quarta-feira, 25 de junho de 2014

CONTABILIDADE TECNOLÓGICA


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 25/06/2014 - A175

O estabelecimento comercial do centro da capital paraense fatura em média R$ um milhão por mês. Seu quadro funcional é composto de 40 empregados, sendo metade vendedores. Os demais são repositores, estoquistas, operadores de caixa e seguranças. No escritório trabalham três pessoas. Duas delas alimentam o sistema ERP Sankhya com dados de mercadorias que chegam a todo o momento. A terceira pessoa é a contadora, responsável pelos controles contábeis, tributários, trabalhistas e gerenciamento geral da loja. As atividades financeiras, de compras, de informática, além dos assuntos mais relevantes são de competência do próprio dono do negócio. Mesmo dispondo de uma estrutura enxuta os dirigentes alcançaram um nível extremado de qualidade do seu controle interno. Os 26 mil itens do estoque estão com suas situações tributárias rigorosamente parametrizadas. Tanto, que o arquivo eletrônico da EFD Contribuições é validado com sucesso no PVA, logo na primeira tentativa. A estupenda qualidade obtida no gerenciamento dos controles fiscais chamou a atenção da Secretaria de Fazenda do Pará, que escolheu essa empresa para ser a primeira no estado a emitir a nota fiscal eletrônica do consumidor.

Já outra empresa, também comercial, de faturamento mensal inferior a R$ um milhão/mês possui 20 funcionários com funções administrativas de retaguarda. Mesmo com toda essa gente, a escrituração contábil da empresa está um ano atrasada e seus controles fisco tributários são desastrosos. O ERP utilizado é todo desmantelado e o cadastro de produtos simplesmente não existe. Os funcionários consomem a maior parte das horas de trabalho consertando erros do passado e apagando intermináveis incêndios. Consequentemente, o rumo e o propósito do empreendimento foram perdidos em meio ao furacão de problemas decorrente da ingerência do negócio.  

A primeira empresa possui uma gestão progressista e sintonizada com os avanços tecnológicos e com as mudanças conjunturais do mercado. Sintonizada também com as pressões regulatórias do poder público. A segunda empresa se manteve agarrada aos paradigmas existentes lá no início da sua fundação. Ou seja, o tempo passou, o mercado virou de ponta-cabeça, o governo criou mecanismo avançados de controle fiscal e nada disso foi motivo suficiente para debelar o anacronismo entranhado na alma dos diretores.

O tempo passa, a conjuntura muda, o mercado se modifica e a tecnologia avança como um tsunami por cima das empresas e das pessoas. Os últimos anos vêm sendo marcados por profundas modificações na gestão tributária e contábil das empresas. Quem não percebeu isso vai morrer sem saber de onde veio o tiro. Aliás, muitos já morreram e outros estão agonizando nesse exato momento. Tal fenômeno vem se manifestando mais acentuadamente nas firmas de contabilidade desalinhadas com os rumos que as coisas estão tomando. E se elas não estão conseguindo fazer a transição tecnológica, menos ainda estão preparadas para ajudar seus clientes a lidar com o espinhoso desafio de profissionalizar suas equipes de trabalho.

A era do papel acabou, faz um bom tempo. Mesmo assim, muita gente não consegue se livrar do hábito de receber mensalmente no seu escritório, pacotes e pacotes de documentos embaralhados para serem posteriormente decifrados e transformados em registros contábeis. O resultado desse hábito é um mingau grosso e encaroçado. Essa prática antiquada causa muito desgaste e atritos frequentes entre o prestador de serviços contábeis e a sua clientela. A “culpa” de tudo isso é da máquina fiscalizatória governamental que vem aprimorando seus instrumentos de controle e assim dificultando sobremaneira a vida do sonegador bagunçado.

Cada vez mais acuado devido a tantos chacais no seu encalço, o único caminho que resta ao empresário é o da profissionalização do negócio. Essa premissa é válida para todo mundo, grande ou pequeno: ou se adota um padrão mínimo de gestão empresarial ou fica-se largado nos descaminhos da vida.

Quanto aos prestadores de serviços contábeis, estes precisam se adequar a essa nova era tecnológica através de pesados investimentos em modernos sistemas informatizados de gestão contábil; e também no desenvolvimento de modelos eficientes de prestação de serviço, além, claro, da capacitação intensiva dos seus recursos humanos. Ou seja, é impossível fazer uma omelete sem antes quebrar os ovos.

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terça-feira, 17 de junho de 2014

PORCOS HIGIÊNICOS


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 17/06/2014 - A174

Era uma vez um reino de criaturas otimistas, alegres e festeiras, apesar dos infinitos problemas socioeconômicos e de infraestrutura que a maioria tinha que conviver diariamente. Sofrimento maior cabia aos jumentos, burros, e antas, que eram obrigados a trabalhar duro para sustentar os ratos, as raposas e as aves de rapina – criaturas responsáveis pela administração do estado monarca. A responsabilidade de representar a sofrida população trabalhadora cabia aos porcos, cujo papel legislativo tinha uma importância fundamental para a comunidade, visto que tudo era feito em nome do povo animal e para o povo animal. A porcalhada possuía uma fenomenal habilidade com as palavras e por conta disso sempre encontrava um jeito de contornar os incessantes ataques da tropa de cavalos inconformada com a incestuosa relação da casa legislativa com o poder estabelecido. Essa dita relação mais se parecia uma orgia desvairada de tão desavergonhada que era. A coisa chegou num nível tão exagerado que certo dia a juíza coruja resolveu contar na televisão aquilo que todo mundo estava careca de saber. A magistrada detalhou fatos escandalosos e lamacentos que aconteciam diariamente no chiqueiro legislativo, onde muita lama jorrava na direção de várias instituições públicas. O chiqueiro legislativo e as demais instituições públicas estavam atolados num denso e putrefato lamaçal, cujos fedores se espalhavam pelos quatro cantos do reinado. Ou seja, não adiantava camuflar a corrupção com tergiversações se a catinga sentida por todos era insuportável – ninguém aguentava mais tanta esculhambação do poder público.

A calejada população em nada ficou surpresa com a matéria televisiva, mas o presidente do chiqueiro expressou toda sua indignação na tribuna legislativa, onde afirmou com veemência que os fatos relatados pela juíza coruja em nada tinham a ver com o chiqueiro congressista, onde todos eram limpíssimos e perfumados. Disse ainda o presidente que inexistia qualquer traço de lama na casa chiqueirissa. Nem também havia compra de votos nem desvio de parte das emendas parlamentares para campanhas políticas. A casa era o mais fiel e perfeito exemplo de ética pública, onde absolutamente nada de ilegal acontecia, sendo seus membros, todos, impolutos nas suas condutas pessoais e profissionais. Os demais porcos fizeram coro em apoio ao seu representante maior e assim resolveram exigir da justiça que a coruja fosse presa e decapitada por proferir tamanhas ofensas à instituição fundamental da democracia animal, cujo ataque reforçava no eleitor a falsa ideia de que a política de nada lhes servia. Dessa forma, foi dada a ordem para que os lobos caçassem a coruja por todos os cantos da nação, justamente porque ela ousou falar o óbvio ululante.

As autoridades desse reino tinham a fantástica capacidade de mentir dum modo absurdamente descarado. A dobradinha mentira/cara-de-pau era a arte mais valorizada, sendo os experts muito bem remunerados, além de também serem disputados no tapa pelos partidos políticos. As raposas velhas se configuravam no símbolo máximo da ciência mentiresca por terem chegado ao clímax da perfeição embusteira. Daí, o motivo de tanta adoração daqueles que ainda não conseguiam mentir sem piscar.

Toda essa esculhambação sistematizada era vista pela população como algo natural – coisa da política; até o dia em que a sociedade percebeu que o modelo perverso de governo já tinha se esgotado. Estava na hora de dar um salto civilizatório que pudesse salvar a nação do cataclismo institucional, visto que todas as estruturas sociais estavam seriamente corroídas pela corrupção. Havia também o iminente risco do país ser acometido de uma implosão espontânea. A atitude da juíza coruja foi importante para mostrar ao povo animal que o jogo sujo do poder não era tão natural assim e que por isso deveria ser combatido, mesmo sabendo que o processo de limpeza dos entes públicos poderia consumir anos, talvez gerações. Ainda assim, era preciso começar de algum lugar. 



terça-feira, 10 de junho de 2014

EMPURRANDO COM A BARRIGA (LEI 12.741)


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 10/06/2014 - A173

Jornal Nacional (06/06/2014) – A repórter Cláudia Bomtempo noticia a “nova lei” que obriga as empresas a informar os impostos pagos por produtos e por serviços. E ainda exemplifica a taxação de 13% sobre compra de instrumentos utilizados na pesca esportiva. A mesma reportagem informou que as empresas terão seis meses para se adaptar a tal da “nova lei”. E num tom novidadeiro o ministro Afif Domingos disse que o objetivo da dita “nova lei” é criar no consumidor a consciência de pagador de impostos. Nesse mesmo dia vários canais midiáticos da internet estampavam nas suas manchetes a entrada em vigor dia 09/06/2014 da lei que obriga as empresas a informar a carga tributária embutida nos preços de produtos e serviços (lei publicada em 2012). Ou seja, a sexta-feira passada foi tomada de ventos contrários. Afinal de contas, o que estava acontecendo? Que história era aquela de duas datas para uma mesma nova velha lei?

Pois é. Toda essa lambança de informações é bem a cara do governo. O Jornal Nacional errou feio ao conferir um tom de ineditismo ao assunto. E errou mais ainda quando utilizou a expressão “nova lei”. A Lei 12.741 é de 2012. O que o governo publicou foi a MP 649 que ADIOU PELA SEGUNDA VEZ os efeitos punitivos da Lei 12.741, sendo que a repórter Cláudia Bomtempo não esclareceu nada disso, preferindo induzir o público a acreditar que o objeto da reportagem era algo inédito. Quanta inocência!! Outra situação muito estranha foi a exemplificação da taxação do material de pesca esportiva. Uma esdruxulosidade, visto que a cesta básica amazonense paga 17% só de ICMS. Isso, sem contar PIS, COFINS, IPI etc. É claro que essa carga de 13% está mais do que errada. Provavelmente, o peso tributário é quatro vezes maior.

A Lei 12.741 é um alento de civilidade num país devastado pela corrupção e pelo massacre da população trabalhadora, visto que tem o poder de transformar cada habitante do Brasil num cidadão consciente da sua participação na gestão governamental. Ou seja, quem paga, cobra resultados. E é isso que o governo tanto teme: um povo esclarecido. Hoje, a incompetência e a corrupção não desencadeiam uma revolta massificada porque a massa ignorante acha que roubado é o dinheiro do governo. Esse pessoal não sabe ainda que o dinheiro do governo é na realidade aquele dinheirinho que faltou para comprar o leite do filho. Nosso sistema tributário é regressivo. Isso significa que quem paga a maior carga tributária do mundo é o pobre; ao contrário do sistema progressivo dos países desenvolvidos, cujo alvo da tributação é a renda dos ricos. Metade da arrecadação brasileira vem do consumo e a pequena fatia de imposto de renda do nosso bolo arrecadatório vem dos assalariados. Taxação sobre propriedade é uma piada no Brasil em comparação ao governo escandinavo que tributa pesadamente as heranças em função do demérito daquele que não construiu a fortuna. O Brasil dispõe de um riquíssimo arsenal de instrumentos jurídicos prontinhos para proteger o rico e ao mesmo tempo atacar o pobre com uma ferocidade escarnecedora. Esse modus operandi lembra bem o rei francês Luiz XIV, que dizia: “Quero que o clero reze, que o nobre morra pela pátria e que o povo pague”. Essa frase está estampada na fachada de cada secretaria de fazenda. Para ler, basta colocar os óculos da cidadania tributária.

Parece que a ideia é esconder, é enganar, é jogar lá pra frente, a possibilidade do tal pagador consciente de imposto existir aos milhões. Até o Jornal Nacional entrou na jogada. Essa história de imposto na nota é muito, muito antiga. Precisamente, 26 anos (CF art. 150 § 5º). E vinha rolando ano após ano no Congresso até que pelo milagre dos céus a Lei 12.741 foi promulgada em dezembro de 2012, com previsão de vigorar em junho de 2013. Talvez o governo tenha se assustado com o fato do terremoto das manifestações ter acontecido no mesmo mês em que a Lei 12.741 entrou em vigor. É como se o povo tivesse se revoltado ao saber da quantidade exorbitante de impostos agregados aos produtos que consome. Emblematicamente, o governo decidiu nesse mesmo junho de 2013 (através da MP 620), adiar por um ano os efeitos do diploma legal. Foi a mesma coisa que armar uma bomba relógio, visto que esse adiamento iria revelar o tamanho da mordida tributária justamente na semana de abertura da copa do mundo. É claro que o risco de novas convulsões sociais seria muito grande. Risco também para as eleições. Então o povo tinha que ser mantido na ignorância. Daí, mais um adiamento. Agora, para 2015. Provavelmente, haverá um novo adiamento para 2016. O objetivo é ir sempre empurrando a bronca com a barriga. Talvez por mais 26 anos.

O mais interessante nessa história toda é a revolta da classe empresária com os abusos regulatórios do governo. Essa classe não atentou para o fato de que a mais eficiente forma de protesto contra tais abusos seria simplesmente não esperar 2015 e mostrar agora ao consumidor o tamanho do pepino enverrugado que ele é obrigado a encarar diariamente. Ou seja, os comerciantes poderiam aplicar de imediato as disposições da Lei 12.741, informando assim ao consumidor todos os impostos embutidos nos produtos comercializados. Dessa forma, o povo iria saber quem é o verdadeiro vilão da história.

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terça-feira, 3 de junho de 2014

TORTUOSO CAMINHO DA JUSTIÇA FISCAL



















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 03/06/2014 - A172

A recém-empossada diretora financeira contratou de imediato um profissional contábil capaz de promover uma eficiência sem precedente na empresa; algo que desse um freio na roubalheira dos outros sócios. O contratado, de fato, era um brilhante especialista em controle interno, que depois de vários meses de preparação, enfim, concretizou o sonho da sua diretora. A coisa toda era um primor de gestão contábil financeira: tudo on-line, tudo amarrado, tudo evidenciado, todos os processos conectados. Ou seja, tudo perfeito demais na opinião da chefona. O problema é que ninguém da diretoria pode mais roubar; nem os sócios larápios, nem também a diretora financeira, que nunca imaginou algo tão enrijecido, nem também poderia supor que o contratado fosse um homem incorruptível. Por isso, não adiantava envolvê-lo com mensagens subliminares ou com jogos de sedução propinolísticas. O jeito então foi aturar o contador caxias e adotar uma conduta administrativa ética e responsável.

A complexa estrutura da secretaria de fazenda cumpre diariamente a sua função de fazer valer a legislação fisco tributária. Cada departamento abriga um grupo de funcionários capacitados para executar suas atividades técnicas como também para atender as demandas dos contribuintes. Tudo rigorosamente pautado por diversos códigos legais. Ou seja, isso pode, aquilo não pode; isso é assim, aquilo é assado etc. Todo esse formalismo acontece numa faixa, numa banda, num nível específico e direcionado à massa volumosa de contribuintes, o povão. Depois do expediente os gabinetes dos mais ilustres funcionários se transformam em pontos de acolhimento de algumas demandas específicas a merecer atenção especial. Nesses momentos mais íntimos os rigores deixam de ser tão rigorosos e os assuntos tratados se transformam em objetos maleáveis ao ponto de se ajustar aos interesses dos presentes à mesa de reunião. Os problemas surgem quando um ou vários outros funcionários do órgão passam a discordar e até a combater determinadas ações antiéticas dos colegas afeitos a práticas censuráveis. Da mesma forma, os conflitos se tornam frequentes quando normas fiscais abusivas propostas por uma gerência é combatida por chefes de outras gerências, que teimam em apelar para o senso de justiça fiscal. Ou seja, por sorte nem todo mundo é farinha do mesmo saco.

Com o intuito de conferir eficiência ao processo de controle fisco tributário o governo criou o monstrengo denominado SPED. Com isso, a movimentação fiscal das empresas está dentro dos computadores dos fiscos federal e estadual: todas as notas de compra, de venda; ajustes, apurações; para alguns a movimentação contábil etc. Ou seja, agora ficou difícil para o auditor fiscal estabelecer uma relação fisiológica com o contribuinte de modo a construir uma historinha bonitinha a quatro mãos. No tempo do papel a história válida era aquela escrita com a tinta dos acordos lesivos ao erário. Agora, o processo foi alçado a um sofisticado patamar tecnológico, exigindo muito preparo daquele que se aventurar em manobras fiscais arriscadas. Ou seja, como fazer sumir um pacote de notas fiscais do sistema se a Receita Federal tem uma cópia de tudo? Como reconstruir uma EFD já transmitida, considerando seus vínculos com diversas outras operações? O desenvolvimento de eficientes mecanismos de inteligência artificial está conferindo ao governo um poder controlador nunca antes imaginado, que no momento ainda não alcançou voo de cruzeiro devido a fatores humanos. Quando o processo de controle total se consolidar, até o chefe maior ficará impedido de ajudar todos os amigos necessitados.

Para incomodar mais ainda a vida dos sonegadores e corruptos de plantão, a SEFAZ AM criou nesse ano o seu núcleo de Inteligência Fiscal. Ou seja, o órgão está se preparando para gerenciar eficazmente a massa de metadados armazenada no repositório do SPED. Além disso, também está se capacitando para investigar práticas complexas de sonegação tributária, além de outros delitos. Mas, como dito antes, o fator humano é o agente crítico do projeto.

O Protocolo ICMS N° 66/2009 dispõe sobre a instituição do Sistema de Inteligência Fiscal (SIF) e intercâmbio de informações entre as unidades da Federação, tecnicamente denominadas Unidades de Inteligência Fiscal dos Estados (UnIF). O projeto é baseado na mútua cooperação técnica e intercâmbio de informações no interesse das atividades de inteligência fiscal, tudo pautado numa doutrina orquestrada pela Receita Federal do Brasil. O texto da lei parece um manual de detetive, o qual trabalha conceitos metafísicos de interpretação e avaliação de situações complexas, envolvendo elementos psicológicos e cognitivos. Isso, sem falar na utilização dos mais avançados recursos de tecnologia da informação. Resumindo, parece que o Fisco está na vanguarda tecnológica quando o assunto é inteligência fiscal. Na retaguarda estão as organizações que ano após ano permaneceram inertes enquanto o Fisco construía sua teia.

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terça-feira, 27 de maio de 2014

ELES QUEREM SER GENTE































Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 27/05/2014 - A171

As atividades do jardim zoológico vinham transcorrendo dentro da normalidade até o dia que uma organização não governamental passou a questionar os métodos utilizados no trato dos animais. Na mesma localidade funcionava o canil municipal que abrigava cães vadios recolhidos nas ruas. O barulho dos ativistas foi tão forte que chamou a atenção da sociedade para a qualidade da alimentação dos animais, além das condições de saúde e do local de abrigo dos bichos. Os protestos eram também motivados pelas péssimas condições da carrocinha que transportava os cachorros amontoados, uns por cima dos outros. Por conta das insistentes reclamações, a administração do jardim zoológico passou a rever seus procedimentos operacionais. Foi constatado, por exemplo, que o estado da carrocinha era de fato terrível, com muita sujeira, aperto e trepidação, além do calor excessivo, já que a estrutura era quase que toda fechada. Havia casos de cães que morriam durante o transporte. Alguém disse para o diretor que as condições de transporte eram desumanas. O diretor retrucou, afirmando que os transportados não eram humanos; eram somente animais. O mesmo argumento se aplicava às reivindicações de abrigo, alimentação, saúde etc.

O diretor do zoológico não nutria nenhum sentimento de piedade porque simplesmente nunca foi transportado na carrocinha, nunca comeu os alimentos servidos aos animais nem nunca passou a noite nos abrigos cheios de goteiras do jardim zoológico. Nem jamais foi tratado por um veterinário. A mesma situação se aplicava a outras autoridades do poder público, que também estavam se lixando para o caso. Os animais, coitados, não tinham voz nem meios de reivindicar melhores condições de vida, dependendo assim do apoio de algumas almas devotadas da ONG supracitada.

Pois é. As notícias dos últimos dias dão conta do rebuliço em torno das greves do sistema de transporte urbano. As cenas mostradas na televisão são aterradoras, com senhoras idosas e doentes sendo obrigadas a fazer longas caminhadas. O espetáculo de desgraças se sucede à medida que os repórteres vão mapeando o problema. Mesmo diante do quadro degradante, as autoridades não conseguem desenvolver nenhum sentimento de piedade, já que elas andam nos seus carros com ar-condicionado e motorista particular pago pelos impostos que os desgraçados espremidos nos ônibus são obrigados a suportar.

Quando a imprensa internacional faz muito barulho em torno do estado de penúria da saúde pública brasileira, as autoridades convocam uma reunião de emergência onde bem acomodados em poltronas superconfortáveis passam a confabular sobre uma coisa que eles não têm noção nenhuma de como funciona. Afinal de contas, eles só entraram no hospital público no dia da inauguração. E quando a saúde de um deles é abalada, de imediato são transportados de jato particular para uma clínica de referência internacional. Tudo, claro, pago com o suor do trabalho daqueles que estão morrendo em macas enfileiradas nos corredores dos hospitais públicos.

Estamos vivendo um pesado clima de apreensão com a proximidade da copa do mundo da FIFA. Os sinais de convulsão já são sentidos pela população com greves e manifestações se avolumando num ritmo preocupante. Na semana passada a revista alemã Der Spiegel afirmou que justamente no país do futebol, a copa do mundo corre risco de ser um fiasco. A capa da revista mostra a “brazuca” incandescente caindo no Rio de Janeiro como se fosse um asteroide a destruir a cidade. A reação de alguns figurões da elite milionária brasileira é de indignação com um povo mal educado que não percebe a belíssima oportunidade do país fazer bonito diante do mundo inteiro. Esses figurões não entendem o motivo de tanta reclamação. Para eles, o pobre tem mesmo é que sofrer. Quem mandou ser pobre?

As autoridades do governo e a elite aristocrática acham tudo muito normal. Eles acham normal andar em carros blindados, morar em condomínios rodeados de cercas elétricas e frequentar restaurantes exclusivos com seguranças armados prontos para expulsar os mendigos que se aproximam para pedir esmolas. Quando um desses figurões atropela e mata um trabalhador, basta dar um dinheirinho para a polícia e mais um pouco para o juiz que tudo se resolve rapidinho. Daí, a raiva desse povo pobre que de uma hora para outra quer ser tratado como gente. É realmente o fim do mundo. E da copa.



terça-feira, 20 de maio de 2014

Caminho aberto para isenção de Pis/Cofins


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 20/05/2014 - A170

O sistema tributário brasileiro é marcado pela burocracia levada ao extremo máximo da prolixidade desmedida. São labirintos infinitos de regras e interpretações prontas para enlouquecer qualquer um que se disponha a decifrá-las. Tudo indica que essa é a intenção do legislador, visto que aqui a burocracia consome dez vezes mais horas de trabalho do que nos países desenvolvidos. Dados da Revista Consultor Jurídico de 09/10/2013 mostram que em 25 anos foram publicadas no Brasil 4.785.194 normas legais, sendo que 309.147 tratam especificamente de matéria tributária. Ou seja, o nosso ambiente tributário é um autêntico campo minado, onde ninguém está livre de morrer ou perder uma perna. A consequência imediata desse estado de coisas é a formação de um denso e pesado clima de insegurança jurídica que arruína os pilares da nossa economia e promove um estado de paranoia coletiva, já que nesse país nada do que está escrito em lei tem valor. Diariamente, testemunhamos a profanação do brocado latino “In claris non fit interpretatio”, sem que nenhum sinal de mudança positiva seja avistado no horizonte. Enquanto isso, as brigas judiciais são resolvidas na base da força bruta, ganhando sempre quem tem mais poder e influência.

Ante tantas convulsões e desarranjos institucionais pode-se considerar o Caso Samsung um marco emblemático, simplesmente porque os advogados da empresa fizeram valer o que está escrito em lei, desobrigando a empresa do pagamento de Pis/Cofins nas vendas para a Zona Franca de Manaus. O grande mérito da ação está no fato de ter sido arrefecida a forte influência da Receita Federal no Judiciário, onde os magistrados são obrigados a lidar com demandas espinhosas temperadas com argumentos de quebra do erário. Depois de uma década de luta a decisão foi transitada em julgado, pavimentando o caminho para que outros interessados também briguem pelos seus diretos. Agora, depois de mais de dois anos da conquista, as decisões já estão saindo em cerca de seis meses, consolidando assim uma interpretação a favor do contribuinte que tende a ganhar agilidade na medida em que mais e mais empresas tomem a iniciativa de acionar a justiça. Ou seja, a enxurrada de ações está “doutrinando” os magistrados e iluminando seus discernimentos. Por isso é que é fundamental que meio mundo de gente tome a mesma iniciativa, justamente para demolir todas as argumentações da RFB.

O artigo 4º do Decreto Lei 288/1967, que regulamentou a ZFM, diz que “A exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro”. Ao mesmo tempo, exportação de mercadorias para o exterior é isenta de Pis/Cofins, conforme disposições contidas na legislação em vigor: Medida Provisória 2158-35/2001 (artigo 14º, inciso II, parágrafo 1º); Lei 10833/2003 (artigo 6º, inciso I); Lei 10637/2002 (artigo 5º, inciso I). A tese arguida pelo contribuinte é que o DL 288/67 menciona a ZFM como destino de mercadoria para que a operação seja equiparada a uma exportação para o estrangeiro, não estabelecendo condicionantes relacionadas ao fato dessa mercadoria ser remetida de uma empresa localizada fora ou dentro da ZFM. Assim, as vendas ocorridas no âmbito da ZFM para adquirentes da mesma localidade seriam enquadradas no artigo 4º do supracitado decreto lei. E como é claro e notório, a Receita Federal não concorda com essa interpretação e por esse motivo continua arrecadando uma quantia fabulosa de Pis/Cofins dos contribuintes acomodados da nossa região incentivada.

Portanto, está na hora, principalmente, das empresas comerciais se organizarem em torno desse assunto de extrema importância para a defesa do Estado de Direito. Muitas vezes, os abusos do Fisco são decorrentes da inércia do contribuinte que engole tudo calado. Se houvesse mais dinamicidade e participação da sociedade organizada na elaboração das normas legais, talvez não estivéssemos atolados até o pescoço no lamaçal burocrático e perverso da legislação tributária. Chega se esconder pelos cantos escuros da sonegação e dos riscos fiscais. Até mesmo porque a magia das “soluções fáceis” do passado se transformou em verdadeiras arapucas.



terça-feira, 13 de maio de 2014

Muito cuidado com as armadilhas do SPED


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 13/05/2014 - A169

O empresário Barney Rouble aproveita o raro momento de descontração numa festa de amigos para interpelar o concorrente Frederico Flinststone. O objeto da conversa é pagamento de impostos; mais precisamente a quantidade excessiva de tributos pagos pelo interpelado. O senhor Rouble atinge o senhor Flinststone com palavras duras, como se tencionasse ridicularizar a insana atitude de alguém que resolve cumprir plenamente a legislação fisco tributária. Em meio a tanto barulho, o senhor Rouble diz que daqui a cinco anos ele terá uma poupança de sete milhões de reais referentes a impostos sonegados, enquanto que o tolo terá entregado o mesmo valor para o governo torrar nos esquemas de corrupção.

Infelizmente, o sonegador Barney está certo quanto ao destino do dinheiro dos impostos. Esse é um lado da moeda. O problema é que o governo corrupto é também um tirano forte e impiedoso, que possui um arsenal bélico pronto para combater aqueles que sonegam ou que clamam por justiça fiscal. O governo tem o poder; o governo manda; o governo intimida; o governo pinta e borda. Ou seja, é perfeitamente justo lutar contras as forças destruidoras de empresas. A questão é desenvolver uma estratégia viável e inteligente de luta. Por exemplo, não pagar imposto nenhum é colocar a “retaguarda” na janela, ficando-se por demais exposto a todo tipo de intempérie e a “outras situações” constrangedoras. Dessa forma, quem tem nas mãos a responsabilidade de manutenção dum negócio corre o risco de ser devorado pela decisão errada.

O outro lado da moeda consiste na disposição de promover uma brutal e penosa reengenharia na estrutura do negócio. Sabe-se que poucos estão dispostos a enfrentar esse desafio. Comerciantes tradicionais e cansados dos anos de luta têm sérias dificuldades de se reinventar. E é justamente isso que o SPED exige das empresas: uma substancial revolução nos processos operacionais. Apesar do custo e da complexidade burocrática, algumas empresas contam com núcleos de excelência fisco-tributária e assim estão conseguindo trabalhar de modo sustentável.

Fala-se muito sobre SPED, mas poucos mergulharam nas suas entranhas. A arquitetura lógica do SPED Fiscal (EFD), por exemplo, é um primor da engenharia de sistemas, visto que interliga uma imensa gama de processos até formar uma espécie de equação matemática. Na realidade, o SPED é uma inteligência que relata de modo detalhado os fenômenos fiscais ocorridos num determinado período de tempo. E faz isso de tal forma que conversa com aquele que sabe sua linguagem. Por desconhecer a característica sorrateira dessa tecnologia é que as empresas estão exibindo todo mês as suas “retaguardas” para o Fisco fazer o que quiser. Por enquanto o Fisco não está fazendo muita coisa. Por enquanto...!!

Uma característica curiosa do SPED é que ele foi tão bem projetado que o erro de uma empresa é denunciado por outra. Tal fato ocorre sem que nenhum dos envolvidos tenha ciência da denúncia. Exemplo: O comerciante Ípsilon comprou um lote de mercadorias do distribuidor Xis pelo valor de R$ 20.000,00. Na nota fiscal que acompanha a entrega da mercadoria consta o valor de R$ 8.000,00. A empresa Ípsilon faz a devolução da nota fiscal subfaturada e exige outra nota fiscal com o preço “cheio”. O distribuidor Xis encaminha outra nota fiscal com o preço correto. Pois bem. Toda essa história é contada direitinho para o Fisco através do arquivo SPED da empresa Ípsilon. E o mais curioso (temeroso) é que o programa de validação fornecido pelo governo (PVA) não detecta esse tipo de coisa. Como também não detecta uma série de outros erros fiscais cometidos pelas empresas. Isso significa que muita gente está entregando de bandeja para o governo as suas falhas operacionais “y otras cositas más”. Ou seja, o SPED é um grandessíssimo alcaguete. Ele dedura tanto os próprios erros quanto os erros dos parceiros de negócios.

Talvez o Fisco ainda não tenha entrado de sola na escrituração das empresas de forma massiva porque isso quebraria meio mundo de gente e também porque o próprio ente fazendário ainda não domina plenamente o processo de auditoria eletrônica. Mesmo assim, investe pesado na capacitação do seu quadro de auditores e analistas fiscais e outros funcionários envolvidos com o assunto.

As empresas, por sua vez, além de profissionalizar os seus processos operacionais, precisam também lançar mão de uma moderna ferramenta de auditoria do arquivo validado do SPED, de modo a evitar que falhas operacionais sejam encaminhadas ao Fisco. Há uma em especial que faz isso de forma primorosa.