Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 29/03/2016 - A249
As
varizes se expandiam e se agravavam sem que nenhum tratamento melhorasse a
péssima estética das pernas. Uma elegante meia-calça disfarçava o problema, mas
o pescoço pelancudo exigia um ritual cansativo envolvendo aplicação de cremes e
muita maquiagem. Maria achava tudo isso injusto, já que fazia imensos
sacrifícios para manter o peso ou sofrer o dia inteiro naqueles sapatos altíssimos.
Sua amiga Raimunda seguia na direção contrária da ditadura da beleza. Por comer
muito era bem fofinha, repelindo assim os olhares masculinos. A coitada morria
de vergonha do próprio corpo. Tanto, que evitava passar muito tempo na frente
do espelho. O problema do João era outro. Um problema pequeno. Pequeno demais.
Daí, seu esforço para ser um cara super bonitão, atraindo olhares assanhados da
mulherada. Curiosamente, tanto sucesso não combinava com os pouquíssimos
relacionamentos amorosos. O seu pequeno problema dificultava tudo e o João
fazia de tudo para evitar exposição da sua intimidade. O Pedro não tinha um
pequeno problema, mas o cara era feio pra caramba. Por esse motivo estava
sempre bem vestido com roupas bonitas e largas. Isso desviava o foco da feiura.
Eis
que esse pessoal viajou num ônibus para o interior do estado para visitar um
belo local turístico. O veículo foi interceptado no meio da noite por um grupo
de bandidos que obrigou o motorista a desviar a rota até chegar num galpão
abandonado de uma antiga fábrica no meio do mato. Não bastasse o pânico do
sequestro, o imenso contingente de passageiros foi obrigado a ficar sem nenhuma
roupa. Como era noite, as pessoas se sentiram vestidas pela escuridão. Mas no
dia seguinte descobriram que o ambiente era super iluminado por telhas
transparentes. Daí, que o constrangimento bateu forte nos mais pudorosos. O
João se recolheu num canto, não querendo de forma alguma sair dali. Os demais
ficaram desorientados, sem saber como se comportar. O dia foi passando até que o
cansaço foi obrigando um a um a se levantar e a esticar o corpo. Os primeiros
foram encorajando outros e mais outros até que em certo momento a vergonha
diminuiu bastante. O sequestro durou uma semana, sendo que no final quase todo
mundo encarava a nudez com naturalidade, como se estivessem vestidos. Até o
João desencanou. Tanto a Maria quanto sua amiga Raimunda ia de um lado para o
outro do galpão sem grilos ou constrangimentos, já que todo mundo tinha uma ou
outra feiura.
Pois
é. Os recentes e históricos estremecimentos políticos vêm desnudando as feiuras
que tantos se esforçam para mantê-las encobertas por grossas e opacas camadas:
camiseta, camisa, colete, terno, discursos, maquiagem, marqueteiros etc. De
início, aquela tatuagem horrorosa no braço foi revelada em praça pública.
Depois, as pernas tortas e magrelas. Em seguida, várias cicatrizes de pereba na
bunda. A reação imediata às primeiras revelações foi a de suavizar o choque do
constrangimento. Depois, inventar teorias sobre conceitos estéticos mais
elásticos. Por fim, depois do caldo entornado, bradar aos quatro ventos que a
FEIURA É NORMAL, sugerindo que todos também são feios. E se todos são
pavorosos, não há motivo para ninguém se envergonhar. “Todos”, significa eu,
você e os brasileiros em geral. Pior de tudo é que somos obrigados a reconhecer
que o universo político é reflexo direto do mundo privado. Ou seja, eles, somos
nós e nós somos eles. Se eles estão lá é porque há consentimento do lado de cá.
Os
problemas da nossa política são de sempre. A roubalheira, a corrupção, a
demagogia, o descaramento são partes do corpo político. Cortar a corrupção é o
mesmo que cortar o braço desse corpo. Cortar as ignomínias equivale a cortar as
pernas. E assim por diante. Cortar tudo de ruim seria o mesmo que cremar esse
corpo, reduzindo-lhe a cinzas. Quem hoje está na política, estar lá justamente
por causa dessas peculiares características. Pergunta-se: Por que será que as
brigas por cargos estratégicos são tão ferozes? Por que será que ministérios
decorativos com pouco orçamento são tão pouco atrativos? Conclui-se então que
uma nova política exigiria um novo corpo, formado por novas mentalidades, uma
vez que, em vista do plantel atual, todo mundo cairia fora no momento em que
não fosse mais possível roubar. Toda aquela excitação de quem luta para
ingressar nos círculos do poder é movida pela expectativa de um dia entrar para
o clube dos ladrões.
Infelizmente,
lamentavelmente, assistimos de camarote à desintegração do nosso sistema
político. Na esteira de tantas desgraças, as instituições seguem agonizando por
causa do cupinzeiro instalado nos seus pilares mais importantes. O descalabro é
mais grave e mais profundo do que qualquer mente criativa poderia imaginar. E no
meio da tempestade somente um potentado se mantém intacto, que é o Juiz Sergio
Moro. Se ele cair, a desgraça será total e irremediável. Que Deus tenha piedade
das nossas almas coniventes.
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