Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18 / 4 / 2017 - A293
No
episódio da Operação Carne Fraca, muitas vozes se levantaram contra a operação
da Polícia Federal alegando que a divulgação do escândalo prejudicara
sobremaneira todo o sistema econômico do país. Um eminente figurão da república
chegou a classificar o evento como crime de lesa-pátria. Essas mesmas pessoas
estão agora inconformadas com os relatos dos delatores da Odebrecht porque esse
tipo de coisa piora o nosso fragilizado ambiente de negócios. Ou seja, na visão
desses observadores críticos não se deve mexer nas estruturas corruptas que
comandam o país porque isso compromete a tal da governabilidade. O melhor a
fazer, seria deixar a bandidagem seguir na sua rotina delinquente. Mesmo
porque, acima de qualquer moralismo ou denuncialismo panfletário pesa o
interesse em negócios frequentemente espúrios com o poder público. Além do
mais, todo mundo sabe que ninguém prospera no Brasil que não seja através de
caminhos tortuosos. Essa lição é aprendida desde cedo: O sucesso é reservado
para pessoas de estômago forte e de muito sangue frio. Por outro lado, o
fracasso é destinado aos idealistas que adotam causas perdidas e cães
solitários (honestos de fato honestos). Tais sonhadores seguem atropelados pela
realidade espinhosa da mentira, do logramento, da fraude, da corrupção, do
crime. O grão-mestre da esperteza é aquele que sempre consegue se safar; é o
indivíduo que faz curvas perigosas sem despencar no abismo de alguma denúncia
grave. Se ao longo do caminho deletério não acontecer nenhuma desgraça, pouco
importará os meios utilizados, desde que a soma dos resultados seja de tal
monta a deixar muito invejoso revoltado. Mesmo porque, ninguém faz perguntas
inconvenientes aos vitoriosos.
Nenhum
esquema corrupto de extremada magnitude sobreviveria sem o consentimento de uma
sociedade hipócrita e adepta dum pragmatismo amoral. Quando se trata de
dinheiro ou do quanto a pessoa está se dando bem, pouco importa a falta de
recursos nas escolas ou nos hospitais. Que as crianças passem fome ou que os pobres
morram sem atendimento médico, isso não tem a menor importância. Ou seja, todo
aquele aprendizado filosófico/religioso de princípios morais e coisa e tal, é
tudo conversa pra boi dormir. No final das contas, o pai abre o jogo para o
filho e diz: Se você não mentir, roubar e enganar, não vai conseguir nada na
vida. Isso está bem claro nas dinastias cleptocráticas denunciadas pela
Operação Lava Jato (famílias de políticos embrulhadas na safadeza). A pergunta
que se faz é a seguinte: Quanto de honestidade e de honradez existente no
ideário coletivo norteia de fato a conduta do povo brasileiro?
O
que se sabe é que a propaganda na TV é linda – mostra uma nação de gente
decente, trabalhadora e feliz. Mas, como uma sociedade tão magnânima avaliza um
sistema institucional inteiramente corrupto? Como é que ninguém se levanta
contra a roubalheira? Como explicar o fenômeno das dinastias políticas que se
perpetuam no poder? Como entender a cabeça dum povo que sempre vota nos mesmos
ladrões de sempre? Como é que empreiteiros se aliam com a corrupção que
deveriam combater? Que direito tem os empresários de reclamar dos corruptos se
eles comem no mesmo cocho lamacento?
O
problema é de tamanha complexidade que a solução fica emparedada pelos hábitos
enraizados do vassalo dominado por convicções equivocadas. Chuvas e trovões de
denúncias não mudam a opinião de muita gente que defende com unhas e dentes o
seu político preferido. O fato mais preocupante dessa persuasão íntima está na
certeza do caráter delituoso do político idolatrado. O inusitado da coisa nos
leva a concluir que um indivíduo verdadeiramente honesto não pode compactuar
com a desonestidade. Alguns desses posicionamentos absurdos podem advir de pessoas
sem muita instrução, mas também se origina de intelectuais, artistas,
empresários etc. Tanta esquisitice alastrada pelos quatro cantos do país nos
faz lembrar que a verdadeira mudança será feita por cidadãos que ainda não nasceram,
visto que, para mudar um homem é preciso começar pela avó dele. Enquanto isso,
os ladrões continuarão debochando dos abestados.
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