quarta-feira, 26 de abril de 2017

O PODER SE PROTEGE


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 25 / 4 / 2017 - A294

Distribuída por várias regiões duma importante megalópole, diversas organizações criminosas se rivalizavam numa medida tal que as práticas delituosas consolidavam uma espécie de estado paralelo. Os chefões sabiam que sangrentas disputas facciosas fortaleciam a ordem constituída e os agentes da lei. Daí, o pacto de proteção mútua entre bandidos. Todas as vezes que uma quadrilha era desbaratada por investigadores policiais, os outros núcleos criminosos se articulavam de modo a neutralizar todo o trabalho investigativo. Com isso, garantiam a imediata recomposição da estrutura danificada. Passado um tempo, tudo voltava ao seu ritmo normal. Isto é, o tráfico voltava a traficar, os assassinos a assassinar, os milicianos a achacar, os ladrões a roubar etc. Por décadas, a polícia travou uma luta inglória até concluir que ações localizadas não surtiam efeitos definitivos por causa da impressionante capacidade regenerativa das organizações criminosas. Foi depois de um longo e exaustivo planejamento estratégico que aconteceram ataques intensivos e simultâneos aos centros operacionais e financeiros do crime organizado. Tudo aconteceu de tal modo que o tronco espinhal dos malfeitores foi esfacelado.

Por décadas, vem imperando no Brasil uma gigantesca e capilarizada organização criminosa que de tão sedimentada nas práticas burocráticas dos agentes públicos acabou sendo incorporada pela cultura popular. Ou seja, todo mundo sabe exatamente como a coisa pública funciona. Não é segredo pra ninguém o modus operandi dos processos licitatórios. Qualquer pessoa tem plena consciência da ladroagem que acontece no meio político. E tudo isso é algo absolutamente corriqueiro. Estranho, estranhíssimo, é ver um processo tramitar num órgão público sem necessidade de propina. Por isso é que a profissão de “desenrolador” ou de “solucionador” é uma das mais vicejantes. Essas pessoas estão sempre a postos para “fazer acontecer”. Claro, obvio, tudo por um precinho camarada. Agora, mesmo, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade está amarrando um processo absolutamente descabido de abertura de empresa numa região que concentra uns duzentos estabelecimentos comerciais. A SEMMAS permitiu a instalação de centenas de negócios, mas está impendido um deles de funcionar. O processo iniciou no DEGTA. Depois, foi para o DIGEO. Em seguida, para o DELIC, quando o senhor Keppler comunicou ao requerente que aconteceu um erro de procedimento da SEMMAS e por isso o processo voltou ao DEGTA. O senhor Keppler não tem noção nenhuma de quanto tempo o processo continuará tramitando. Há meses, o dito processo se arrasta e Deus sabe quantos meses ainda vai se arrastar. O motivo de tanto atraso está na rigidez do requerente de não dá propina pra ninguém. Claro, num país entupido de bandidos, esse futuro empresário vai ter muita dor de cabeça com os órgãos públicos. A prefeitura de Manaus não oferece nenhum mecanismo neutralizador de práticas condenáveis que tenha efeito instantâneo.

Na sequência interminável de delações que ocupa o noticiário por inteiro, fica a impressão de que a Odebrecht é a grande vilã da história e que os funcionários públicos são vítimas do implacável aliciamento da construtora. Na realidade, o quadro é justamente ao contrário. Por que a Odebrecht resolveu fazer uma super mega delação premiada? A intenção é implodir a República; detonar o Sistema Público por inteiro porque TUDO está contaminado até o osso. Um detalhe importantíssimo: O poder sempre se protege. Na hora que a bomba explode, todo o Sistema Público se une numa imensa e sinérgica retaliação contra o delator. O episódio do Mensalão ilustra com absoluta nitidez como políticos, juízes, procuradores, ministros e agentes de diversas esferas e instâncias se blindaram uns aos outros para garantir a manutenção do estado cleptocrático. No final das contas, somente o operador Marcos Valério se ferrou, enquanto toda a cambada de agentes públicos se safou.

Ciente da colossal força dessa ultra mega Estrutura Mafiosa travestida de Poder Público, o diretor Marcelo Odebrecht desencadeou um brutal e intensivo ataque com milhares de bombas denunciadoras lançadas ininterruptamente através dos diversos canais midiáticos. Estrategicamente, as investidas estão acontecendo em etapas meticulosamente calculadas para causar o máximo de estrago possível: Vieram os depoimentos. Em seguida, será mostrada uma farta documentação e, depois, quem sabe, áudios e vídeos das negociatas. Importante, é não parar. Mesmo porque, uma semana sem Odebrecht na televisão e os bandidos voltam a falar grosso. Nas vaticinadoras palavras do empreiteiro: Se ela cai, eu caio. Tradução: Se eu caio, todos caem comigo. The show must go on. 












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