Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 07/01/2014 - A152
A
novela Chocolate com Pimenta, lançada no ano de 2003, mostrou a curiosa
história do garoto Bernardo que foi criado como Bernadete. Numa época de
rigorosos pudores e sem acesso a nenhum tipo de informação, o Bernardo
acreditou por muito tempo que fosse de fato uma menina. Mesmo assim, ele era
acometido de estranhos sentimentos e atrações por algumas garotas, o que lhe causava
grande confusão psicológica. E por mais que a empregada da mãe adotiva insistisse
naquela situação desajustada, as circunstâncias contribuíram para que a verdade
emergisse. Antes desse desfecho, muitos eventos rocambolescos se desenvolveram na
vida da família. Obviamente, tamanho absurdo não poderia se manter de pé por
muito tempo, visto que uma anomalia jamais poderia se ajustar a um ambiente de
normalidade. Apesar de grandes esforços despendidos para cumprir uma promessa à
Santa Bernadete, ninguém conseguiu mudar a natureza do garoto e dessa forma a
realidade dos fatos acabou prevalecendo.
Não
é privilégio somente do Bernardo, se corroer em angústias por achar que algo de
muito errado existe ao seu redor. Por mais que se tente aceitar condições
discrepantes uma força maior tende a nos expulsar de situações anômalas. Por
isso, muita gente é acometida de estados paranoicos todas as vezes que se vê
obrigada a pagar um imposto incidente sobre vendas quando a venda não
aconteceu. Dessa forma, a solução encontrada para não entrar em parafuso é
considerar a obrigação como um tributo incidente sobre as compras de
mercadorias.
Na
prática, aquele simples e calejado contribuinte do ICMS não tem tempo nem
paciência para divagar nas ondas hermenêuticas e psicodélicas da legislação
tributária. Isso, ele deixa para os doutos e eruditos que ficam em salas
climatizadas a pensar o mundo lá fora. Ali, na labuta do dia a dia, aquele que
paga, enxerga muito claramente na substituição tributária um imposto sobre
compras. O pragmatismo do comerciante o faz considerar esse tributo como parte
do custo de aquisição da mercadoria. E mesmo assim, ele só paga porque é
obrigado e também porque não consegue comprar sem nota fiscal.
Confusão
é o outro nome do nosso sistema tributário. Um exemplo: Se o imposto incide
sobre vendas, e se a venda não aconteceu, como poderia nascer uma obrigação
financeira? Parece confuso? Essa é a ideia. Quanto mais confuso mais fácil
confundir e ludibriar o contribuinte.
A
maior parte da confusão e revolta decorrente do advento da substituição
tributária aconteceu porque o governo afirmou que o fato gerador do novo
imposto era a venda não acontecida, quando na realidade era a compra efetivada.
Depois de muito se estrebuchar o empresário, enfim, engoliu o sapo e hoje está
pagando direitinho o tal do ICMS ST. Alguns até enxergam o aspecto positivo da
antecipação do tributo, que é o grande prazer de não ver com frequência a cara
dos fiscais corruptos, principalmente aqueles especializados na arte de
encontrar chifres em cabeça de cavalo.
De
certa forma, o instituto da substituição tributária suscitou a possibilidade de
simplificação do mais complexo dos tributos, por dispensar o controle sobre o
fenômeno da Não Cumulatividade do ICMS. A Não Cumulatividade, que em tese aparenta
ser uma forma justa de tributação, é, na prática, um poderoso agente
burocrático a exigir verdadeiros batalhões de funcionários públicos e privados para
administrá-la. Prova disso é a gigantesca confusão criada com o Pis/Cofins não
cumulativos. A arrecadação desses tributos teve um estúpido aumento, mas em compensação
as empresas e o fisco estão afundados no lamaçal burocrático derivado da nova modalidade
de taxação.
A
simplificação é possível e será benéfica para todos. Um modelo a se considerar
seria aquele baseado na cobrança do tributo por ocasião das entradas no estado.
Seria o Imposto Sobre Compras de Mercadorias. Extinguir-se-ia assim a retenção
do ICMS pelo fornecedor e todas as outras modalidades desse imposto indireto. É
possível até que houvesse um aumento de arrecadação, visto que atualmente a própria
SEFAZ não tem certeza absoluta de que todos os valores retidos a título de ICMS
ST por empresas fora do Amazonas são de fato repassados ao nosso erário
estadual. Ou seja, é possível que muitos substitutos tributários estejam
embolsando o tributo cobrado do substituído. A culpa desse estado de coisas é
dos próprios fiscos estaduais que insistem na manutenção de um sistema confuso
e inadministrável.
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