente com cadastro no Sistema iCad poderia fazer sua queixa e acompanhar on-line as análises e justificativas dos técnicos da prefeitura. A característica principal dessa ouvidoria seria a possibilidade de qualquer pessoa acompanhar o desenrolar de qualquer processo de qualquer requerente via internet. Esse modelo permitiria a análise do conjunto das reclamações, visto que milhares de problemas isolados são corriqueiramente tratados pela autoridade pública como casos isolados. Caso isolado é sinônimo de irrelevância. Irrelevante é aquilo que não merece atenção.

Uma ouvidoria convencional simplesmente não teria êxito. Não num estado agudo de descalabro hoje estabelecido. Nesse modelo convencional, cada um saberia do seu caso em particular, mas não teria noção da quantidade de pessoas martirizadas pela prefeitura e assim qualquer reclamação individualizada entraria num buraco negro sem nunca se transformar em ação eficaz que facilitasse a vida de quem quer pagar ISS e gerar empregos. Contudo, a coisa funcionaria muito bem se houvesse um escancaramento das ações dos funcionários da prefeitura na internet. Aí, sim, os casos não receberiam o tão manjado rótulo de “caso isolado”, frequentemente utilizado por demagógicas autoridades. Só assim, com tudo exposto na internet, cada funcionário da prefeitura se sentiria pressionado pela massa populacional e dessa forma poderia haver um freio nos esquemas hoje institucionalizados.

As histórias que correm entre os profissionais que prestam serviços de abertura de empresa são de arrepiar até mesmo o mais perverso dos canalhas. Há casos em que a prefeitura nega o alvará sob a justificativa de que o empreendimento não pode se instalar numa área residencial, sendo que na vizinhança do dito endereço estão instaladas várias empresas e todas com alvará. Há casos de empreendimentos simples, os chamados Pontos de Contato Tipo 1, como por exemplo, escritórios de representação comercial, que só a vistoria “in loco” do estabelecimento pode demorar muitos meses porque o fiscal nunca pode ir, mesmo que o requerente leve um ano peregrinando toda semana pelas salas do Implurb. O mais grave nesse caso é que o grau de medida da dificuldade para liberar um empreendimento simples é o mesmo grau de medida da facilidade para liberar um empreendimento de alto risco ambiental ou social. Tudo depende unicamente do poder soberano concentrado nas mãos dos técnicos da prefeitura. Pesa a técnica heterodoxa de convencimento.á Há H


O Brasil é praticamente o pior lugar do mundo para se abrir uma empresa e Manaus é talvez o pior lugar do Brasil para se abrir uma empresa. Ante um mundo tão grande, o pior do pior está justamente aqui (-3° 6' 32.30", -60° 3' 03.90"). Esse incontestável fato é o retrato irretocável da qualidade do material humano que povoa o universo da nossa administração pública municipal. Como não há nenhuma esperança de que algo prático e positivo possa vir a acontecer, só nos resta cantar o Ultraje a Rigor: “A gente não sabemos escolher presidente. A gente não sabemos tomar conta da gente. A gente não sabemos nem escovar os dentes. Inútil... A gente somos inútil...”





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