terça-feira, 7 de janeiro de 2014

IMPOSTO SOBRE COMPRAS DE MERCADORIAS


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 07/01/2014 - A152

A novela Chocolate com Pimenta, lançada no ano de 2003, mostrou a curiosa história do garoto Bernardo que foi criado como Bernadete. Numa época de rigorosos pudores e sem acesso a nenhum tipo de informação, o Bernardo acreditou por muito tempo que fosse de fato uma menina. Mesmo assim, ele era acometido de estranhos sentimentos e atrações por algumas garotas, o que lhe causava grande confusão psicológica. E por mais que a empregada da mãe adotiva insistisse naquela situação desajustada, as circunstâncias contribuíram para que a verdade emergisse. Antes desse desfecho, muitos eventos rocambolescos se desenvolveram na vida da família. Obviamente, tamanho absurdo não poderia se manter de pé por muito tempo, visto que uma anomalia jamais poderia se ajustar a um ambiente de normalidade. Apesar de grandes esforços despendidos para cumprir uma promessa à Santa Bernadete, ninguém conseguiu mudar a natureza do garoto e dessa forma a realidade dos fatos acabou prevalecendo.

Não é privilégio somente do Bernardo, se corroer em angústias por achar que algo de muito errado existe ao seu redor. Por mais que se tente aceitar condições discrepantes uma força maior tende a nos expulsar de situações anômalas. Por isso, muita gente é acometida de estados paranoicos todas as vezes que se vê obrigada a pagar um imposto incidente sobre vendas quando a venda não aconteceu. Dessa forma, a solução encontrada para não entrar em parafuso é considerar a obrigação como um tributo incidente sobre as compras de mercadorias.

Na prática, aquele simples e calejado contribuinte do ICMS não tem tempo nem paciência para divagar nas ondas hermenêuticas e psicodélicas da legislação tributária. Isso, ele deixa para os doutos e eruditos que ficam em salas climatizadas a pensar o mundo lá fora. Ali, na labuta do dia a dia, aquele que paga, enxerga muito claramente na substituição tributária um imposto sobre compras. O pragmatismo do comerciante o faz considerar esse tributo como parte do custo de aquisição da mercadoria. E mesmo assim, ele só paga porque é obrigado e também porque não consegue comprar sem nota fiscal.

Confusão é o outro nome do nosso sistema tributário. Um exemplo: Se o imposto incide sobre vendas, e se a venda não aconteceu, como poderia nascer uma obrigação financeira? Parece confuso? Essa é a ideia. Quanto mais confuso mais fácil confundir e ludibriar o contribuinte.

A maior parte da confusão e revolta decorrente do advento da substituição tributária aconteceu porque o governo afirmou que o fato gerador do novo imposto era a venda não acontecida, quando na realidade era a compra efetivada. Depois de muito se estrebuchar o empresário, enfim, engoliu o sapo e hoje está pagando direitinho o tal do ICMS ST. Alguns até enxergam o aspecto positivo da antecipação do tributo, que é o grande prazer de não ver com frequência a cara dos fiscais corruptos, principalmente aqueles especializados na arte de encontrar chifres em cabeça de cavalo.

De certa forma, o instituto da substituição tributária suscitou a possibilidade de simplificação do mais complexo dos tributos, por dispensar o controle sobre o fenômeno da Não Cumulatividade do ICMS. A Não Cumulatividade, que em tese aparenta ser uma forma justa de tributação, é, na prática, um poderoso agente burocrático a exigir verdadeiros batalhões de funcionários públicos e privados para administrá-la. Prova disso é a gigantesca confusão criada com o Pis/Cofins não cumulativos. A arrecadação desses tributos teve um estúpido aumento, mas em compensação as empresas e o fisco estão afundados no lamaçal burocrático derivado da nova modalidade de taxação.

A simplificação é possível e será benéfica para todos. Um modelo a se considerar seria aquele baseado na cobrança do tributo por ocasião das entradas no estado. Seria o Imposto Sobre Compras de Mercadorias. Extinguir-se-ia assim a retenção do ICMS pelo fornecedor e todas as outras modalidades desse imposto indireto. É possível até que houvesse um aumento de arrecadação, visto que atualmente a própria SEFAZ não tem certeza absoluta de que todos os valores retidos a título de ICMS ST por empresas fora do Amazonas são de fato repassados ao nosso erário estadual. Ou seja, é possível que muitos substitutos tributários estejam embolsando o tributo cobrado do substituído. A culpa desse estado de coisas é dos próprios fiscos estaduais que insistem na manutenção de um sistema confuso e inadministrável.

O que mais impressiona o indivíduo acometido de lampejos de lucidez é a passividade das empresas frente à absoluta resistência do poder público de fazer qualquer esforço para promover uma efetiva reforma tributária. É inacreditável o fato de ninguém pensar em nada e nada de concreto fazer para frear o avanço da monstruosidade burocrática que está matando as empresas e matando o país. A burocracia desenfreada financia o agigantamento do estado. Além disso, sua complexidade é um eficiente instrumento camuflatório dos esquemas de corrupção. Ou seja, quanto mais confusa uma coisa, mais temeridades ela encerra. E quanto mais resistente à desburocratização for uma pessoa, mais suspeita é de está envolvida em algo sujo.


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